Afinal, quem é dono do Superman?
A luta pelos direitos autorais do Superman é longa, começou praticamente antes da publicação da primeira história do personagem, quando Jerome Siegel e Joseph Shuster venderam os direitos do Homem de Aço por uma ninharia. E rende desdobramentos - sérios - até hoje.
Em 12 de agosto de 2009, o juiz Stephen Larson declarou, numa decisão de 50 páginas (disponível como um arquivo PDF de 99 páginas) que, como divulgamos, os herdeiros de Jerome (Jerry) Siegel também são coproprietários (além de Action Comics # 1, como já havia sido estabelecido num julgamento em 2008) das histórias de Superman publicadas em Action Comics # 4; das páginas 3 a 6 de Superman # 1; e das duas primeiras semanas das tiras diárias do Superman.
As empresas citadas nessa disputa judicial fazem parte do mesmo grupo e hoje representam as antigas editoras Detective Comics (que primeiro publicou as aventuras de Superman em Action Comics # 1), National Comics Publications (uma fusão entre a National Allied Publications e a Detective Comics), que assumiu os diretos do Superman, e National Periodical Publications, Inc., uma consolidação das organizações anteriores - e da posse dos direitos sobre o personagem para todas as mídias - numa nova editora. Coloquialmente, todas são conhecidas hoje como DC Comics.
A notícia gerou certa confusão. De modo geral, a mídia, principalmente os veículos do chamado mainstream, contribuiu para aumentar a desinformação, citando equívocos e especulando de maneira polêmica sobre os destinos do Superman.
Para entender os 80 anos de disputas legais entre os criadores do Superman e a DC Comics, é necessário resumir os eventos do passado. Portanto, vamos aos fatos.
Superman foi criado e desenvolvido entre 1932 e 1937, como será explicado em detalhes abaixo, por Jerry Siegel e Joe Shuster.
Em 1º de março de 1938, a Detective Comics enviou a Joe Siegel, pelo correio, um cheque de 130 dólares referente às 13 páginas da primeira história do Superman, junto com um contrato que lhe garantia os direitos perpétuos e exclusivos do personagem. O contrato foi assinado por Siegel e Shuster e enviado de volta à editora.
A revista Action Comics # 1, com a primeira história do Superman, foi lançada em 18 de abril de 1938. Como todos sabem, com enorme sucesso.
Em 1947, muito insatisfeitos com os contratos assinados, com o tratamento da editora e com os ganhos recebidos, Siegel e Shuster tentaram reaver seus direitos sobre o personagem.
No ano seguinte, como resultado do processo, os autores receberam 94 mil dólares, mas os direitos autorais do Superman permaneceram com a Detective Comics (que na época já se chamava National Comics Publications, Inc.)
Segundo Gerard Jones, em seu livro Homens do Amanhã, 40 anos depois da decisão de 1948, numa conversa em off, Joe Shuster teria dito que sempre foi atormentado pela possibilidade de que o advogado Albert Zugsmith tivesse recebido uma propina da editora para não vencer a batalha.
Em 1967, com a renovação dos direitos autorais (de acordo com a legislação) de Superman, Siegel e Shuster tentaram novamente reaver seus direitos, mas não tiveram êxito.
Quando os autores já estavam com 61 anos, em 1975, e com muitas dificuldades - Shuster estava parcialmente cego, vivia numa condição financeira precária e não desenhava mais; e Siegel também sofria de problemas de saúde, depois de um infarto no início da década de 1970. Ambos não dispunham de muito dinheiro.
Então, em 19 de dezembro de 1975, como resultado de uma longa campanha publicitária pelos direitos de Siegel e Shuster, promovida em grande parte por Jerry Robinson e Neal Adams, a DC Comics assinou um acordo, no qual concordava em pagar 20 mil dólares por ano, para o resto da vida, aos dois artistas. E também daria o crédito "Superman criado por Jerry Siegel e Joe Shuster" em todos os usos do personagem.
Por causa disso, em 1976, o congresso norte-americano aprovou uma lei (1976 Copyrights Acts) que garantia a qualquer autor de uma obra, ou a seus herdeiros, que pudesse encerrar a cessão de direitos autorais, desde que a mesma tenha sido concedida antes de 1º de janeiro de 1978, e cujo copyright não tenha sido resultado de trabalho contratado (work for hire, em inglês).
Joe Shuster faleceu em 1992, com 78 anos. Siegel morreu em 1996, aos 81.
De acordo com a legislação de 1976, dentro do prazo estipulado, e exercendo seus direitos legais, em 3 de abril de 1997, Joanne Siegel, viúva de Jerry Siegel, e sua filha, Laura Siegel Larson, entraram na justiça com um pedido de término da transferência de direitos (copyright) contra a Warner Bros. Entertainment Inc., a Time Warner Inc. e a DC Comics.
A batalha parecia vencida em 1999, quando um juiz concedeu metade do copyright de Superman em Action Comics # 1, aos herdeiros de Siegel.
Longe de estar perto de seu final, porém, a disputa jurídica continuou por mais uma década. Em 2008, o juiz Larson novamente concedeu a vitória aos herdeiros de Siegel, declarando que são realmente coproprietários do Superman em Action Comics # 1.
E, finalmente, chega-se à decisão mais recente do juiz Larson. É preciso deixar claro que essa ação por parte dos herdeiros de Jerry Siegel só pode recuperar a parte de Siegel - o roteirista das histórias - dos direitos do Superman, ou seja 50%.
A outra metade, relativa ao trabalho de Joseph (Joe) Shuster - o desenhista - continua nas mãos da DC Comics.
O destino da metade de Shuster será decidido em 2013, quando Mark Peary, o herdeiro de Joe Shuster, pode conseguir reverter o copyright de sua parte.
O atual processo é uma tentativa de reverter a cessão dos direitos autorias (copyright) num trabalho de autoria original, numa HQ desenvolvida como trabalho contratado work for hire.
A lei de 1976 estipula que qualquer processo desse tipo deve ser visto também dentro dos parâmetros da lei de copyright em vigor no momento da criação do trabalho, neste caso, a lei de 1909 (1909 Copyrights Acts).
O que está em jogo é o trabalho de Jerome Siegel (e, por extensão, parte da obra de Joe Shuster) relativo aos anos de 1938 a 1943.
E tudo isso se refere aos direitos em solo estadunidense, e não aos direitos internacionais.
Mais exatamente:
1- Material de Superman criado por Jerry Siegel antes de 1º de março de 1938, incluído na revista Action Comics # 4 e em partes de Superman # 1.
2- Material de Superman publicado em formato comic book (como revista) entre 1º de março de 1938 e 22 de setembro de 1938. Na prática, seriam as edições # 2 a # 6 de Action Comics.
3- O resto do trabalho de Siegel e Joe Shuster, publicado de setembro de 1938 até 16 de abril de 1943. Ou seja, Action Comics # 7-61 e Superman # 1 a # 23.
4- Tiras de Superman publicadas pelo McClure Syndicate, entre janeiro de 1939 e 16 de abril de 1943.
O juiz Stephen Larson já havia decidido, em 26 de março de 2008, que os herdeiros de Jerry Siegel tinham direito à sua metade do copyright de Action Comics # 1, pois não se tratava de um material desenvolvido como work for hire.
O problema dos direitos autorais do Homem de Aço e a decisão do juiz Stephen Larson de conceder a copropriedade de Action Comics # 1 aos herdeiros de Jerome (Jerry) Siegel já foi amplamente analisado neste artigo do Universo HQ, que coloca a situação toda dentro do contexto histórico.
No entanto, para entender o item 1 mencionado acima, é preciso voltar ao passado e analisar a criação do Superman, um processo que se desenrolou entre 1933 e 1938.
A criação do Superman
Jerry Siegel e Joe Shuster se conheceram em 1932, na escola Glenville High School (ensino médio). Em janeiro de 1933, a dupla publicou o fanzine Science Fiction: The Advance Guard of Future Civilization, no qual foi impresso a primeira versão do Superman, na história The Reign of the Superman.
Nesta aventura, Superman era o vilão: um cientista louco, careca e tinha poderes mentais.
Meses depois, Siegel resolveu levar o personagem para o lado do bem. Esta mudança se deve a fatores como o surgimento de muitos heróis nas revistas pulp (Doc Savage e John Carter of Mars, por exemplo) e a Grande Depressão americana da década de 1930.
Escritores como Gerard Jones (Homens do Amanhã) e Brad Meltzer (Book of Lies) argumentam que a morte do pai de Jerry Siegel - Mitchell Siegel, vítima de um ataque cardíaco durante um assalto em 1932 - deve ter influenciado de modo significativo o jovem escritor.
Nessa segunda versão, de 1933, Superman era um herói, um sujeito grande e forte, sem poderes, que usava camiseta e calça (nada de uniforme colorido ou capa) e combatia o crime.
De certa forma, era um personagem nos moldes de Dan Dunn, de Detective Dan, Secret Operative Nº 48, revista da Humor Publications Co., editora que inovava na época, publicando material original que não havia saído como tiras de jornais.
Siegel e Shuster ofereceram seu Superman para a editora de Detective Dan e receberam uma carta dizendo que seu material havia sido aceito. Mas a alegria durou pouco, pois a oferta foi retirada pouco depois.
Irritado com a situação, Shuster jogou todas as histórias numa lareira. Siegel salvou das chamas a capa, a única coisa que restou dessa versão do Superman.
Muitos desses fatos estão relatados no livro de Gerard Jones, Homens do Amanhã, que, mesmo envolto em algumas polêmicas (a viúva de Siegel contestou publicamente algumas afirmações), oferece um excelente retrato da época da criação do Superman.
A dupla se separou depois disso - Siegel sentiu que o personagem precisava de outro artista. Ele entrou em contato com Mel Graf, Tony Strobl e Russell Keaton (que foi desenhista fantasma de Buck Rogers).
E aqui a realidade toma rumos que lembram a ficção. Um artigo publicado no blog do site Newsarama, por Jeff Trexler, em 20 de agosto de 2008, relata a parceria de Siegel com Keaton e a descoberta de documentos desse período que tinham sido extraviados (durante uma mudança de endereço) e foram achados em abril de 2007.
O artigo colocou o advogado dos Siegel, Marc Toberoff, em contato com Dennis Kitchen, o agente literário dos herdeiros de Russell Keaton. Vários novos documentos importantes, como fotocópias e correspondências, surgiram desse encontro, e isso teve grande influência na nova decisão do juiz Larson.
São esses documentos relativos à produção de Siegel que deram margem a uma nova análise do material produzido entre 1938 a 1943, nas revistas Action Comics e Superman, e também nas tiras de jornais distribuídas pelo McClure Newsaper Syndicate.
Entre o verão (junho e agosto no hemisfério norte) de 1934 e o outono (setembro a novembro) daquele ano, Siegel e Keaton se corresponderam várias vezes. O personagem foi reformulado, o roteirista produziu alguns enredos e roteiros e Keaton desenhou algumas tiras.
Nesses textos, Siegel afirmava que Superman ganharia uma guerra sozinho, nadaria vários quilômetros como se fosse um fato comum, se digladiaria com um avião, surpreenderia a nação praticando esportes e salvaria uma cidade de uma enchente.
A ideia era vender o novo Superman para os jornais, uma empreitada comercial mais lucrativa e muito mais abrangente do que o recém-nascido comércio das revistas em quadrinhos (os comic books).
Keaton produziu nove tiras (com quatro quadros cada uma) com recordatórios e diálogos, e Siegel escreveu o roteiro de mais três histórias que nunca foram ilustradas.
A nova história mostrava a infância de Superman, sendo criado por Sam e Molly, e continha alguns elementos de ficção inexistentes no conceito anterior do personagem.
Nessa versão, Superman foi enviado de volta ao passado, como um bebê, para o presente (neste caso, o ano de 1935) numa máquina do tempo criada pelo "Último Homem da Terra", antes da destruição de nosso planeta.
A história o apresenta como tendo uma estrutura física mais avançada do que a das pessoas de 1935 - a primeira expressão dos poderes (força colossal, capacidade de pular sobre prédios altos, ser tão veloz quanto um trem e só podia ser ferido por uma bala de canhão) do Superman.
Além disso, o bebê que se tornaria Superman falava uma língua que os Kent - que o resgataram - não compreendiam; e o segredo de sua origem estava ligado a um bilhete misterioso incluso na máquina do tempo que o transportara.
Entretanto, o Clark Kent adulto não compreendia o significado das palavras no bilhete.
Parte deste material contém informação de autoria indicando Jerome Siegel e Russell Keaton como detentores dos direitos autorais. Contudo, nada disso foi publicado por uma editora, nem registrado como obra não publicada nos órgãos pertinentes, dois pontos muito importantes dentro do contexto da Lei de Copyright de 1909.
Keaton desistiu da empreitada, e Siegel e Shuster acabam reatando sua antiga parceria no início de 1935. E o Superman seria remodelado novamente.
Começa, então, a famosa história da noite quente de verão, em 1934, na qual Siegel incapaz de dormir, e cheio de ideias, escreveu a nova origem de Superman.
Mas existe um detalhe, de acordo com os documentos descobertos recentemente: esta noite não ocorreu em 1934, mas no ano seguinte.
A decisão recente do juiz Larson menciona essa discrepância e passa a adotar como sendo o verão de 1935, a época exata em que esse episódio aconteceu.
Superman assume uma característica quase mítica, mais aos moldes de Hercules ou Sansão. Nesta versão, ele foi enviado à Terra ainda bebê, num foguete, vindo de um misterioso planeta (que até o momento não havia recebido um nome) que foi destruído pela passagem natural do tempo. Sendo um alienígena, ele cresce com superpoderes e usa-os para o bem da humanidade.
A dupla produziu material equivalente a quatro semanas de tiras (por volta de 24 a 30 tiras), mas apenas a primeira semana foi arte-finalizada. O restante ficou apenas no lápis, com os diálogos já aplicados.
Além disso, Siegel escreveu um parágrafo no qual detalhava algumas ideias para as futuras aventuras de Superman, e uma sinopse de nove páginas do enredo de três semanas de tiras.
E aqui voltamos ao item 1 da lista mencionada anteriormente.
M. C. Gaines, na época um agente da agência distribuidora McClure Newspaper Syndicate estava com o material de Siegel e Shuster em mãos quando Harry Donenfeld, presidente da Detective Comics, lhe telefonou pedindo material para preencher uma revista.
Donenfeld reconheceu o apelo do material e mandou que fosse readaptado para o formato comic book, mas sem o material equivalente à primeira semana de tiras, para dar espaço para outras histórias.
Em 16 de fevereiro de 1938, a dupla enviou à Detective Comics a história reformulada.
Em 1º de março de 1938, antes da publicação de Action Comics # 1, a editora enviou a Siegel um cheque de 130 dólares, por 13 páginas de trabalho e um acordo que incluía a cessão exclusiva dos direitos do Superman, em perpetuidade. O documento foi assinado e enviado à Detective Comics.
Esta é a principal razão pela qual grande parte do processo visava provar que o material de Action Comics # 1 não era work for hire, mas fruto de um trabalho independente.
Action Comics # 1 foi publicada em 18 de abril de 1938 (com data de capa de junho de 1938). O juiz Larson deu a copropriedade dos direitos da história de Superman na revista aos herdeiros de Siegel numa decisão em 2008.
Quando Superman # 1 foi publicada (essencialmente republicando Action Comics # 1 a # 4) a revista trazia inclusa todo o material que havia sido cortado em Action Comics # 1. As seis páginas adicionais são compostas por duas produzidas por Siegel e Shuster a pedido de Donenfeld, em 1939, e mais as quatro cortadas.
São as páginas 3, 4, 5 e 6, de Superman # 1, criadas em 1935, que agora também são de propriedade dos herdeiros de Siegel.
A informação sobre o corte de tiras e sua posterior inclusão em Superman # 1 foi confirmada por Joe Shuster, na primeira reimpressão da revista, inclusive contando a participação de Donenfeld, e por Jim Steranko, na introdução e posfácio de Superman Archives # 1, da própria DC Comics.
O material publicado em Action Comics # 4 foi considerado pelo juiz Larson como sendo diretamente baseado no enredo inédito de Siegel criado por volta de novembro de 1934, principalmente pelo fato de que os diálogos da história publicada são, em sua maioria, idênticos ao do enredo.
A história de Action Comics # 4 mostra Superman jogando futebol americano. O roteiro é uma cópia quase perfeita da sinopse enviada por Siegel para Keaton em novembro de 1934, para mostrar o tipo de aventuras que ele gostaria de publicar nas tiras.
Quanto ao item 2, relativo às histórias de Superman publicadas em Action Comics entre 1º de março de 1938 e 22 de setembro de 1938, o juiz não aceitou os argumentos (exceto no que se refere à Action Comics # 1).
Para ele, embora Siegel tenha mencionado em textos de 1934 e 1935 várias ideias que acabaram sendo utilizadas nas histórias de Superman das revistas mencionadas no parágrafo acima, o argumento carecia de provas mais concretas.
As ideias de Siegel careciam de detalhes, e apenas como ideias (e não como expressão das mesmas) não podem servir como base para a reversão dos diretos.
Na prática, o juiz reconhece a presença das ideias, mas acha que o desenvolvimento delas foi decorrência de trabalho contratado, posterior à cessão dos direitos, em março de 1938.
E embora o contrato de trabalho só tenha assinado em setembro de 1938, a natureza da relação já estava evidentemente estabelecida, com Superman definido como uma série regular na revista Action Comics, com diversas cartas documentando a interferência e preocupação editorial com as histórias e Siegel e Shuster recebendo pagamentos regulares pelo que produziam.
O terceiro item da lista, referente aos trabalhos publicados de setembro de 1938 até 16 de abril de 1943 (Action Comics # 7-61 e Superman # 1 a # 23) foi considerado como sendo trabalho contratado.
Além do contrato sobre os direitos do personagem, existe um segundo contrato assinado, para um período de trabalho de cinco anos, como será explicado abaixo.
Voltando à história, Siegel e Shuster continuavam interessados em publicar Superman como tiras de jornal, pois seria mais rentável. Isto ocorreu de maneira independente, entre março e abril de 1938, quando Siegel tentou vender a tira, mais uma vez, para vários jornais, incluindo o McClure Syndicate.
Em 13 de abril de 1938, um funcionário do McClure pediu que Siegel escrevesse o equivalente a duas semanas de tiras (12 tiras), elaborando a origem do personagem.
Siegel escreveu uma sinopse sobre a origem do personagem no planeta Krypton, explicou como o pai de Superman o colocou, ainda criança, numa espaçonave e o enviou a Terra momentos antes de seu planeta explodir. Ao chegar ao nosso planeta, o garoto foi salvo pelos Kent e cresceu se tornando o Superman.
Apesar disso, o Syndicate devolveu o material a Siegel e pediu que ele aguardasse. Tudo isso viria a ser de grande relevância para o processo atual.
Em 13 de junho de 1938, M.C. Gaines, na época trabalhando para o McClure, escreveu para Siegel dizendo que, como o autor já havia produzido o equivalente a duas semanas de tiras de Superman, devia enviar o material para que ele pudesse tomar uma decisão.
Enquanto esperava, Siegel comunicou os fatos à Detective Comics e tentou reaver os direitos para publicação em jornal. Não conseguiu.
A Detective Comics, como proprietária dos direitos, passou a negociar Superman com o McClure Syndicate, e incluiu os artistas no negócio. Como consequência desta situação, surgiram dois contratos distintos: um entre a Detective Comics e Jerry Siegel e Joe Shuster; e outro entre essas duas partes e o McClure Syndicate.
O contrato de negociação com o McClure Syndicate resultou na publicação de Superman em 230 jornais diários e dominicais. Do valor recebido, 40% foi para a empresa de Donenfeld, como estipulado em contrato. Em 1940, essa quantia foi de 100 mil dólares.
Só para efeito de comparação, naquele ano, uma revista em quadrinhos tinha em média 64 páginas e custava 10 centavos de dólar.
Usando o Índice de Preços ao Consumidor como unidade de referência para converter 100 mil dólares (valor de 1940) ao seu equivalente nos dias atuais (no site measuringworth.com) chega-se ao resultado de aproximado de 1.534.590,16 dólares. Outros índices geram resultados diferentes, ainda mais elevados. O contrato firmado em 22 de setembro de 1938 (mas que só chegou assinado na editora em 30 de setembro) entre Siegel, Shuster e a Detective Comics volta a afirmar, entre outras coisas, que a editora detém todos os direitos sobre o personagem, e caracteriza definitivamente a natureza da relação entre os autores e a editora como trabalho contratado.
Este contrato tinha duração de cinco anos e poderia ser expandido posteriormente para mais cinco.
Por outro lado, o acordo entre as três partes (artistas, editora e syndicate) fixava um período de cinco anos, durante o qual seriam publicadas tiras de jornal de Superman, produzidas por Siegel e Shuster desde que com a mesma qualidade das amostras.
O contrato explicitava os poderes editoriais dos distribuidores da tira e da editora, os deveres dos artistas, detalhes sobre o uso do copyright e o fato de que a Detective Comics pagaria aos artistas a sua parte percentual do acordo (na prática, eles passaram a receber royalties pelo trabalho, e não um valor fixo por tira).
Só para esclarecer, a Action Comics # 6 foi publicada em 26 de setembro de 1938. Daí a razão do item 2, de tentar estabelecer que as revistas produzidas entre 1º de março de 1938 e 22 de setembro de 1938 (as edições # 2 a # 6 de Action Comics) seriam resultado de um esforço anterior ao contrato.
As tiras começaram a ser publicadas no Milwaukee News Journal em 6 de janeiro de 1939. O período de Siegel nas tiras se encerra em 16 de abril de 1943.
O quarto item da decisão judicial se refere às tiras produzidas para o McClure Syndicate. Este é o mais complexo do ponto de vista legal.
Dentre as questões analisadas estão a relação de trabalho tanto dos autores com a Detective Comics, quanto com o Syndicate; o uso apropriado, inapropriado, errôneo (e até a omissão) da informação de direito autoral nas tiras publicadas; o pagamento dos autores sob a forma de royalties; as negociações de Siegel com os vários jornais antes da assinatura do contrato, quando os direitos já pertenciam à Detective Comics; o fato de nem esta empresa nem o McClure Syndicate fazerem objeções às negociações independentes de Siegel ou da produção de duas semanas de tiras; e outros.
O juiz Larson, para chegar às suas conclusões, foi obrigado a remeter e citar várias casos e disputas judiciais pertinentes, como Burne Hogarth (seus herdeiros) contra Edgar Rice Bourroughs Inc. (em 2003) e diversas passagens das conclusões da disputa acirrada entre a própria DC Comics e a Fawcett Comics, quanto às semelhanças entre o Superman e o Capitão Marvel, que resultou no fechamento da Fawcett (um dos principais aspectos legais dessa disputa envolveu justamente os erros da indicação de copyright nas tiras do McClure Syndicate, que abriram alguns precedentes legais).
No entanto, não é o propósito deste artigo desvencilhar este nó.
Assim, baseado nos eventos históricos (os fatos mais importantes foram detalhados acima), o juiz Larson concluiu que as tiras criadas por Siegel e Shuster, de maneira mais ou menos independente, em 1938, para mostrar aos diversos jornais não podem ser caracterizadas como trabalho contratado. Por isso, ele reverteu os direitos desse material.
Portanto, as duas primeiras semanas das tiras diárias do Superman são copropriedade dos herdeiros de Siegel e da DC Comics. O resto do material pertence (por enquanto) apenas à editora.
Parte da confusão divulgada pela mídia vem justamente deste material. Foi nas tiras que o nome do planeta do Superman, Krypton, foi revelado. Também foi nelas que apareceu pela primeira vez o nome kryptoniano de Clark Kent, Kal-El, foram mostradas algumas das circunstâncias da destruição de Krypton.
É interessante notar - apenas a título de curiosidade - que o juiz também menciona em sua decisão um roteiro de agosto de 1940, escrito por Siegel, que não foi utilizado na época e ficou desaparecido por muitos anos e só foi redescoberto em 1988.
Segundo Mark Waid, o enredo continha um elemento chamado de metal K (uma pré-kryptonita) que enfraquecia o Superman. Nessa história, Clark Kent revela a sua identidade secreta a Lois Lane e ambos decidem se tornar parceiros e confidentes. Também foi nessas páginas que Superman descobriu suas origens kryptonianas.
Quando o material foi redescoberto, a DC procurou, sem sucesso, uma autorização de Siegel para usar o roteiro e transformá-lo numa HQ.
As questões referentes à mecânica da contabilidade do uso do material, pelo qual a DC agora divide os direitos com os herdeiros de Siegel; como dividir o uso dos lucros referentes ao uso misto do copyright e das marcas registras relativas ao Superman; entre outras, ficaram para uma decisão posterior.
Aqui vale lembrar que Joe Shuster não teve filhos, mas tinha uma irmã, e é o filho dela, Mark Peary (nomeado como executor do patrimônio do desenhista), que entrou com um pedido de término de Transferência da outra metade dos direitos do Superman.
Como Peary não fez o pedido dentro do prazo estipulado, seu julgamento, similar ao dos Siegel, entra em vigor em 26 de outubro de 2013, já que, por lei, a mesma oportunidade garantida aos Siegel volta a ocorrer 75 anos após a data de publicação, ou seja em 2013.
Portanto, dependendo do resultado do julgamento que começará em 2013, a DC Comics pode ficar numa posição ainda mais precária quanto ao Homem de Aço, embora a editora continue detentora da marca registrada (trademark) do Superman.
Além disso, ainda é preciso resolver de uma vez por todas a questão do Superboy.
Outro item de interesse foi a decisão favorável à Warner Bros. quanto à divisão de lucros referente ao filme Superman - O Retorno, que pode ser lida aqui.
Sérgio Codespoti garante que vai passar o próximo mês longe do Superman, depois de ler mais de 190 páginas de documentos legais e de consultar referências relativas aos quase 80 anos de história do personagem.