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Caligari!

26 dezembro 2017

Caligari!Editora: Veneta – Edição especial

Autor: Alexandre Teles (roteiro e arte).

Preço: R$ 69,90

Número de páginas: 336

Data de lançamento: Fevereiro de 2017

Sinopse

Um sonâmbulo é exibido como atração de uma feira de variedades que chega a uma cidade alemã. Mas, à noite, seu mestre, o Doutor Caligari, o envia para cometer assassinatos.

Positivo/Negativo

Caligari! é uma história em quadrinhos? A pergunta é justa, pois a adaptação do clássico do cinema mudo O Gabinete do Dr. Caligari (1920), no mínimo, não é uma HQ tradicional.

Alexandre Teles abdica de recursos da linguagem dos quadrinhos para adaptar a narrativa ao novo formato. Por exemplo, o jogo com o formato dos quadros para dar ritmo, o uso dos espaços entre eles para elipses, a construção de ganchos no final das páginas.

O autor prefere fazer uma transposição do filme para as páginas de seu álbum com uma fidelidade canina.

São religiosamente dois quadros por página, sempre na mesma posição, retratando as imagens do filme o mais próximo possível do que se vê na tela – incluindo narrações e diálogos em quadros com cartelas, e não em balões ou recordatórios.

Nesse sentido, é um trabalho que impressiona. São mais de 600 reproduções de cenas de O Gabinete do Dr. Caligari, feitas na técnica de monotipia à maneira negra: uma impressão a partir de uma superfície com tinta preta, na qual ele foi criando os desenhos retirando parte da tinta (com um cotonete, por exemplo).

O detalhismo e expressividade são fortes do trabalho, mesmo que Teles tenha tido como base a versão até então disponível do filme em home vídeo no Brasil: uma cópia desgastada, de antes do lançamento da restaurada em 4k. Lançada aqui este ano, ela mostra um Caligari com muito mais nitidez e detalhes. Provavelmente, a HQ seria sensivelmente diferente caso fosse baseada nessa mais recente.

O autor optou muitas vezes por captar pequenas mudanças de gestos e olhares dos atores. O resultado é curioso, e plasticamente interessante, mas parece fazer a narrativa correr em “câmera lenta”. É a negação da elipse, citada antes. O que leva poucos segundos na tela demora bem mais enquanto o leitor passa de quadro em quadro, convidado a se deter um pouco em cada imagem.

A admiração pelo filme está mais evidente que as preocupações narrativas. Não que isso não seja justificado. O longa é um clássico absoluto. Ponta de lança do movimento do Expressionismo Alemão no cinema, que explorava e dava forma a inquietações existenciais e políticas da sociedade daquele país daquele começo do Século 20.

Dirigido pro Robert Wiene, um de seus marcos são os cenários tortos, uma exteriorização visual do interior deformado das pessoas que retrata. De Caligari, vieram depois filmes como Nosferatu (1922), Metrópolis (1927) e M – O Vampiro de Dusseldorf (1931), inspirando até o cinema noir americano e até obras mais recentes, como Blade Runner – O Caçador de Androides (1982).

Pois é apesar da devoção ao filme, ou talvez por causa dela, que Teles faz sua maior mudança em relação ao original: ele corta o prólogo e o epílogo. São elementos que haviam sido impostos pelos produtores, na época, para abrandar o tom político, uma alegoria que alertava contra o totalitarismo que se avizinhava na Europa.

O prólogo e o epílogo imprimem um tom mais psicológico ao filme: tornam a trama o delírio de um louco, o que justificava mais diretamente seus cenários tortuosos e interpretações exageradas.

Com os cortes, Teles procura resgatar o simbolismo original, embora talvez esse significado, no fim das contas, acabe se revelando cifrado demais para o leitor.

Em tempo: existe outra versão brasileira em quadrinhos que adapta o filme: é O Gabinete do Dr. Caligari, de Victor Moura.

Classificação:

4,0

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