Um retrato fiel do mercado
Entrevista: Editora Escala
com Dario Chaves (Editor)
Universo HQ: Qual a sua opinião sobre o mercado de quadrinhos no Brasil hoje? O que esperar desse mercado no próximo ano?
Dario Chaves: Pergunta difícil de ser respondida, porque a resposta vai parecer ambígua. Vejo com bastante preocupação a saída do formatinho da Editora Abril das bancas, pois o novo formato, com edições mais luxuosas e caras, inibe a formação de novos leitores e afasta uma grande parte dos leitores habituais, devido ao seu alto preço de capa. Por outro lado, a quebra do monopólio dos comics sendo publicados única e exclusivamente por uma editora abriu um leque de possibilidades e o surgimento de pequenos e médios editores no universo das HQs. E este fato é bastante positivo. Com isso, surge a possibilidade do público consumidor ter acesso a temas mais variados e abrangentes. Vislumbro, para este e para o próximo ano, um momento bastante positivo para os apreciadores da arte seqüencial.
UHQ: Quais os principais problemas que você vê no mercado nacional? O que acha que deveria acontecer para mudar esse panorama?
Dario: Esta também é bastante complexa. Um dos principais problemas é a falta do público consumidor, quer pelo poder aquisitivo da maioria da população, quer pela falta de costume de leitura. Isso afeta o mercado editorial como um todo, que tem um dos índices mais baixos de revistas vendidas por habitante, se comparados a Europa e Estados Unidos. Por outro lado, se este fato reflete a nossa realidade, também demonstra que a possibilidade de se formar público é muito maior. Há mais espaço a ser conquistado. Diversificar os temas, tentar baixar os preços de capa, lançar novos produtos, enfim, formar mercado deve fazer parte de uma estratégia para que se mude o panorama atual.
UHQ: Qual o balanço que a sua editora faz do ano 2000?
Dario: A Escala vem alcançando um crescimento anual em toda sua linha de produtos. Terminou o ano de 1999 vendendo algo em torno de 1.100.000 exemplares no mês de dezembro; e ultrapassou a casa de 3 milhões de revistas vendidas, em dezembro de 2000. Esses números referem-se a um mix de produtos, e não exclusivamente HQs. Não é esta a realidade do produto específico HQ, mas, com certeza, tanto o volume de lançamentos quanto as vendas, foram superiores a 99. O que torna o saldo positivo.
UHQ: Quais são os planos da sua editora para 2001? O que vem por aí?
Dario: A Escala deve manter para 2001 uma perspectiva de crescimento em volume de títulos e vendas. Especificamente na área de HQ, deve dar continuidade aos produtos já existentes e investir em novas áreas, como os quadrinhos infantis, para testar a aceitação do público – com ênfase na produção nacional.
UHQ: Hoje, a história em quadrinhos é um produto caro. É possível reverter esse quadro ou a tendência é isso se manter?
Dario: A característica da Editora Escala sempre foi a de popularizar os seus produtos. Por isso mesmo, tem os menores preços do mercado. Incluindo aí a área dos quadrinhos. A idéia é manter essa filosofia, e espera-se que, a longo prazo, consigamos formar um público consumidor e emplacar algum produto com maior força.
UHQ: Mesmo nessa tremenda crise, poucas vezes tivemos tamanha variedade de lançamentos. O leitor pode optar entre super-heróis, europeu, manga, quadrinho adulto, erótico, nacional etc, mas todos com tiragens reduzidas e preços altos. Como você encara essa segmentação?
Dario: Esta informação não é inteiramente verdadeira, pois a Editora Escala, através do seu selo Xanadu, nunca publicou tantos produtos a preços visivelmente baixos. Todos eles com tiragens variando entre 30 e 70 mil exemplares, que são volumes respeitáveis em qualquer parte do mundo. O aparecimento de um mercado segmentado com preços altos faz parte da própria evolução dos produtos e do público-alvo.
UHQ: Por muito tempo, os quadrinhos de super-heróis dominaram o mercado nacional. Você acha que essa diversidade de títulos é sinal que eles estão em decadência?
Dario: A diversidade de títulos demonstra que o público consumidor está evoluindo e se diversificando, devido também ao aparecimento de editoras dispostas a investir em temáticas diferentes das de super-heróis. Acredito que a questão da queda dos super-heróis deva ser analisada também por outros aspectos. A concorrência de outros meios de entretenimento, em relação a outras décadas, é visível, o que acaba refletindo nas vendas. Mas não acredito que isto signifique o fim do estilo super-heróis.
UHQ: Você acha que a falta de revistas e críticas especializadas no setor afeta o mercado?
Dario: Um mercado que não sustenta uma produção regular do produto final que é a revista em quadrinhos, dificilmente, poderia absorver uma revista especializada no assunto. Um pensamento um tanto quanto óbvio, já que se o leitor não tem dinheiro nem para comprar sua revista em quadrinhos, não terá provavelmente interesse em comprar uma revista que fale sobre quadrinhos.
A Escala vem mantendo, com sucesso, uma revista informativa, a “Comix Book Shop Magazine”, devido a seu preço de capa bastante acessível, mas, principalmente, ao mix de temas que aborda, incluindo animação japonesa e seriados de tevê. Essa linha editorial significou um pulo gigantesco para o produto, que passou de uma venda não superior a 12 mil exemplares (quando tratava somente de quadrinhos), para patamares variando entre 60 e 100 mil exemplares, depois da adoção da nova linha abrangendo temas ligados à animação e tevê. Essas mudanças proporcionaram um aumento também da periodicidade. A primeira fase teve 8 edições num período de 1 ano; enquanto a segunda, num intervalo idêntico, foi do nº 9 a 30! Aproveitamos, então, este crescimento do público leitor para tentar atrair novos interessados ao universo dos quadrinhos.
UHQ: Qual sua opinião sobre a distribuição no Brasil?
Dario: A parceria firmada, a partir do segundo semestre de 1999, entre a Editora Escala e aDistribuidora Fernando Chinaglia é, com certeza, um dos fatores determinantes do sucesso que a Escala alcançou a partir deste período. Muitos editores se queixam do sistema de distribuição no Brasil, colocando-o como o principal empecilho para o sucesso de suas publicações. Há que se ressaltar aí que a distribuição para bancas de jornal no Brasil tem um aspecto universal; e não específico, como desejam alguns editores. Talvez daí decorra grande parcela das queixas relacionadas à distribuição.
UHQ: Os quadrinhos estão, cada vez mais, migrando para as livrarias. O que você acha desse nicho?
Dario: A Editora Escala por enquanto não atua nesse nicho com produtos de quadrinhos.
UHQ: A Escala lançou o curso de desenho para quadrinhos nas bancas. Qual foi o retorno desse material? Como está o projeto?
Dario: A filosofia da Editora sempre foi de investir em novos projetos. Alguns desses projetos são vitoriosos, caso da revista “Curso Prático de Desenho”, que, em aproximadamente um ano e meio, se desenvolveu em uma série de outros produtos, como “Curso Básico de Desenho”, “Curso Básico de Mangá”, “Método de Desenho Erótico”, “Como Fazer Desenho Animado”, “Curso Prático de Desenho Comercial e Publicitário”, “Me Desenhe”, “Guia de Referências”, “Desenhe e Publique Mangá”. Ou seja, foi uma área em que a iniciativa, a princípio inovadora, proporcionou a criação de um segmento novo ligado ao universo dos quadrinhos. Esse segmento teve um boom que a editora aproveitou adequadamente, com grande número de lançamentos, recuou um pouco e hoje se mantém mais estável, com três produtos regulares e alguns especiais, de acordo com a demanda.
UHQ: Vocês trabalharam basicamente com artistas nacionais. Qual a repercussão desse trabalho junto aos leitores? Vocês recebem muitas histórias de gente querendo publicar? Podem destacar algum “novo talento” que tenham descoberto através das revistas?
Dario: Desde sua criação, a Editora Escala apóia e fomenta novos produtos. A questão de investir em autores nacionais faz parte da filosofia da empresa, de acreditar em novos projetos. Embora seja a editora que mais publica autores nacionais, não há como ter certeza se o público se dá conta desse volume.
Recebemos dezenas de histórias a cada mês, particularmente quando criamos a seção “Arte do Leitor”, na HQ – Revista do Quadrinho Brasileiro. Esta seção não tem os mesmos critérios exigidos aos profissionais, possibilitando a autores amadores terem seus trabalhos publicados. Como o número de bons autores é grande, tentamos dar espaço para a maioria, na medida do possível. Tanto que acabamos criando uma revista exclusivamente voltada para autores amadores, fãs de mangá, que é a revista “Desenhe e Publique Mangá”. A cada número, autores diferentes são selecionados. Todo novo autor publicado em nossas revistas pode ser considerado “novo talento”. Mas somente o leitor, e o tempo, é que dirão se ele poderá vir a ter ou não algum destaque profissionalmente.
UHQ: Qual a atual situação no mercado de bancas?
Dario: A Editora Escala e seu selo Xanadu só atuam em bancas. E tem no jornaleiro o seu principal aliado. Por este motivo, não vende assinaturas. E como também não vende publicidade em seus produtos, vive única e exclusivamente da venda em bancas.
UHQ: A situação econômica hoje é desfavorável para os quadrinhos. O preço de suas edições é um problema?
Dario: O mercado editorial como um todo tem crescido nos últimos anos. Principalmente nos segmentos mais populares. É óbvio que os produtos com preço mais elevado estão enfrentando cada vez mais dificuldades. Mas as perspectivas econômicas para 2001 nos parecem bastante favoráveis, com o aumento do nível de emprego e da massa salarial, o que deve refletir positivamente sobre as vendas, incluindo aí o universo dos quadrinhos.
UHQ: Seus lançamentos de 2000 foram sempre com artistas nacionais. A idéia é continuar nessa linha ou vocês publicarão também autores estrangeiros?
Dario: A linha editorial da Escala deve ser mantida e não há, a médio prazo, perspectiva de lançamentos de títulos estrangeiros.