Confins do Universo 216 - Editoras brasileiras # 6: Que Figura!
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Entrevistas

Um retrato fiel do mercado

3 março 2001

Entrevista: Editora Meribérica

com Natália Severino (Diretora Comercial)

Universo HQ: Qual a sua opinião sobre o mercado de quadrinhos no Brasil hoje? O que esperar desse mercado no próximo ano?

Natália Severino: O mercado brasileiro tem sempre muitas dificuldades. As principais são a americanização do mercado, a falta de conhecimento do publico e dos livreiros sobre o material europeu e a distribuição. 2001 não vai ser muito diferente do ano passado.

UHQ: Quais os principais problemas que você vê no mercado nacional? O que acha que deveria acontecer para mudar esse panorama?

Natália: Além da americanização do mercado brasileiro e da distribuição precária, infelizmente, não existe um carinho pelo quadrinho europeu. Por exemplo: nenhum jornalista de São Paulo, onde estão situados os grandes jornais do País, procura a Meribérica, para saber de lançamentos. Isso deveria mudar.

O quadrinho europeu adulto é de muita qualidade; são verdadeiras obras de arte, e o publico não as conhece. É preciso realizar um trabalho a longo prazo, junto aos consumidores e livreiros, para se dar a oportunidade de conhecer o quadrinho europeu, em todas as suas vertentes. Mas isso exige uma estrutura muito grande, que, hoje, a Meribérica não possui.

UHQ: Qual o balanço que a sua editora faz do ano 2000?

Natália: Começamos a trabalhar em 2000, quando ocorreu a nossa re-introdução no País. Em março, tivemos a primeira importação e, em outubro, a primeira publicação (nota do UHQ: os livros do Garfield). Foi um ano de teste, para sentir o que é o mercado brasileiro.

UHQ: Quais são os planos da sua editora para 2001? O que vem por aí?

Natália: Vamos seguir com a política de introduzir o nosso produto, o quadrinho europeu. Também lançaremos mais títulos do Garfield. Temos que ir com os pés na terra, com muito cuidado, pois o mercado não está, como se diz em Portugal, “para altas cavalarias”.

UHQ: Hoje, a história em quadrinhos é um produto caro. É possível reverter esse quadro ou a tendência é isso se manter?

Natália: Mesmo na Europa, os quadrinhos são considerados caros. Mas é preciso se levar em consideração a qualidade do material! Um álbum do Hugo Pratt, por exemplo, tem 150 páginas coloridas, papel de luxo, capa cartonada, mas em tiragem pequena. Não há como não ser caro.

UHQ: Mesmo nessa tremenda crise, poucas vezes tivemos tamanha variedade de lançamentos. O leitor pode optar entre super-heróis, europeu, mangá, quadrinho adulto, erótico, nacional etc, mas todos com tiragens reduzidas e preços altos. Como você encara essa segmentação?

Natália: De maneira muito positiva, pois o mundo dos quadrinhos precisa mostrar aos leitores tudo que produz. É importante a variedade, pois só vai ajudar a expansão do quadrinho. Dessa forma, o leitor tem à sua disposição tudo que existe; e, além daquilo que gosta, pode conhecer outras coisas.

UHQ: Por muito tempo, os quadrinhos de super-heróis dominaram o mercado nacional. Você acha que essa diversidade de títulos é sinal que eles estão em decadência?

Natália: Não! Os outros gêneros de quadrinhos é que estão mexendo com os leitores. Estão surgindo coisas diferentes. E o leitor começa a se tornar mais exigente quando vai ficando mais maduro. É uma evolução natural.

UHQ: Você acha que a falta de revistas e críticas especializadas no setor afeta o mercado?

Natália: Afeta, sim. Sinto que, no Brasil, tudo que se fala na mídia é o que vende, o que o livreiro mais expõe nas prateleiras; e os produtos não divulgados através dos veículos de comunicação não ganham tanto espaço. E isso não é só com quadrinhos, mas com os livros, em geral!

Quotidiano Delirante Corto Maltese - Tango

UHQ: Qual sua opinião sobre a distribuição no Brasil?

Natália: No mercado de livrarias, a distribuição é muito complicada, pelo próprio tamanho do País. Não há um distribuidor nacional, por isso, há vários lugares do Brasil em que meus quadrinhos não chega! Pra piorar, o mercado de distribuição trabalha com margens muito grandes de lucro, o que só encarece o livro.

Além disso, o mercado está viciado em trabalhar com o produto sob consignação e, quando o livro volta (quando não é vendido), está sempre danificado, com etiquetas etc. Como já tivemos problemas com isso, não trabalhamos mais em consignação.

UHQ: Os quadrinhos estão, cada vez mais, migrando para as livrarias. O que você acha desse nicho?

Natália: É uma ótima alternativa, mas, no Brasil, infelizmente, ainda há poucas livrarias; e o espaço dedicado aos quadrinhos é reduzido. Eu acho que o quadrinho deveria ir também para outros nichos, como os supermercados! Estamos com alguns de nossos produtos, ainda de forma primária, nas lojas do Carrefour. Não dá para sentir o retorno, pois ainda está começo.

UHQ: A Meribérica atua no segmento de livrarias e bancas especializadas, qual a situação da editora neste mercado? A venda direta da editora, hoje, é significativa?

Natália: Não trabalhamos com bancas especializadas, pois elas exigem consignação. Sobre as vendas diretas, elas são bastante significativas, pois, como nossos produtos só chegam a livrarias de São Paulo, Rio de Janeiro e algumas cidades de Minas Gerais, os clientes de outros estados compram diretamente conosco. Eles são informados através de malas-diretas que sempre geram bons resultados.

UHQ: A competição no mercado de livros parece estar mais acirrada do que nas bancas. Como você vê a posição de editoras como a Conrad, a Tendência, a Via Lettera, a Devir e outras que estão entrando no setor?

Natália: Acho sensacional. Se temos outras editoras surgindo, significa que temos mercado em potencial, o que é muito bom. Para se fazer livro é muito caro. Temos que pagar os autores, os direitos, o papel, o fotolito, a impressão etc. Corremos um risco muito grande, que é todo nosso! É bom explicar que os autores europeus recebem os direitos pela publicação de seus trabalhos, logo no fechamento do contrato, ou seja, antes, da publicação!

UHQ: Vocês têm planos para atuar em bancas?

Natália: Bancas, por enquanto, não. E, se um dia formos entrar nesse nicho, não o faríamos com nossos livros! Seria com produtos concebidos especialmente para bancas.

UHQ: A situação econômica hoje é desfavorável para os quadrinhos, o preço de suas edições é um problema?

Natália: Realmente, o preço de nossas edições não é barato. O ideal seria editarmos os álbuns aqui, para torná-los mais baratos, mas não temos mercado suficiente para isso atualmente.

Mas deve-se ressaltar que, se o preço é alto, todos os nossos produtos primam pela alta qualidade editorial e gráfica. Para nós, que detemos cerca de 80% do mercado de Portugal, não basta a obra ser “bonita”! O roteiro é fundamental! Histórias em quadrinhos devem ser uma simbiose de texto e desenho. Por isso, nosso critério de escolha dos trabalhos que serão publicados é muito rigoroso, com as histórias passando por um conselho editorial que os analisa, antes de fecharmos um contrato.

UHQ: Na conversão direta do Escudo para o Real, até que seus preços seriam acessíveis, mas, na prática, isso não ocorre. Por que os álbuns têm o preço tão elevado? O mercado brasileiro ainda é interessante para a Meribérica?

Natália: Os livros são isentos de impostos, mas temos o frete, o seguro e os impostos (PIS, Cofins etc), que incidem em cima dos livros vendidos. Isso tudo precisa ser colocado sobre o produto, encarecendo-o. Quando voltamos para o Brasil o dólar estava “1 por 1″; depois, com a desvalorização, tivemos que nos adaptar e, para introduzir nossos álbuns no mercado brasileiro, temos trabalhado com uma margem de lucro menor.

Mas, a Meribérica não tem plano de deixar o mercado brasileiro. A tendência é aumentar nossa participação. Em março, por exemplo, estamos trazendo mais 30 novidades.

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