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Jane, a raposa e eu

19 agosto 2016

Jane, a raposa e euEditora: WMF Martins Fontes – Edição especial

Autoras: Fanny Britt (roteiro) e Isabelle Arsenault (arte) – Originalmente publicado em Jane, le renard et moi (tradução de Beatrice Moreira Santos).

Preço: R$ 59,90

Número de páginas: 104

Data de lançamento: Junho de 2016

Sinopse

Anos 1980 em Montreal, Canadá. Depois de ter sido excluída do grupo de amigas, Hélène está sozinha e seu nome é visto nas paredes da escola ao lado de insultos. A leitura de Jane Eyre, o primeiro romance de Charlotte Brontë (1816-1855), é seu refúgio contra as perseguições. Mas o pior está por vir: uma semana de acampamento com os colegas de classe.

No entanto, é aí que dois encontros vão transformar sua vida: uma raposa de olhar doce e uma garota que, de repente, enche o mundo de palavras.

Positivo/Negativo

A britânica Charlotte Brontë é uma das maiores escritoras de sua época, compatriota de outra grande romancista, Jane Austen (que morreu quando Brontë completava um ano de vida). Enquanto a racional Austen criticava fraquezas humanas e parodiava excessos literários em obras como Orgulho e Preconceito, Brontë imprimia a paixão tempestuosa e o cultivo pela independência em cenários góticos.

A Jane presente neste álbum não é a escritora compatrícia de Brontë, mas, sim, seu livro mais conhecido: Jane Eyre, lançado originalmente em 1847, sob o pseudônimo de Currer Bell.

Escrita e desenhada respectivamente pelas canadenses Fanny Britt e Isabelle Arsenault, a HQ utiliza a obra literária britânica como "fuga" da protagonista Hélène, uma garota introvertida que não tem nada de gorda, apesar do constante bullying das companheiras de escola.

Assim que adentra ao universo vitoriano onde a (também oprimida e sofrida) Jane Eyre busca sua emancipação, o belo traço cinzento de Isabelle Arsenault ganha fortes e bem marcadas cores, enfatizando esses momentos de escapismos da personagem principal.

Formando um breve paralelo comparativo, o Século 19 em que viviam Charlotte Brontë e suas irmãs escritoras (dentre elas Emily, autora de O morro dos ventos uivantes) era uma época em que a literatura popular era considerada "perigosa" para os jovens, ávidos pela liberdade de espírito e pela erudição precoce.

Uma mulher como Jane Eyre era uma heroína lutando pela independência moldada no condicionamento feminino daquele período, cujas expectativas sociais eram restritas e resumidas a prendas domésticas e "bons" casamentos. Eyre – que "se tornou adulta e brilhante e magra e sábia" – reflete tudo que a pequena leitora quer ser.

Enquanto Jane é enviada para um colégio interno onde a comida é indigesta, Hélène é mandada para um acampamento onde se pode notar o amontoado social de círculos devidamente isolados dos clubes do Bolinha e da Luluzinha, das patricinhas, dos nerds e dos excluídos, este último a tenda na qual a protagonista se refugia.

A natureza está sempre presente nas páginas do álbum, até mesmo no retrato do meio urbano. É também com essa mesma natureza ao redor que a personagem evidencia tanto as suas angústias e decepções, quanto seus momentos de bem-estar, sozinha ou ao lado da mãe.

Não necessariamente a cor é utilizada para destacar esses momentos, apesar de haver relação quando ela mergulha no livro ou encontra a tal raposa do título, ou ainda quando se sente solitária e desapontada.

No final, o leitor mais íntimo de Charlotte Brontë pode perceber que alguns paralelos não tiveram tanta força assim com a narrativa principal, mas foram usados com certa eficiência para o bom matrimônio da proposta das autoras.

A edição da WMF Martins Fontes tem capa cartonada sem orelhas, formato 21,5 x 28,5 cm e papel off-set de boa gramatura. O que chama a atenção também é a renovação constante da veterana editora de alguns anos para cá. Obras muito significativas no mercado dos quadrinhos ganharam a versão nacional sob seu selo, a exemplos dos ótimos Pagando por Sexo, A Arte – Conversas imaginárias com minha mãe, Os Ignorantes, Kaputt e, mais recentemente, Hoje é o último dia do resto da sua vida, A propriedade e Uma vida chinesa.

Indicada ao Eisner Awards de 2014 na categoria Melhor Publicação Infantil (de 8 a 12 anos) e na Seleção Infantojuvenil também no mesmo ano do Festival Internacional de Quadrinhos de Angoulême, na França, Jane, a raposa e eu é uma leitura graciosa, bem cuidada e que exige uma "moral da história" no seu desfecho. Mas isso não implica que seja algo ruim ou batido.

Classificação

4,0

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