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Entrevistas

Um retrato fiel do mercado

3 março 2001

Entrevista: Editora Abril

com Marco Aurélio Moretti (Editor-chefe)

Editora AbrilUniverso HQ: Qual a sua opinião sobre o mercado de quadrinhos no Brasil hoje? O que esperar desse mercado no próximo ano?

Marco Aurélio Moretti: Há dois aspectos a considerar nessa questão. O primeiro diz respeito aos quadrinhos de super-heróis. Tudo o que é possível dizer é que ele está, hoje, ocupado majoritariamente pela Abril(até por uma questão econômica) e há pouco espaço para as editoras pequenas. A perspectiva em 2001 é de estabilidade, não de retração, como em 2000. O segundo aspecto diz respeito aos quadrinhos nacionais. Sei que muitas boas editoras como a Via Lettera estão esquentando os motores para lançar trabalhos de qualidade nessa área, e há muita gente talentosa em cena, como o Lourenço Mutarelli. Parece que, finalmente, a HQ nacional compreendeu seu papel (deixou de lado a pretensão de emular os quadrinhos americanos) e deverá crescer razoavelmente este ano.

UHQ: Quais os principais problemas que você vê no mercado nacional? O que acha que deveria acontecer para mudar esse panorama?

Moretti: O problema no mercado nacional não é a produção. Para isso, nós contamos com bons tradutores (no caso de material importado), um número razoável de roteiristas (no caso da produção doméstica), artistas de alto nível etc. Portanto, o problema está na distribuição. A superexposição das revistas em bancas (e não estou falando apenas de HQs) e a concorrência das revistas-brindes são alguns dos problemas a que me refiro. Há muitas idéias para mudar esse panorama. A curto prazo, a principal medida é no quesito marketing. A longo prazo, seria importante um trabalho de “doutrinação”, digamos assim, para criar nas crianças o hábito da leitura de HQs.

UHQ: Qual o balanço que a sua editora faz do ano 2000?

Moretti: O lançamento da linha Premium trouxe uma lição valiosa. Não tanto em termos quantitativos, mas certamente qualitativos. A melhoria na qualidade editorial e gráfica, na esteira do enxugamento de títulos, foi o grande ganho que os leitores tiveram em 2000. Em outras palavras, estamos fazendo melhor.

UHQ: Quais são os planos da sua editora para 2001? O que vem por aí?

Moretti: Naturalmente, a Linha Premium prossegue com novidades: Justiceiro, de Garth Ennis; o retorno do adamantium de Wolverine; o empolgante final da Terra de Ninguém são algumas das novidades. Além disso, temos vários especiais programados, como Superman versus Predador e o aguardado Shazam de Alex Ross.

UHQ: Hoje, a história em quadrinhos é um produto caro. É possível reverter esse quadro ou a tendência é isso se manter?

Moretti: Para que esse quadro mude, o mercado terá de voltar a crescer, e bastante. É o que esperamos que aconteça em 2001.

UHQ: Mesmo nessa tremenda crise, poucas vezes tivemos tamanha variedade de lançamentos. O leitor pode optar entre super-heróis, europeu, manga, quadrinho adulto, erótico, nacional etc, mas todos com tiragens reduzidas e preços altos. Como você encara essa segmentação?

Moretti: Encaro isso com cautela. Se por um lado o alto preço é um complicador, a segmentação, com certeza, vem ajudando a amadurecer o mercado de HQ.

UHQ: Por muito tempo, os quadrinhos de super-heróis dominaram o mercado nacional. Você acha que essa diversidade de títulos é sinal que eles estão em decadência?

Moretti: É sinal de amadurecimento do leitor. Agora, com o aumento de preços, ele, com certeza, está muito mais exigente e já não tolera um material fraco e mal editado. Isso não se aplica apenas aos super-heróis, mas a todo o universo de HQ em geral.

UHQ: Qual sua opinião sobre a distribuição no Brasil?

Moretti: Apesar do que se costuma pensar, a distribuição no Brasil não é deficitária. Basta pensar em nossa extensão territorial. Como base de comparação, basta dizer que os EUA têm muito menos pontos de venda do que o Brasil. O problema está na baixa qualidade da maioria desses pontos de venda. Mudar isso implica em “n” fatores, que formam um nó górdio, difícil de ser rompido.

Flash Especial X-Men, o filme

UHQ: Os quadrinhos estão, cada vez mais, migrando para as livrarias. O que você acha desse nicho?

Moretti: Todo novo ponto de vendas é sempre bem-vindo. No caso das livrarias, não é diferente. Certamente, isso é um reflexo da entrada em cena dos consumidores mais maduros e exigentes, a que já me referi.

UHQ: Você acha que a falta de revistas e críticas especializadas no setor afeta o mercado?

Moretti: Não creio nisso, não. O que afeta o mercado são dois fatores: preço e qualidade. Isso não quer dizer que revistas especializadas, estilo Wizard, não sejam bem-vindas.

UHQ: Qual a atual situação no mercado de bancas?

Moretti: Já esteve pior. Lembra-se da febre de revistas-brindes anos atrás?

UHQ: Circulam na internet boatos e informações desencontradas sobre a linha Premium. Alguns dizem que ela seria um fracasso, ou estaria fadada a ele, a médio prazo; outros afirmam que os títulos vão bem de vendas. Qual a realidade desta situação? Existem chances de se retomar o formatinho?

Moretti: Se vocês considerarem que, num país economicamente frágil como o nosso, e mesmo sem oferecer brinde algum e com um preço elevado para muitos bolsos, a série Premium tem mantido o patamar esperado de vendas, então, só há uma palavra para definir isso: sucesso.

UHQ: A editora pretende trabalhar com outros materiais fora os americanos?

Moretti: Na área de heróis e adultos, não. Na área infantil, temos aí Digimon e similares.

UHQ: Hoje existe um atitude “anti-Abril“, por parte de diversos leitores. A que você atribui este tipo de ocorrência? Por que a maior editora do Brasil se tornou alvo de tanta hostilidade?

Moretti: Há uma certa hostilidade, sim, mas é daqueles leitores que não puderam continuar comprando toda a linha de heróis, como antigamente. A eles ainda existe a opção de comprar títulos isolados de seus personagens prediletos. Quanto aos demais reclamões crônicos, bem, esses não passam disso: reclamões crônicos.

UHQ: Pra finalizar, existe alguma possibilidade de a Abril deixar o mercado de quadrinhos?

Moretti: Sim, assim como existe a possibilidade de o Brasil entrar em guerra com a Argentina, da Gisele Bündchen ter um filho do Leonardo DiCaprio e o Pitta se tornar governador de São Paulo.

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