Mike Deodato Jr.: um brasileiro desbravador do mercado norte-americano
UHQ: Você foi um dos primeiros brasileiros a desenhar para o mercado norte-americano. Conte um pouco sobre esse início. Como conhecerem seu trabalho e qual a história por trás do primeiro convite?
Deodato: Tem algumas pessoas que quando falam disso comentam que eu abri a porta. Poxa, abri nada, a porta não estava fechada (risos). Eu só estava querendo trabalhar e fiz um certo nome no mercado brasileiro. Cheguei a publicar na Editora Abril, com a revista Aventura & Ficção, e quem gostava de quadrinhos, era colecionador e seguia o mercado me conhecia.
Foi quando recebi uma ligação do Hélcio de Carvalho. Ele tinha acabado de criar a Art & Comics com o objetivo de representar desenhistas brasileiros no exterior e me perguntou se eu queria fazer uma história de 30 páginas para uma editora americana. Eu achei que ia me dar mal, porque o que mais se ouvia eram casos de desenhistas que levaram “cano”.
Mas não custava tentar e aceitei. Eu tinha 30 dias para desenhar 30 páginas e fazer a arte-final. Eu estava em três empregos, mas consegui fazer. Depois disso, não parou mais. Fiz a arte-final para Protectors, da Malibu. Ganhava algo como US$ 10.00 por página e fazia quatro páginas por dia. Pra mim era uma riqueza, ganhava mais do que meus três empregos juntos.
Quando vi que já estava se tornando algo regular e conseguia levar a vida, larguei os empregos até conseguir ficar só desenhando. Se fosse hoje em dia, que eu soubesse a realidade do mercado, talvez não tivesse largado tudo assim. Mas eu tinha muita confiança no que fazia e tinha certeza que ia dar certo.
UHQ: Foi nessa época que assumiu o pseudônimo Mike Deodato Jr.? Essa americanização foi uma exigência dos editores?
Deodato: Na época, os americanos tiveram experiências com desenhistas filipinos, latinos e outros que não deram certo. Foram muitos problemas com prazo, com agenciadores mais gananciosos... enfim, um monte de confusão. Eles quiseram fugir disso e estavam com um pé atrás.
Meus agentes acharam que, para eu conseguir trabalho, ia ser mais fácil se não tivesse nome latino. Algo que soasse mais americano. Por mim, não tinha problema. No começo eu ia sugerir Michael Deodatto, com dois “t”, para lembrar Frazetta (risos). Tínhamos umas duas ou três opções e, no final, esse era o menos horrível. Pra mim, o que fosse estava bom.
UHQ: Atualmente, há vários artistas brasileiros e de outras nacionalidades trabalhando nos Estados Unidos. E o nome parece não ser mais um tabu. Como enxerga essa mudança de postura?
Deodato: Foi mesmo só um período. Eu li algo sobre isso, falando que o pessoal da DC Comics chegou a viajar para as Filipinas. Parece que houve uma confusão com aquele arte-finalista, o Tony De Zuñiga. Ele tomou a frente para agenciar o pessoal de lá e deu alguns problemas.
Na década de 1970, sem internet, fax, Fedex... só dava certo mesmo se morasse lá. Então, ficou um pouco marcada essa experiência com artistas estrangeiros. Como o contato da Art & Comics era o David Campiti, um cara que já tinha trabalhado e tinha conhecimento do mercado na época, ficou mais fácil. Pode ser que a sugestão da mudança do nome tenha vindo dele, não sei. Talvez estivesse até certo.
Hoje já não é assim. Imagina eles falando “Rafael Albuquerque” (Deodato pronuncia o nome com sotaque americano)! E não é só a questão do nome, hoje há diversidade em tudo, como estilos diferentes. A própria Marvel, sob a gestão do Joe Quesada, trouxe uma grande variedade de estilos. E depois trouxe o Axel Alonso, vindo da Vertigo.
No entanto, a meu ver, a DC reservou isso só para a Vertigo, mesmo. Eles “meio que” criaram uma escola de estilo nos últimos anos. Fica um pouco sem identidade, junta dez finalistas para cumprir o prazo e perde a identidade.
UHQ: Como era o prazo de produção de uma revista quando você começou? Você tinha que receber o roteiro em inglês, traduzia para o português, você enviava a arte para aprovação, mas não tinha internet e precisava de fax, Fedex etc. Era muito diferente de atualmente, não era?
Deodato: É como tudo hoje em dia. A facilidade de comunicação e o imediatismo diminuiu tudo o que é prazo. Na época, como tinham consciência de que não existia mágica e o único jeito era perder dois dias de ida e mais dois de volta para o Fedex, para se comunicar por fax e outras coisas era preciso se planejar.
As revistas eram feitas com quatro meses de antecedência. Uma das vantagens que eu tinha no agenciamento da época era que não precisava me preocupar com isso e deixava nas mãos deles, não queria me preocupar com essas coisas. Só pedia para me dizerem o que eu precisava fazer, porque eu desenhava várias revistas. Começava uma e trocava para outra, depois voltava. Enquanto isso, eles falavam com os editores. Era o acordo que tínhamos.
Atualmente, termino uma página e já envio imediatamente. Antes eu esperava terminar cinco páginas para mandar, mas assim é melhor. É um processo rápido. Acontece de eu terminar uma revista e, duas semanas depois, ela ser lançada. É tudo imediato. No meu caso, como os editores confiam em mim por eu ter um longo relacionamento com a Marvel e sabem que se eu disser um prazo ele será cumprido, fica fácil.
Só não vou fazer milagre. Costumo fazer uma página por dia. Se me entregarem 20 páginas para desenhar em dez dias, só garanto as dez páginas e eles procuram outro desenhista para completar o trabalho.
Sou honesto e direto nesses casos.
UHQ: Hoje em dia, tudo mudou bastante e com o avanço da tecnologia. Você aderiu às novas ferramentas para trabalhar, como o desenho digital?
Deodato: Minha primeira experiência com digital foi uma mesa digitalizadora, mas usava só para retoque. Não me adaptei em ter que olhar para tela enquanto a caneta ficava na área de captura de movimento. Só entrei de cabeça mesmo quando conheci a Cintiq, apresentado a mim pelo Joe Quesada.
No começo, havia um pequeno atraso no traço, por causa do meu processador. Mas resolvi isso me concentrando no cursor. Foi um marco na minha produção.
Comecei a usar digital em Dark Avengers # 11 (2009). Eu pensei que ia usar só para metade da revista, mas com o tempo fiquei viciado com a tecnologia. Fico online o tempo todo e posso conversar com outros desenhistas. Hoje em dia, faço o interior da revista toda digitalmente e só a capa em papel, para não perder o toque e também porque vender o original para colecionador é uma fonte de renda.
Fiquei três vezes mais rápido, porque pulo vários processos, como corrigir os erros, digitalizar, retoques etc. E também me permitiu ficar mais ousado, usar cenários que estavam prontos e usar partes deles. Isso me dá mais liberdade por não ter medo de errar. Também posso dar zoom e incluir mais detalhes, sem ter que forçar os olhos.
Às vezes, mando algumas direções para o colorista, que também faz tudo numa Cintiq. Fica tudo mais rápido.
Outra vantagem é a Companion (Nota do UHQ: uma espécie de tablet da Wacom), que comprei no ano passado e posso levar para qualquer lugar. Se eu for a um consultório médico, em vez de ficar lá durante três horas com raiva da vida, levo ele e adianto alguma coisa. Conectado com o Cintiq, é só compartilhar o arquivo e levar comigo. Muito útil em aeroporto, trabalho de qualquer lugar do mundo. Tenho um estúdio em qualquer lugar.
Faço muito isso quando tenho almoço de família na casa da minha sogra (risos).
Continuo usando muita referência para luz, mas tiro menos fotos. É muito trabalhoso ter que arrumar a luminária e tudo mais. Hoje, encontro tudo no Google. Uso para ver detalhes, como dobra de roupa, expressões e outras coisas, pois a proporção de super-herói é bem diferente.
Também uso o SketchUp, posso colocar todos os cenários lá e tornar em 3D. Assim, posso usar qualquer ângulo e perspectiva que precisar de maneira fácil e rápida.
Com essas facilidades, sobra tempo para fazer outras coisas também, pegar referências de outras fontes. Assisto a muitas séries. E tenho mais tempo para minha família.
A única coisa que às vezes estranho é me perguntar se estou realmente fazendo arte. Mas sou das antigas, venho de uma época anterior a isso. Para quem nasce hoje em dia, não existe esse tipo de questionamento. Todo mundo lê tudo digital.
UHQ: Um de seus primeiros trabalhos no exterior foi Miracleman Triunphant (veja algumas páginas aqui), que permanece inédita até hoje. O que você lembra do projeto? Como foi a reação ao saber que ela não seria mais publicada?
Deodato: Na época, fiquei muito empolgado, porque ia fazer uma história do Miracleman! Aqui no Brasil tinha saído aquelas edições da Editora Tannos, acho que era até pirataria, o pessoal lá de fora nem sabe que saiu aqui. Fiquei louco quando meus agentes disseram que eu ia fazer. Fiquei alucinado!
Só fiquei um pouco decepcionado quando soube que não ia ser com o Alan Moore ou com o Neil Gaiman (risos). Era Fred Burke. Eu não conhecia... quem é Fred Burke? Foi interessante, mas ele imitava os estilos dos dois. Não diziam muito.
Foi um trabalho bem complicado, porque era cheio de referências a acontecimentos anteriores. Agora não lembro quem desenhava, mas era muito bom, uma arte bem detalhada. Eles me mandaram as revistas para referência e eu tinha que fazer algo parecido. Acabou que a editora faliu e não teve continuidade. Fiquei bem triste, mas a vida segue. Outras coisas apareceram para eu fazer, tudo acontecia muito rápido, uma coisa atrás da outra, nem deu tempo de ficar muito triste.
Há algum tempo, o arte-finalista começou a postar online e eu postei outras. Já tem a história inteira online por aí, com o roteiro.
Eu queria que a Marvel publicasse o material, ia ser legal. Mas não sei se eles planejam isso. Fiz uma capa para essa série nova deles, já matei a vontade um pouco!
UHQ: E o convite para ilustrar a série mensal da Mulher-Maravilha? Esse trabalho o tornou um grande nome no mercado.
Deodato: Isso aconteceu assim: eu mesmo indo atrás. Acho que eu estava fazendo alguma coisa para a editora Continuity e soube que o Marcelo Campos estava trabalhando em Extreme Justice para a DC Comics. Fiquei morrendo de inveja! Aí falei com os meus agentes que também queria algo na DC e o Hélcio me disse que a Mulher-Maravilha estava disponível, mas vendia muito pouco e procuravam um desenhista.
Eu odiava a Mulher-Maravilha, mas queria mesmo assim e disse que amava! Isso era 1993, ainda não tinha computador e preparei umas amostras, duas páginas coloridas da Mulher-Maravilha enfrentando o Superman, com aerógrafo, imitando o estilo de coloração da Image na época. Ficou bem caprichado, incluí onomatopeias e tudo mais. Era praticamente uma página impressa pronta.
Mandamos para o Paul Kupperberg (editor) e ele me contratou imediatamente. Primeiro, fiz umas cinco capas para a Turma Titã e outras coisas e, enquanto não chegava a hora de começar na revista da Mulher-Maravilha, também fiz arte-final para o Flash. Estava tão ruim, que o editor queria que eu desse um jeito, “meio que” apaguei o desenho e refiz (risos).
Finalmente, estreei em Wonder Woman # 85, só com lápis, e fiquei regularmente a partir da edição # 90. Aí eu já fazia tudo como queria, incluindo a arte-final.
As informações vinham todas por meio dos meus agentes e fiquei sabendo que as vendas triplicaram depois de três edições. No final, a Marvel e a Valiant começaram a disputar o meu passe, até eu decidir ficar na Marvel e assinar um contrato de exclusividade com eles por três anos. Era o final daquela época de grandes vendas e foi um contrato muito bom. O que ganhei naquela época, não ganho até hoje.
Se eu tivesse chegado por lá cinco anos antes, hoje você ia ter que marcar hora para falar comigo (risos).
UHQ: Essa foi a época da explosão da Image (fundada em 1992).
Deodato: Pois é. Foi no final dessa época, já estava baixando. Cinco anos antes, foi quando X-Men vendeu oito milhões de cópias e coisas do tipo, quando todos enriqueceram e o pessoal decidiu criar a Image.
Havia muito mercado especulativo. Comprava-se 20 cópias de uma revista # 1 achando que depois iam vender pelo triplo.
UHQ: A “Era Image” teve uma grande influência em você, não?
Deodato: Ah, sim! Fiquei alucinado. Acho que foi em 1991 ou 1992, quando viajei para os Estados Unidos porque eu estava trabalhando para a Inovation. Havia um programa de televisão que fazia vendas e encomendaram dois mil exemplares de Beauty and the Beast # 1. Eu tinha que assinar todas as revistas e me levaram para lá.
Na viagem, aproveitamos para fazer um tour em todas as editoras e fui recusado em todas. O que eu tinha de acesso aqui eram a revistas que traziam histórias com, sei lá, dez anos de atraso em relação a lá fora. Então, era um estilo um pouco ultrapassado e o material que apresentei não era mais usado.
No caminho, compramos algumas revistas e eu vi a Image. Puta que pariu, era aquilo! Achei bom demais e os meus agentes disseram para eu fazer algumas amostras. Quando cheguei, preparei duas páginas de amostras. Eu simplesmente queria desenhar como eles, porque eu achava o máximo, mas também pensava que ninguém estava fazendo aquilo na DC ou na Marvel e, se eu levasse isso para eles, iam me chamar.
Primeiro, mostramos para Neal Adams e ele me contratou, sendo que foi um dos que haviam dito “Não” na viagem. A negativa foi o tipo de coisa que se fala para provocar e ver se o cara se anima.
Ele adorou, fiz algumas coisas com ele e depois fui para a DC. Eu tinha muita confiança no meu trabalho. Até hoje, se eu tenho algum revés, insisto. Posso não ser o melhor desenhista do mundo, mas sou persistente.
UHQ: E hoje está mais fácil do que naquela época, com internet e outras vantagens. As distâncias diminuíram.
Deodato: Ah, com certeza. Hoje em dia, com a confiança que eu tenho, se não pudesse ir a uma convenção, pegaria uma história qualquer e redesenhava para apresentar aos editores e mostrar como ficaria ilustrada por mim.
UHQ: Saído do sucesso com a Mulher-Maravilha, você fez Glory, pela Image Comics. Por que a mudança de editora no auge de sua fase na DC?
Deodato: Foi simplesmente porque fiquei conhecido e outras editoras começaram a disputar o meu passe. A DC não me ofereceu o que as outras editoras ofereceram. Se tivesse, com certeza teria ficado.
Acabou que conseguimos publicar também pela Image porque havia uma brecha que permitia fazer um estúdio e publicar pelo estúdio. As coisas “meio que” acabaram saindo do controle, porque eu queria fazer algo caprichado, mas o volume de trabalho era grande e eu não conseguia falar “Não”.
UHQ: Você achava que se negasse algum projeto eles ficariam chateados e parariam de oferecer trabalho.
Deodato: Isso. Tivemos a ideia de criar um estúdio virtual com desenhistas em cada canto, mas perdemos o controle. Trabalhei demais e o resultado caiu de qualidade. Depois que meu contrato com a Marvel acabou, procurei a Valiant, mas eles não me queriam mais.
Eu dormia só quatro horas por dia. Tomava pó de guaraná e parei no hospital.
Daí foi ladeira abaixo, até que a Chaos! me contratou e fiz algumas coisas para eles. Quando eu percebi o que estava acontecendo de errado, já tinha perdido o controle. Foi complicado e vi que precisava mudar.
UHQ: Falando em “canos”, você teve muitos problemas com isso? Porque o final da década de 1990 foi de muitos trabalhos para você.
Deodato: Levamos alguns “canos” no começo, mas não em editoras grandes. Com exceção do Liefeld, que deixou de pagar muito royalties. Mas, pra mim, isso já é água passada, inclusive voltei a falar com ele pelo Twitter. Vamos ficando velhos e deixamos essas coisas para lá.
Na época, entrei na justiça, mas eu ia ter que ir para os Estados Unidos para depor e o cara cheio da grana e de advogados... aí, deixei para lá.
Uma vez, o Bob Shrek, da DC, me ofereceu um trabalho com a Mulher-Gato e recusei um monte de outras coisas para fazer. Depois, ele mandou o contrato de volta dizendo que tinha sido engano, mas aí eu já estava sem outros projetos. Acabei fazendo quadrinho pornô para o site da Lori Benson.
Mas era divertido. A pesquisa era muito boa (risos).
UHQ: Por muito tempo, você ficou conhecido por desenhar as mulheres mais sensuais dos quadrinhos. Esse rótulo chegou a incomodar? Isso limitou os projetos que lhe eram oferecidos?
Deodato: Não limitou porque era muita coisa oferecida. Mas foi algo que aconteceu por acaso, nunca gostei muito de desenhar mulheres e não era algo que buscava. Eu gostava de desenhar monstros e bárbaros. Mas apareceu a Mulher-Maravilha, então vamos lá fazer da melhor maneira que podia. E, para mim, isso significava fazer bem sexy.
Não teve censura, ninguém me falava o que eu não podia fazer. Fiz bem sensual e surgiu esse rótulo. Mas eu não reclamava. Só queria trabalhar.
Teve uma época, depois desse furacão todo em que eu caí e comecei a me levantar, no início dos anos 2000. Tive a oportunidade de dar uma guinada na minha carreira. Chamaram-me para fazer Fábulas, mas ao mesmo tempo apareceu um convite da Marvel para eu desenhar Witches (Nota do UHQ: veja detalhes aqui), que seria uma revista só minha.
Li os dois roteiros. Claro que Fábulas era melhor, mas era muito referenciado, com muitos detalhes. Fiquei um pouco assustado, achava que ainda não estava pronto para um projeto desse tipo. Witches acabou me atraindo por ser uma revista só minha na Marvel, desde a primeira edição. Talvez, se eu tivesse escolhido Fábulas, isso teria mudado todo o foco da minha carreira.
UHQ: Nessa época, no início dos anos 2000, o seu traço também mudou um pouco, você voltou a usar muitas referências fotográficas e a ter uma pegada mais realista. Como foi essa mudança?
Deodato: Depois de eu ter descido todos os degraus do mercado e ninguém querer me dar trabalho, comecei a ver que precisava fazer algo. Foram várias decisões na minha vida particular e na minha carreira. Divorciei-me, resolvi aprender inglês, parei de trabalhar com meus agentes brasileiros, passei a trabalhar diretamente com um agente americano e achei que precisava trabalhar menos, mesmo ganhando menos, mas que estivesse feliz com o resultado. Um dia eu iria colher os frutos.
Quanto a mudar o meu estilo, foi aos poucos. Comecei a fazer a revista da Xena e precisava usar muitas referências fotográficas porque era preciso ficar parecido com os atores e atrizes do seriado. Como eu vinha muito tempo de desenhar super-heróis no estilo Image, misturei os dois e ficou um desenho realista, mas com muito dinamismo.
Normalmente, ao escolher um estilo, ou fica caricato ou realista e estático. Consegui misturar os dois. Eu estava disposto a mudar. Cada trabalho que aparecia era a oportunidade de uma vida. Foi quando surgiu uma história de 11 páginas do Noturno para X-Men Unlimited (Nota do UHQ: veja detalhes aqui) e queria fazer o melhor trabalho de minha vida.
Pensei em usar outro estilo, só com lápis. O editor adorou e falou que ia me passar um título dos X-Men. Mas ele não ia poder usar as artes porque o arte-finalista não ia conseguir finalizar por cima de um lápis tão marcado. Tiver que refazer tudo na mesa de luz, deixando espaço para o finalista.
Quando finalmente ia me passar a revista dos X-Men, o editor foi demitido (risos).
Uma vez, o filho do Neal Adams disse que quando o pai dele queria ensinar a fazer um desenho realista e dinâmico ao mesmo tempo, dava a ele revistas minhas. Fico orgulhoso disso! (risos)
Poxa, o filho do Neal Adams, o deus!
UHQ: Relembrando esses projetos, a partir do ano 2000, noticiamos tudo isso, como Witches, Noturno e outras coisas.
Deodato: É mesmo! Eu acho que sempre tive uma visão de marketing muito boa. Não sou um cara muito falante, de opiniões fortes. Não é da minha personalidade. Mas sempre tive uma visão boa do que fazer para me promover.
Nessa época mesmo, eu não tinha o que fazer e produzia uns pin-ups e mandei para um site americano. Não sei se foi o Comic Book Resources ou o Newsarama... não lembro. Eles pegaram a arte e postaram como se fosse notícia. Liguei-me nisso.
Toda semana, fazia um desenho legal, incluía um texto legal e mandava. Dava uma repercussão incrível.
Uma coisa que também me promoveu bastante, mas que foi “meio que” por acidente, foram os atentados terroristas de 2001, nas Torres Gêmeas. Na hora, vendo a notícia, fiz o desenho do Capitão América, mas não divulguei. Não queria me promover em cima disso, tenho bom senso. Mas a Marvel me ligou falando que ia fazer uma edição para os parentes das vítimas e mandei o esboço do Capitão América. Eles acharam perfeito e a imagem foi usada para ajudar a promover a revista.
O desenho rodou o mundo, saiu em tudo que é lugar. Depois, foi vendida por cinco mil dólares para ajudar os parentes das vítimas.
Sobre Witches, eu achava que era a minha grande chance, mas não foi. Concorri com um desenhista europeu e caprichei nas amostras. Tudo colorido para impressionar. Fiz até uma apresentação. Mas o Bill Jemas, presidente na época, não gostou do roteiro e mandou arquivar o projeto. Witches chegou a sair anos depois, mas aí eu não tinha mais interesse em participar e o meu amigo Will Conrad terminou o trabalho.
Mas já tinha mudado muito do conceito original, muitas das artes não foram usadas.
UHQ: Fale-nos mais um pouco sobre o uso de referências fotográficas, inclusive rostos de atores conhecidos nos personagens.
Deodato: Já deu problema de eu usar rostos de famosos, a Marvel pede para ter cuidado. Já coloquei amigos, minha filha, minha esposa... Uma vez, coloquei o Roger do Ultraje a Rigor. A Marvel perguntou se eu estava usando muitas pessoas reais e, quando respondi que sim, me mandaram um documento pedindo para todos assinarem a autorização! Mas alguns passam (risos).
O que me fez recuar um pouco com isso foi quando desenhei Norman Osborn como o Tommy Lee Jones. Tinha uma página inteira que era ele dando uma entrevista e cada quadro só mudava um pouco as expressões. Aí falaram que estava muito parecido com o ator e eu tinha que mudar um pouco.
Outra vez usei o Eddie Murphy. Tive que mudar praticamente tudo.
Alguns famosos levam na boa, outros são bastante rigorosos com a imagem. E agora, como a Marvel pertence à Disney, eles tomam bastantes cuidado. O pessoal podia ser mais relaxado, é uma homenagem!
.
Parte 1 - O início da carreira
Parte 2 - A chegada ao mercado norte-americano e método de trabalho
Parte 3 - A relação com a Marvel e projetos autorais