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DAYTRIPPER

Por Delfin
1 dezembro 2011

DAYTRIPPER

Editora: Vertigo / DC Comics - Edição especial

Autores:Fábio Moon e Gabriel Bá (roteiro e arte).

Preço: US$ 19.99

Número de páginas: 256

Data de lançamento: Fevereiro de 2011

 

Sinopse

Dez momentos cruciais na vida de Brás de Oliva Domingos. E, após cada um deles, sua história jamais será a mesma.

Positivo/Negativo

Qual é o momento mais importante da sua vida? Qual o instante-chave de sua história, em que tudo mudou, a partir do qual não existe mais volta sem consequências? É difícil escolher apenas um. Escolha dez.

Cada vida é um conjunto de escolhas. Nem sempre é fácil, mas a resposta a elas basicamente se limita a sim e não. É uma extrapolação do princípio de exclusão de Pauli, um dos pilares da física moderna. É ele, por exemplo, que explica a coesão de um átomo, uma das mais básicas estruturas conhecidas.

Este princípio diz que uma partícula elementar conhecida como férmion não pode ocupar o mesmo estado quântico simultaneamente. Em linguagem leiga, ele não pode ser positivo e negativo ao mesmo tempo, ou ligado e desligado, ou sim e não. As escolhas, como se percebe, são a base para tudo o que existe.

Em Daytripper, Gabriel Bá e Fábio Moon sabem sobre o poder das escolhas, mas acabam fazendo com os dez momentos mais importantes da vida de seu protagonista, Brás, um exercício parecido com o que o físico austríaco Erwin Schrödinger fez em 1935, quando propôs o paradoxo conhecido como "o gato de Schrödinger", no qual criam-se as condições para que o gato possa estar, simultaneamente, vivo e morto.

O experimento é um exercício de física quântica e, nele, tal situação dúbia só é possível de ser mantida enquanto não há um observador presente à situação: quando ele existe, é óbvio que o gato, como reza o princípio de Pauli, estará ou vivo ou morto.

Pois eis o que acontece com Brás, filho de um proeminente escritor brasileiro: em cada um dos dez capítulos de sua trajetória, o que se mostra são como as suas escolhas poderiam ter sido diferentes, cada uma delas levando o protagonista a uma morte antecipada.

Contada originalmente em dez capítulos, publicados entre 2009 e 2010, pela Vertigo, nos Estados Unidos, marca a estreia de roteiristas brasileiros no prestigioso selo americano, algo ainda raro para escritores de países cuja língua nativa não seja o inglês. E é muito cheia de significados para o Brasil, ainda que sem qualquer tom ufanista.

O nome do protagonista, para começar, é brasileiríssimo. A obviedade do Brás para os norte-americanos (é quase o nome do país em que ocorre a ação, para quem não percebeu) não transmite para eles a relação com Brás Cubas, o memorável personagem de Machado de Assis, que narra sua própria história após ter morrido.

Não por acaso, cada uma das partes da história pode ser considerada uma memória que poderia ser póstuma, caso Brás tivesse morrido em cada uma delas. Mas o sobrenome do meio, Oliva, merece destaque: não apenas é a cor oficial do exército brasileiro, como também pode ser chamada de verde-amarelo - muito significativo, portanto, para compor a nacionalidade do protagonista.

A história de Daytripper (nome retirado da famosa música de John Lennon e Paul McCartney) convida o leitor, como na canção, a uma grande viagem de descoberta. Para Brás, a descoberta de si mesmo - muitas vezes, uma viagem só de ida. Para o leitor brasileiro, a redescoberta de um Brasil que, por vezes, as pessoas esquecem que existe de modo tão belo ou doloroso, seja nas ruas de São Paulo, no acidente aéreo dentro da maior cidade do País (não é difícil ver a referência ao desastre da TAM em Congonhas, ocorrido há alguns anos), no descampado do interior, na história de Salvador ou em uma paradisíaca Acemira (anagrama de América e também uma palavra tupi que quer dizer "fazer doer").

Para o leitor do resto do mundo, é a descoberta de um país em pujante crescimento, desenvolvido, além do que o turismo e a imprensa estrangeira desvelam.

A narrativa não é cronológica e nem necessariamente temporal (como o penúltimo capítulo revela). Nesse sentido, também é um enigma para que o leitor desvende a trajetória de Brás, a necessidade que possui de superar ou deixar orgulhoso seu pai (e, às vezes, a história e o próprio semblante do personagem parecem referências, a seu próprio modo, à carreira do compositor Chico Buarque e à sua relação com o pai, Sérgio Buarque de Hollanda), a busca da felicidade, o valor da amizade.

Para quem conhece a evolução narrativa dos dois artistas brasileiros, não é nenhuma surpresa que o resultado seja altamente positivo. As conquistas no inglês Eagle Award e no norte-americano Eisner Award são provas incontestes de que a qualidade do trabalho atinge um nível de excelência.

Sem dúvida, é o melhor trabalho produzido pelos irmãos, e eles sabem disso. Como têm certeza de que nem sempre o melhor caminho é o mais fácil: Daytripper é a recompensa por uma trajetória iniciada há duas décadas, de forma sólida, consistente e perseverante. Um exemplo, em todos os sentidos, para os autores de quadrinhos e que deixa o mercado ansioso pelo futuro promissor das narrativas sequenciais brasileiras.

O álbum ainda tem as cores sempre muito bem aplicadas de Dave Stewart, talvez o mais importante colorista do mercado norte-americano hoje (que inclusive emula, em muitos pontos, o próprio estilo de coloração e pinceladas dos gêmeos).

Como brinde, um prefácio em quadrinhos (honra para poucos) de Craig Thompson, autor do também premiado Retalhos. No final, uma mensagem dos autores, não apenas sobre a obra, mas sobre a vida e como trazer certas coisas à luz da existência, acima de qualquer física ou metafísica.

Foi o melhor quadrinho nacional publicado em 2010, mas, infelizmente, fora do Brasil.A versão nacional deve sair neste ano, pela Panini, e já é séria candidata a pontear a lista de melhores do ano.

Ler uma obra como Daytripper é, enfim, um orgulho e uma satisfação.

Classificação:

4,0

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