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COMO UMA LUVA DE VELUDO MOLDADA EM FERRO

1 dezembro 2004

Autores: Daniel Clowes (roteiro e arte).

Preço: R$ 33,00

Número de páginas: 144

Data de lançamento: Fevereiro de 2002

Sinopse: Ao assistir a um estranho filme, chamado Como uma luva
de veludo moldada em ferro
, o jovem Clay Loudermilk reconhece na protagonista
a figura de sua ex-namorada.

Decidido a encontrá-la, ele segue viagem à cidade de Gooseneck Hollow,
onde o filme foi produzido. No caminho, topa com tipos pra lá de bizarros
e as situações mais esdrúxulas que se poderia conceber.

Positivo/Negativo: O triunfo do nonsense. Esta é a única
definição possível para essa obra-prima do absurdo. Disparates seqüenciais,
em que ocorre de tudo menos o esperado, acabam por constituir uma trama
complexa, hilária e (de certo modo) confusa; um retrato assustador da
América real e seus mitos cotidianos.

Cada um dos dez capítulos usa, abusa e absurda incontáveis referências
(por vezes, quase herméticas), marcando uma pós-modernidade sempre presente
em sua asfixia existencial.

Para criar o ambiente ideal, Daniel Clowes vale-se de diversas lendas
urbanas bastante difundidas em seu país. Uma, em particular, ganha imensa
importância na trama: a que faz menção a filmes realizados com tal carga
de realismo que nada nele é fingido. Se um ator leva um tiro em cena,
por exemplo, pode ter certeza que foi pra valer.

A ex-namorada de Clay Loudermilk atua em filmes assim. Tudo que ele deseja
é conversar, saber porque ela partiu sem dizer nada. Mas isso vai ser
bem difícil.

Quando o meio não impede Clay (curiosamente, "barro" em inglês - os nomes
aqui são cruciais), ele mesmo se põe como obstáculo, tornando-se pouco
a pouco tão estranho quanto as pessoas que o rodeiam.

De policiais sexualmente excêntricos (e obcecados por seus códigos) a
freaks de todo tipo, passando por conspiradores, feministas radicais,
prostitutas de três olhos, jovens monstruosas, cineastas moralmente problemáticos,
crianças de uma genialidade cruel, cachorros sem orifícios, homens que
parecem cães, seitas, ou até mesmo um grande boneco de chapéu que seria
a imagem mais próxima que se poderia ter de Deus, Clowes povoa as páginas
de sua história com as mais bizarras figuras que o universo pop
já concebeu.

Parece que o pobre Clay mergulhou de súbito numa nova versão do País
das Maravilhas
, da qual não há fuga possível, nem se pode contar com
o bem-vindo despertar que detenha os carrascos da Rainha. Como na aventura
de Alice, não há como evitar os loucos, afinal, como diria, sorridente,
o Gato de Cheshire, "somos todos loucos aqui (...) você não estaria aqui
se não fosse".

Clay não evita, de fato, sucumbir à loucura das circunstâncias. Loucura
da qual faz parte. Loucura que traz em si e, sem dúvida, o transformará
em mais uma das aberrações. Afinal, em Como uma luva de veludo...,
a deformação dos indivíduos (física, moral ou psicológica) traz estreita
relação com a do meio em que estão inseridos.

Ler esta história é afundar-se num pesadelo deveras familiar. É sentir
o espírito dos tempos atuais, cada vez mais mergulhado no absurdo.

O nonsense é a resposta mais saborosa e coerente que se pode dar
à hegemonia do reconfortante discurso confortável. Daniel Clowes mostra
que é preciso contrapor ao otimismo das faces gordas e coradas, a violência
insensata de um desmembramento cinematografado.

Difícil e lenta absorção. Não espere uma simples história. É para ler
entre as linhas. É para ler cinco vezes, e ainda assim acreditar que há
algo escapando. É para ler com urgência, para lamentar o caótico absurdo
iminente... Ou celebrá-lo.

Classificação:

4,0

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