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A trajetória das HQs de terror no Brasil

11 setembro 2015

Origem, ascensão e ocaso de um dos gêneros de maior sucesso nos quadrinhos brasileiros.

 

"No Brasil, o gênero terror sempre foi um dos mais importantes dos quadrinhos, desde o final da década de 1930 (Garra Cinzenta já era uma dessas histórias, só que com elementos policiais) até meados dos anos 1990. Os brasileiros adoram uma boa história de terror, seja de lobisomem, assombração ou boitatá. Isso tem nos interessado como manifestação cultural."

O autor dessa afirmação é alguém que, não bastasse o fato de conhecer muito a história dos quadrinhos de terror no Brasil, também fez parte dela. Aos 52 anos de idade, Antônio Rodrigues é hoje publicitário da agência Momentum WW. Até a década de 1980, porém, ele escrevia histórias e fazia os layouts para que pesos-pesados como Rodolfo Zalla e Flavio Colin as transformassem em assustadoras HQs de horror.

Além disso, com Zalla e Rubens Cordeiro, criou personagens como Nádia, a filha de Drácula, e foi um dos principais argumentistas de Mestres do Terror, revista publicada pela editora D-Arte e uma das mais importantes da história dos quadrinhos nacionais.

Acompanhado de Antônio Rodrigues, o UHQ começa agora uma arrepiante viagem pelo terror... nos quadrinhos brasileiros.

Garra Cinzenta Mestres do Terror apresente - Mirza, a mulher vampiro

O início

O terror nas HQs brasileiras deve muito a alguns estrangeiros que aqui chegaram e fincaram suas raízes, contribuindo para o surgimento do gênero que se tornou a "nossa cara".

O português Jayme Cortez é considerado o responsável pela primeira onda. Com sua chegada ao Brasil, em 1947, já com uma considerável bagagem artística (um de seus trabalhos mais famosos, a história Espíritos Assassinos, é um clássico em Portugal), começou a influenciar vários artistas que enveredavam para as HQs de terror. Alguns foram orientados pessoalmente por ele, como Julio Shimamoto, Ivan Saidenberg e outros.

"Na mesma época que o Cortez, veio também o italiano Nico Rosso, muito importante para o terror, embora tenha seguido para esse lado por contingências do mercado, já que seus melhores trabalhos, na minha opinião, foram os maravilhosos Contos de Fadas que fez para a Editora La Selva, com um traço belíssimo e capas primorosas", diz Toni.

No começo de década de 1960, também chegaram ao Brasil o argentino Rodolfo Zalla e o italiano Eugênio Colonnese (este, egresso da Argentina, onde estava radicado). Com eles, aportou em terras tupiniquins uma nova maneira de se trabalhar com quadrinhos, com métodos que garantiam um grande volume de produção.

"Muitos daqueles que os antecederam tinham apenas contato diletante com as HQs, produzindo uma história aqui, outra ali, mantendo outros empregos. Gedeone (Malagola) - criador do Raio Negro - era delegado de polícia (embora ainda colaborasse bastante); Lyrio Aragão, investigador (e, mais tarde, desenhista da linha Disney na Editora Abril); Manoel Ferreira virou funcionário público; outros, como Walmir Amaral e Juarez Odilon, entraram para o staff da RGE, basicamente para fazer capas de gibis como Fantasma e Mandrake; Zezo foi trabalhar na Eucatex, onde virou um dos diretores até se aposentar. Outros ainda acabaram indo para a publicidade como Shimamoto, Colin, Cortez e Saidenberg", conta Toni.

Para se ter uma ideia do quanto era prolífica a produção dessas HQs no Brasil, em 1963 existiam mais de 30 títulos em banca. E foi nessa fase, já em 1967, que surgiu nossa principal personagem de terror, a vampira Mirza, criação de Eugênio Colonnese. Sua revista durou apenas dez edições, mas foi republicada nos anos 1970. Ganhou outras aventuras inéditas na década de 1980, publicadas em Calafrio e Mestres do Terror e também num gibi próprio que durou apenas duas edições.

Nesse período, havia novos e talentosos artistas, como Paulo Hamasaki, Rubens Cordeiro, Cláudio Seto e outros. Mas praticamente tudo o que existia na área de horror era alguma obra de Zalla, Colonnese e Rosso. Títulos como O Estranho Mundo de Zé do Caixão e Sexta-Feira 13 fizeram muito sucesso e consolidaram esse segmento de quadrinhos.

Calafrio # 3Calafrio # 53

Ditames da Ditadura

Mas, assim como nas revistas, o que era só felicidade estaria prestes a se tornar algo terrível - com o perdão do infame trocadilho. A partir de 1972, os censores da ditadura passaram a examinar as revistas de terror antes de sua veiculação.

"A coisa começou a pegar. Miguel Penteado, grande ilustrador, cofundador da Continental e dono da GEP (Gráfica Editora Penteado), um dos primeiros a publicar a Marvel no Brasil, que tinha em sua linha vários e ótimos gibis de terror - Lobisomen, Múmia e Histórias Caipiras de Assombração, por exemplo -, foi chamado para dar explicações. Pôs o pé no freio e fez com que outros também o seguissem, diminuindo ainda mais o mercado para os quadrinhos nacionais, já que, apesar de haver outros gêneros, o que vendia para valer era o terror", explica Toni.

Entre 1972 e 1976, com esse marasmo editorial, vários artistas se desviaram para outras áreas. Eugênio Colonnese passou a ilustrar livros didáticos; Rubens Cordeiro e Rodolfo Zalla desenhavam o Zorro para as revistas Disney da Editora Abril. E outros seguiram caminhos diversos.

Nessa fase, o "terrir" começou a arrebatar sua fatia no mercado. Gasparzinho e Brasinha, de Alfred Harvey; Satanésio, de Ruy Perotti; e Penadinho, de Mauricio de Sousa, faziam a alegria dos leitores infantis. Sucessos absolutos durante muitos anos. O fantasminha brasileiro ainda hoje é presença constante nas edições da Turma da Mônica e já ganhou um almanaque próprio, de periodicidade regular.

O terror, entretanto, não estava definitivamente fora de jogo. "A Editora M&C lançou Lobisomem, do Gedeone, numa nova e linda versão desenhada por Nico Rosso, e a Múmia, de Ignácio Justo (Sérgio Lima, o artista original das duas séries, estava desenhando as bruxas Maga Patalójika e Madame Min, para a Abril); e a Editora Taika ainda publicava várias revistas, como Contos de Terror, quase só com reprises", faz questão de frisar. Mas essas iniciativas não eram nada que lembrasse aquele período mais produtivo.

LobisomemÁlbum Clássicos de Terror # 8

Sopro de vida

Mas eis que, em 1976, invade as bancas brasileiras um fenômeno chamado Kripta, da RGE, que, nas palavras de Toni, gerou todo um "revamp", fazendo surgir várias outras publicações, como a Calafrio, da D-Arte.

Um comercial de TV anunciava a publicação, finalizando com a frase "Com Kripta, qualquer dia é sexta-feira, qualquer hora é meia-noite". "Foi um sucesso estrondoso. A revista era muito boa, toda com material da Warren Comics e quadrinhos de primeira linha desenhados por gente do naipe de Neal Adams, Esteban Maroto, José Ortiz, Paul Neary, Bernie Wrightson e Luiz Bermejo, dentre outros, e textos de Budd Lewis, Doug Moench, Archie Goodwin etc.", enaltece Toni. Surgia ali a segunda onda dos quadrinhos de terror no Brasil.

A Bloch Editores começou, então, a lançar toda a linha de horror da Marvel, como Drácula, Lobisomem, Múmia, Frankenstein, Aventuras Macabras e outras. A Noblet atacou com Vampirella. Já a Ebal voltou com as histórias do segmento criadas pela DC.

E a Vecchi passou a publicar Dr. Spektro. "Quando lançaram a revista, estavam apresentando Dr. Spektro da norte-americana Gold Key, um gibi até legal que teve só vinte e poucos números publicados nos Estados Unidos, escritos por Don Glut e desenhados pelo filipino Jesse Santos. Eles fizeram um 'almanacão', para ver no que dava... e vendeu bem 'pra burro'. Aí, resolveram continuar, só que sacaram que teriam que achar outras histórias, pois as da Gold Key não iam dar para muito tempo", esclarece Toni. "O Ota, editor da Vecchi, foi até a APLA (Agência Periodística Latino-Americana, que era a licenciadora de nove entre dez quadrinhos americanos da época) para ver o que achava e deparou-se com velhas histórias de terror dos anos 1950, muitas inéditas, e outras que tinham saído na La Selva havia bastante tempo. Montou um pacote, dizem, a preço de banana. Tirou o 'Dr.' do título da publicação e mandou bala. O segundo número vendeu ainda melhor que o primeiro."

Kripta # 1Spektro # 3

A terceira edição apresentou uma matéria sobre quadrinhos nacionais. A repercussão foi bastante positiva. "As histórias criadas no Brasil foram ocupando mais e mais lugar na revista e acabaram por tomar todo o seu espaço, além de provocar o lançamento de filhotes: Pesadelo, nos moldes da Spektro, e Sobrenatural e Histórias do Além, que tinham muito material da Charlton (algumas bem desenhadas por Steve Ditko e Ton Sutton, por exemplo, mas sempre muito mal escritas) misturado com nacional", explica Toni.

Spektro apresentou duas das mais conceituadas séries de terror brasileiras: Hotel Nicanor, criação de Flavio Colin (o trabalho valeu uma minissérie em três edições, em 1994, com roteiros de Otacílio D' Assunção Barros, o Ota, ganhando o troféu HQ Mix), e O Homem do Patuá, de Elmano Silva.

No entanto, mais uma tempestade se formou para acabar com uma das melhores fases de HQs que o Brasil já teve, como narra Toni: "O mercado deu uma virada e a Vecchi começou a se degringolar como empresa. Havia também a Grafipar, no Sul, mas o forte dela eram os quadrinhos eróticos. Sua revista de terror, Neuros, durou pouco. O fato é que muita gente que trabalhava nas duas editoras tomou na cabeça e não recebeu o que tinha direito. A Vecchi abriu concordata e acabou falindo. O Ota perdeu o emprego e tudo se acabou em 1982, melancolicamente."

A Vecchi, apesar de tudo, fez um grande favor às HQs nacionais, pois trouxe de volta nomes como Shimamoto, Colin e Colonnese. Redescobriu Manoel Ferreira. Revelou Ataíde Braz, Roberto Kussumoto e, principalmente, Watson Portela, um dos melhores daquela época, junto com Eduardo Ofeliano. "Apareceram outros, também. Sidemar Vicente de Castro, que era um bom argumentista; Olendino Mendes, que tinha um trabalho peculiar; o grande César Lobo, com uma história curiosa: desenhava não muito bem, sofreu um acidente, ficou cego por um tempo e quando voltou a enxergar tinha melhorado, e muito, seu traço. Todos eles começaram na Spektro."

Frankenstein Pesadelo # 3

Segurando a onda

Num certo dia de 1982, começou a participação de Toni Rodrigues nos quadrinhos nacionais. "Eu tinha pensado em mandar um material para a Vecchi, mas na época isso era feito pelo correio, não havia internet, não tinha nem sequer como saber se os caras tinham recebido. E como a editora do Zalla (D-Arte) era bem pertinho, resolvi tentar. Ele foi lendo as histórias e me disse que compraria outras, se eu as trouxesse esboçadas", relembra.

Toni passou a ser o responsável pela seção de cartas de Mestres do Terror e começou a escrever os roteiros das histórias de Drácula e Nádia, além de diversas outras avulsas. Adaptava também o texto de outros autores como ghost writer.

"Nessa época, houve um fato curioso. Colonnese desenhou uma capa na qual Mirza aparecia com os seios à mostra. Zalla, temendo que a revista fosse recolhida das bancas (escaldado pela censura dos anos de chumbo que viu de perto), resolveu retocar a arte, cobrindo os seios da personagem com lápis dermatográfico. Quando Colonnese viu o impresso, ficou bravo. O resultado foi que o Zalla me pediu para criar outra vampira, nascendo daí a Nádia. Mas a rusga entre os dois artistas já foi há muito tempo resolvida."

A revista fez bastante sucesso e marcou sua presença no mercado durante bons anos. Mas, tanto ela quanto Calafrio chegaram ao fim no início da década de 1990. "Com sua vasta experiência e tino comercial, Zalla conseguiu manter as revistas por muito tempo, mas, mesmo assim, chegou uma hora em que a conturbada situação econômica do País tornou impossível continuar operando. Algum tempo antes disso, consegui um emprego na DPZ e nunca mais saí da publicidade. Os quadrinhos continuaram na minha vida, mas só como leitor", conta Toni.

Ainda havia vários títulos nas bancas, como Histórias Reais de Drácula, da Bloch. Ou mesmo o álbum especial Saga do Terror, que foi publicado pouco depois da morte de seu autor, Jayme Cortez.

Histórias Reais de Drácula # 15Gritos de Terror # 1

Revistas como Monstro do Pântano e Sandman, ambos da DC Comics, surgiram causando estardalhaço. Embora o primeiro envolvesse a temática de super-heróis e o segundo contivesse muito do gênero fantasia, ainda assim flertavam com o terror.

Títulos underground como Porrada! Special e Animal apresentavam, algumas vezes, trabalhos (nacionais e estrangeiros) com o tema. A editora Toviassu publicou uma minissérie com Freddy Krueger, em duas edições, tamanho magazine. Pela Editora Abril, saiu a bela coleção Clássicos Ilustrados, com adaptações de romances famosos - e entre eles estava A Ilha do Dr. Moreau.

Em 1987, nas livrarias, a L&PM relançou, em formato álbum, O Estranho Mundo de Zé do Caixão, que trazia a história Noite Negra, publicada originalmente pela Editora Prelúdio em janeiro de 1969, com texto de Rubens F. Lucchetti e desenhos de Nico Rosso.

Uma das melhores publicações da época foi o especial Histórias de Terror de Eugênio Colonnese (Editora Catânia, 1987), uma coletânea das obras criadas pelo autor entre 1965 e 1966, com 96 páginas, formato americano e encadernação de luxo. Um ano antes, a Press Editorial havia lançado Especial de Terror, só com histórias de Mozart Couto. Enfim, uma fase ainda feliz para o terror.

E vieram os anos 1990

A década começou apontando para um caminho de boa ventura. Afinal, muitos títulos surgiram e outros continuavam sua marcha de longos anos. Mas a verdade é que nenhum conseguiu permanecer por muito tempo.

Logo em 1990, a Abril lançou Deadman: Amor após a Morte, de Mike Baron e Kelley Jones, uma minissérie em duas edições que contava a angustiante história do fantasma Desafiador (rebatizado com o nome original em inglês).

Nas livrarias, no mesmo ano, a L&PM lançou Macumba Macabra, de Ennio Missaglia (roteiro) e Magnus (arte), uma aventura de suspense entre espíritos malignos e legiões de zumbis.

No biênio 1990/91, a L&PM lançaria ainda Bradbury - O Papa-defuntos e Bradbury - O Pequeno Assassino, com histórias do escritor Ray Bradbury adaptadas para os quadrinhos da EC Comics, por feras como Al Williamson, Joe Orlando, Jack Davis, Wally Wood e outros.

Em 1991, Hellraiser (baseada na série de cinema criada por Clive Barker), da Abril, foi uma luxuosa série trimestral em cores que desfilou excelentes histórias americanas de terror, verdadeiras obras-primas em texto e desenhos. Durou apenas quatro números. Pela mesma editora, saiu Clive Barker - Raça das Trevas, uma minissérie produzida por Alan Grant, John Wagner e Jim Baikie.

Hellraiser #1Cripta do Terror # 1

Mais ou menos nesse ínterim, Sussurro Sinistro apareceu pela Nova Sampa, apresentando histórias de artistas consagrados e de novos talentos. Também teve vida curta.

A minissérie de luxo Livros da Magia circulou logo depois. Nos mesmos moldes de Sandman, foi a primeira aposta da Editora Abril na linha Vertigo.

Dylan Dog foi trazido ao mercado tupiniquim pela Editora Record (foi cancelada na edição 11, retornou em 2001 pela Conrad e, em 2002, passou para a Mythos, até 2006). Era o primeiro contato do público brasileiro com o Investigador do Pesadelo, sucesso na Itália desde sua criação, no final dos anos 1980.

No mesmo ano, a Record passou a publicar Cripta do Terror, apresentando material antigo da EC Comics, com seus característicos finais-surpresa. Ótima revista em tamanho magazine, com 96 páginas por edição. Mas não emplacou. Foram apenas sete números.

Em 1993, Mestres do Terror e Calafrio, da D-Arte, foram canceladas. A primeira, que estreou em 1982, e a segunda, de 1981, são recordistas em tempo de existência nesse gênero de publicação. E poderiam ter conseguido uma numeração de capa maior (chegaram às edições 62 e 52, respectivamente), não fosse a periodicidade irregular, que, em alguns momentos, as fez sair com diferença de meses entre um número e outro.

Pouco depois, um certo vampiro, o mais famoso de todos os tempos, reapareceu na Editora Escala, na minissérie Drácula x Zorro. As duas edições valeram apenas pelo retorno de dois bons personagens.

Em 1994, Ota relançou Spektro, pela sua própria editora, a Otacomix. Contou-se nos dedos o número de edições publicadas. A minissérie Hotel Nicanor, porém, fez valer o ano.

Pouco depois, em 1995, houve o lançamento da revista Vertigo, pela Abril. Apresentava histórias com temas adultos, a maioria de terror, capitaneadas por Hellblazer, o carro-chefe do título. Só chegou à edição 12.

Vertigo # 1 À Meia-Noite Levarei Sua Alma

Foi também nesse ano que a Ediouro publicou a Coleção Assombração, sob a direção de Ota, que também escrevia alguns roteiros. Com títulos como Cripta Maldita, Ritual Macabro, Casos Verídicos de Terror, dentre outros, desfilava nomes como Colin, Shimamoto e Mozart Couto, além de novos artistas, como Fernando Miller e Ronaldo Devil.

Todas eram excelentes revistas que, dentre republicações de clássicos (como  O Homem do Patuá e Hotel Nicanor) e histórias inéditas, produziam horripilantes pesadelos em preto e branco. Só duraram oito números e, logo depois, houve algumas encadernações compilando tudo o que havia saído - incluindo o almanaque especial -, sob o título Seleções de Assombração.

À Meia-Noite Levarei Sua Alma, da Nova Sampa, com textos de José Mojica Marins, o Zé do Caixão, e desenhos de Laudo Ferreira Jr., foi lançado com um certo estardalhaço na mídia: a história era a quadrinização oficial do filme de 1964. O personagem voltou a aparecer mais duas vezes nos anos seguintes: uma na revista Heavy Metal brasileira (1996); outra, na Horror Show (1997), numa história de quatro páginas.

Já em 1996, a maior criação de Todd McFarlane chegou ao Brasil. Publicado pela Abril, Spawn arrebatou milhares de fãs com suas aventuras recheadas de pactos com demônios, fantasmas, mortos-vivos e outros horrores, mesmo que fossem apenas pano de fundo para as tradicionais batalhas entre super-herói e vilão. Com o passar dos anos, a temática do gibi deu uma guinada radical para o terror pleno, muitas vezes gerando polêmicas religiosas. Cancelado em dezembro de 2005, o título foi retomado pela Pixel Media, dando continuidade à numeração da Abril, mas também chegou ao fim, em 2008. A HQM Editora passou a tomar conta do personagem no Brasil pouco depois, para o lançamento de edições encadernadas.

A Maldição do Spawn, outro título da Cria do Inferno que chegou às bancas em 1999, era mais terror, propriamente dito, com histórias bastante macabras, nas quais os protagonistas eram personagens que na revista principal figuravam apenas como coadjuvantes. Infelizmente, durou apenas um ano.

Na esteira, a Best News lançou Araknis em uma minissérie, anunciando para breve um título mensal fixo, o que não aconteceu. Com uma origem muito parecida com a de Spawn (ou seria o contrário?), o anti-herói demoníaco não seguiu carreira no Brasil.

Spawn # 1HQ - Revista do Quadrinho Brasileiro # 3

Outra contribuição para o gênero, nesse período, foi dada pela HQ - Revista do Quadrinho Brasileiro, da Editora Escala. No meio de histórias eróticas ou de super-heróis, sempre cabiam as de horror, como a saga produzida por Ronaldo Seliestre e Marcos Porto, relatando a epopeia do flagelo humano Gengis Khan no Inferno, algo do que de melhor se viu naquela publicação. Como já podia se esperar, o título não vingou. No mesmo barco entraram a versão brasileira da Heavy Metal e seu "clone", a Metal Pesado, respectivamente das editoras de mesmo nome.

Mais uma bela obra da linha Vertigo chegou por meio da Abril. Em 1997, a minissérie Santo dos Assassinos foi, seguramente, a melhor HQ daquele ano. Até então, poucas vezes se tinha visto um personagem que tanto fizesse jus à acepção máxima da palavra demônio.

Morte - O Grande Momento da Vida marcou a incursão da Abril no universo de Sandman, apresentando uma bela minissérie escrita por Neil Gaiman e desenhada por Chris Bachalo e Mark Buckingham, protagonizada pela mais querida dos Perpétuos entre os leitores.

Também em 1997 houve o inusitado crossover Mulher-Gato x Vampirella, pela Abril, marcando o breve retorno da vampira, depois de anos de ostracismo.

Esses crossovers entre personagens macabros e super-heróis eram recorrentes (o que não mudou muito, atualmente). Nessa época, apareceram os Aliens e o Predador, adaptados dos filmes de sucesso que misturavam terror e ficção científica. As horripilantes criaturas lutaram contra Batman, Tarzan, Superman e outros heróis.

Então, em 1996, veio a Editora Globo com uma enxurrada de publicações da Image. No bolo, a minissérie em oito partes Witchblade destacou-se com sua temática sobrenatural, mas bem ao gosto dos fãs de super-heróis. Dois anos se passaram e a Abril adquiriu os direitos da personagem, fazendo-a dividir com outro ser das trevas a revista Darkness & Witchblade.

1999 marcou o lançamento de Kiss - Psycho Circus, também da Abril. Foi uma minissérie em três edições com histórias de horror ao estilo Sandman, nas quais os personagens (os integrantes da famosa banda, retratados como entidades místicas arcanas) apareciam apenas no fim para exercer os papéis de júri, juiz e carrasco. Nesse mesmo ano, a Mythos também publicou uma minissérie da Image que continha muitos elementos de terror: Tenth.

Não foram, de todo, anos perdidos. No entanto, com tantos cancelamentos e a diminuição das apostas no mercado, o início do fim começou.

Kiss - Psycho Circus # 1Witchblade # 1

Novo milênio

O ano 2000 já entrou com o cancelamento de A Maldição do Spawn. Em 2001, a estreante Editora Atlantis pôs no mercado alguns títulos da Chaos Comics, dentre eles Lady Death e Chastity, protagonizado por uma vampira que vivia na Londres dos anos 1970 e curtia punk rock. Ambas as revistas chegaram apenas à quarta edição.

No Reino do Terror, com textos de R. F. Lucchetti e desenhos de outros artistas consagrados; A Casa do Fim do Mundo, de Simon Revelstroke e Richard Corben; Paralelas, de Watson Portela, e Mirza, todos editados pela Opera Graphica, têm sido alguns poucos exemplos do que foi publicado desse gênero nos primeiros anos da década passada.

Hellboy, de Mike Mignola, voltou a dar as caras pela Mythos em 2001, depois de ter estreado por aqui em março de 1998. Edições encadernadas, algumas luxuosas, têm chegado às bancas, desde então.

No mesmo ano, a Brainstore lançou, em formatinho, uma heroína pouco conhecida do grande público brasileiro, Elisa Cameron, uma repórter que foi assassinada e, retornando como fantasma e sem nenhuma lembrança de seu passado, saiu em busca de respostas e de vingança contra seus assassinos. Sua aparição por aqui se deu em Ghost x Batgirl.

Em 2002, um dos melhores lançamentos deste início de século, Mágico Vento (Mythos), criado pelo italiano Gianfranco Manfredi, atingiu em cheio dois públicos distintos: os adeptos do bangue-bangue e os de terror. O carismático xamã branco se transformou, de uma hora para outra, em uma unanimidade entre os fãs dos fumetti da Sergio Bonelli Editore. O título chegou ao fim em 2013, pela simples razão de que, na Itália, Manfredi já havia encerrado as aventuras do personagem.

Ainda em 2002, o livro Voivode: Estudos sobre os Vampiros, lançado pela Pandemonium Editora, trouxe vários artigos sobre o tema, além de um apanhado do assunto nas histórias em quadrinhos. Para completar, reapresentou a clássica HQ Como Se Faz uma História de Terror, produzida pela dupla R. F. Lucchetti e Nico Rosso em 1968 e publicada originalmente na revista A Cripta.

Os Mortos-VivosCreepy – Contos Clássicos de Terror – Volume 1

Esse mesmo ano registrou, entretanto, uma triste notícia: o falecimento de Flavio Colin. Uma perda das mais sentidas entre os admiradores de sua arte incomum.

A grata surpresa de 2003 foi Contos Bizarros, da Abril, um especial que conseguiu sucesso de crítica e que passou para os quadrinhos algumas assustadoras e reais histórias de serial killers, numa bem-cuidada edição colorida em formato americano.

Também nesse ano, a Brainstore relançou Hellraiser, em edição especial, com algumas histórias escritas pelo próprio Clive Barker. Da mesma editora, edições especiais com o personagem Lúcifer, da linha Vertigo, apresentaram ótimas histórias. A Devir, por sua vez, mandou Vampi - Amor Sangrento às livrarias e gibiterias. E o especial Calafrio - 20 anos depois, da Opera Graphica, tratou de fazer um resgate histórico do título clássico.

Editora Noblet também resolveu arriscar na produção brasileira, em 2003, lançando Arrepio, que se propunha a ser mensal. Com roteiro e arte de Paulo Hamasaki - e Marcos Roberto Santos assinando os desenhos de uma história da edição -, o gibi não passou do número de estreia.

Há de se registrar que a internet tem dado sua parcela de contribuição para o gênero. Desde a década passada, o terror tem sido recorrente em HQs online independentes produzidas por autores de várias partes do Brasil, que também costumam lançar versões impressas.

Publicações recentes, como as revistas Aerolito e Carnívora, além da volta da Spektro - somente com autores nacionais -, pela Editora Cultura & Quadrinhos, e mais Os Mortos-Vivos (HQM Editora), ou ainda o retorno da Calafrio e as coletâneas especiais da Cripta (pela Mythos) e Creepy (Devir) são pequenos - mas significativos - exemplos de que o terror continua à solta nas bancas brasileiras.

Para quem viveu os tempos áureos dos quadrinhos de horror, porém, isso ainda é pouco. "Infelizmente, acho que estão deixando o gênero terror morrer no Brasil", vaticina Toni, que voltou a escrever histórias para a Calafrio.

Continue escrevendo, Toni. Ou, à meia-noite, os leitores levarão sua alma.

Marcus Ramone garante que teve que dormir com a luz do quarto acesa, depois de escrever esta matéria.

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