Dark Horse: da glória para um futuro incerto
Editora já foi uma das principais dos Estados Unidos, mas perde terreno e tem grande desafio pela frente.
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Nos últimos anos, a Dark Horse Comics – que já foi a terceira maior editora do mercado norte-americano – ficou atrás de concorrentes como Image, IDW e Dynamite. Além disso, perdeu licenciamentos importantes como Star Wars (aqui) e Conan (aqui), cujos títulos voltaram para a Marvel Comics.
Com a notícia da compra da Fox pela Disney, é provável ainda que as séries Aliens, Prometheus e Predador – e talvez até Avatar, que foi distribuído pela 20th Century Fox – também possam mudar de casa editorial.
As origens
A Dark Horse foi criada por Mike Richardson em 1986. Uma das propostas da editora era oferecer um ambiente de publicação mais favorável aos autores.
Seus títulos iniciais foram a antologia Dark Horse Presents, em preto e branco; e Boris the Bear, de Richardson e James Dean Smith, que era uma sátira de revistas como Tartarugas Ninja e Radioactive Blackbelt Hamsters, dentre outras.
Dark Horse Presents é uma das séries mais duradouras da editora. Foi publicada de 1986 a 2000, quando aconteceu o primeiro cancelamento. Teve outras encarnações em 2007 (uma versão digital que existia apenas na plataforma MySpace), 2011 e 2014, nesta última vez sofrendo uma reformulação para ser relançada.
Os dois primeiros destaques foram Concreto, de Paul Chadwick; e Black Cross, de Chris Warner. No título, também foram publicadas histórias de Hellboy, Aliens, Predador, Robocop e outras, além e ser onde Sin City, de Frank Miller, e Next Men, de John Byrne, fizeram suas estreias.
Um dos aspectos mais importantes do sucesso inicial, e que sempre foi parte importante da estratégia editorial da Dark Horse, foi o licenciamento de séries de cinema de ficção científica de grande sucesso, como Aliens, Predador e Exterminador do Futuro (Terminator).
A minissérie Aliens, uma sequência do filme de mesmo nome, do escritor Mark Verheiden e ilustrada por Mark A. Nelson, causou furor entre os leitores com seu requintado trabalho de retícula – naquela época, a maioria das publicações da editora era lançada em preto e branco – e ajudou a colocar a Dark Horse no “mapa”.
E foi na edição Aliens versus Predador, de 1990, que os dois alienígenas se encontram pela primeira vez, muito antes disso se tornar realidade no cinema. A ideia foi resultado de conversas entre o editor Chris Warner, o escritor Randy Stradley e o desenhista Phill Norwood.
Quando a Marvel cancelou a revista Star Wars, a Dark Horse logo abocanhou o filão e se tornou parte importante do chamado Universo Expandido da saga, lançando dezenas de títulos entre 1991 e 2014.
A mesma estratégia foi repetida com Conan, o bárbaro de Robert E. Howard, a partir do ano 2000.
Outras séries licenciadas eram Indiana Jones, Robocop, Angel, Buffy – A caça-vampiros, Xena, James Bond, Godzilla, Avatar, Tarzan, American Gods e até adaptações de videogames, como Tomb Raider e Halo.
Embora ainda possua diversas franquias importantes, atualmente a Dark Horse enfrenta forte competição de editoras como IDW e Dynamite Entertainment nessa área.
Outra tentativa de lançar materiais diferentes foi com a antologia Cheval Noir (Cavalo Negro, traduzido do francês), uma revista que republicava quadrinhos europeus de autores como Jacques Tardi, François Schuiten, Philippe Druillet, Andreas Martens e Olivier Vatine, dentre outros. Também trazia algumas HQs inglesas e norte-americanas. As capas eram assinadas por nomes como Geof Darrow, Mike Mignola, Dave Stevens e Moebius.
A ascensão
Em 1994, foi criado o selo autoral Legends (que, em 1999, mudou de nome para Maverick), para abrigar os projetos autorais de Arthur Adams, Frank Miller, John Byrne, Mike Mignola, Paul Chadwick, Dave Gibbons, Geof Darrow e, posteriormente, Mike Allred e Walter Simonson.
Além de Sin City e 300, Miller lançou obras como Hard Boiled e Big Guy & Rusty – O menino-robô, ambas em parceria com Geof Darrow, e Give Me Liberty, com Dave Gibbons.
Mignola criou o que atualmente é chamado de Mignolaverse, e inclui os títulos Hellboy, Abe Sapien, Lobster Johnson, B.P.R.D. e outros. Esse é o maior sucesso comercial dos projetos autorais do selo e se tornou um dos carros-chefes da editora.
Hellboy foi adaptado para o cinema duas vezes e o terceiro filme está em produção. Também ganhou desenhos animados lançados em DVD.
Arthur Adams publicou a série Monkey Man and O'Brien, material que não vingou. Muitas desses materiais pararam de ser publicados ou até mudaram de editora, com foi o caso de Next Men. De todos os projetos autorais daquela época, apenas as HQs do Mignolaverse continuam saindo regularmente.
Com os anos, a importância da Dark Horse como uma editora de apoio para projetos autorais foi sobrepujada lentamente pela Image Comics, que hoje domina essa posição com uma lista invejável de títulos, com alguns dos mais interessantes criadores de quadrinhos dos Estados Unidos.
Em 1990, a Dark Horse lançou um microuniverso de aventuras, o Comics Greatest World. As histórias ocorriam em quatro cidades: Arcadia, Golden City, Steel Harbor e Cinnibar Flats, com as tramas dos títulos se interligando.
As revistas mais memoráveis eram Ghost, inicialmente ilustrada por Adam Hughes; Barb Wire, que foi adaptada para o cinema com a playmate Pamela Anderson no papel principal; e X, uma criação de Chris Warner, cujos roteiros eram de Steven Grant.
Quando a Eclipse Comics fechou as portas, a Dark Horse rapidamente pegou alguns de seus títulos de mangá, como Appleseed, Orion e Ghost in the Shell, de Masamune Shirow; Lobo Solitário, Samurai Executor e Path of the Assassin, de Kazuo Koike e Goseki Kojima. A editora conseguiu isso antes que a Viz Comics – esta especializada em mangás – o fizesse.
Hoje, a Dark Horse também encontra competição da editora japonesa Kodansha, que passou a publicar alguns mangás diretamente nos Estados Unidos.
Outros mangás relevantes lançados pela Dark Horse foram: Legends of Mother Sarah, escrito por Katsuhiro Otomo (de Akira) e ilustrado por Takumi Nagayasu; Domu – A Child's Dream, de Otomo; Gunsmith Cats, de Kenichi Sonoda; e Dirty Pair, de Haruka Takachiho e Yoshikazu Yasuhiko. A série Akira, de Otomo, lançada nos Estados Unidos pelo selo Epic Comics, da Marvel, foi relançada pela editora.
A estratégia de resgatar séries de editoras defuntas ou em dificuldades não é uma novidade. A Dark Horse fez isso com títulos como Nexus, de Steve Rude, e Grendel, de Matt Wagner.
Outras séries que podem ser destacadas publicadas pela editora do “cavalo negro” são The American, de Mark Verheiden; Usagi Yojimbo, de Stan Sakai; Groo, de Sergio Aragonés; American Splendor, de Harvey Pekar; Red Rocket 7, de Michael Allred; Spy Boy, de Peter David e Pop Mhan; Umbrella Academy, escrita por Gerard Way e ilustrada pelo brasileiro Gabriel Bá; Zombieworld, de Mignola e Pat McEown; e Criminal Macabre, de Steve Niles;
Outras mídias
Em 1992, a editora criou uma empresa para lidar com outras mídias, a Dark Horse Entertainment, que foi a responsável pela produção de filmes como:
Dr. Giggles – Especialista em Óbitos (1992);
O Máskara, (1994), estrelado por Jim Carrey e Cameron Diaz, que ganhou ainda a continuação O Filho do Máskara (2005), com Jamie Kennedy, Alan Cumming, Kal Penn e Bob Hoskins no elenco;
Timecop – O Guardião do Tempo (1994), com Jean-Claude Van Damme e Mia Sara. Gerou um seriado de televisão da rede ABC com apenas uma temporada, em 1997, e uma continuação lançada em DVD, em 2003: Timecop 2 – O Guardião do Tempo, com Jason Scott Lee;
Tank Girl (1995), estrelado por Lori Petty, Ice-T, Naomi Watts e Malcolm McDowell;
Barb Wire (1996), com Pamela Anderson Lee e Temeura Morrison;
Heróis Muito Loucos (1999), inspirado livremente na HQ Flaming Carrot Comics, cujo elenco incluía Ben Stiller, Hank Azaria, Claire Forlani, Janeane Garofalo, Eddie Izzard, Greg Kinnear, William H. Macy, Kel Mitchell, Lena Olin, Paul Reubens, Geoffrey Rush, Wes Studi e Tom Waits;
Vírus (1999), uma ficção científica estrelada por Jamie Lee Curtis, William Baldwin, Donald Sutherland e Joanna Pacuła;
G-Men from Hell (2000), baseado no quadrinho Grafik Muzik, de Michael Allred, com William Forsythe e Tate Donovan no elenco;
Anti-herói Americano (2003), com Paul Giamatti, Daniel Tay, Donal Logue, Hope Davis, Molly Shannon e com participação de Harvey Pekar, o autor da graphic novel;
Alien vs. Predador (2004), dirigido por Paul Anderson, cujo elenco incluiu Sanaa Lathan e Lance Henriksen. Teve uma continuação, Alien vs. Predador 2, em 2007;
Hellboy (2004), dirigido por Guillermo Del Toro e com elenco formado por Ron Perlman, Selma Blair, Jeffrey Tambor, Karel Roden, Rupert Evans e John Hurt. Del Toro também dirigiu a continuação, Hellboy II – O Exército Dourado, de 2008. Um novo filme está sendo produzido, Hellboy – Rise of the Blood Queen, com David Harbour e Milla Jovovich nos papéis principais. O lançamento será em 2019;
Sin City – A cidade do pecado (2005). O clássico de Frank Miller ganhou uma produção estilizada nos moldes dos quadrinhos, dirigida por Miller e Robert Rodriguez, com Jessica Alba, Benício del Toro, Brittany Murphy, Clive Owen, Mickey Rourke, Bruce Willis e Elijah Wood. A continuação, Sin City 2 – A dama fatal, foi lançada em 2014, com Alba, Rourke, Josh Brolin, Joseph Gordon-Levitt, Rosário Dawson, Eva Green, Powers Boothe, Dennis Haysbert, Ray Liotta, Jaime King, Christopher Lloyd, Jamie Chung, Jeremy Piven, Christopher Meloni e Juno Temple;
300 (2007), dirigido por Zack Snyder, com Gerard Butler, Lena Headey e Rodrigo Santoro no elenco. A continuação, 300 – A ascensão do Império, lançada em 2014, incluía Sullivan Stapleton e Eva Green;
R.I.P.D. – Agentes do além (2013), com Jeff Bridges, Ryan Reynolds, Kevin Bacon e Mary-Louise Parker.
Todos esses projetos foram baseados em quadrinhos lançados pela Dark Horse (lembrando que Tank Girl é originalmente uma HQ inglesa que saía na revista Deadline, e foi republicada nos Estados Unidos).
Além disso, também foram lançadas – em DVD ou como séries de televisão – as animações The Amazing Screw-On Head, Hellboy – Sword of Storm, Hellboy – Blood and Iron, Duckman, The Mask, Fat Dog Mendoza e Big Guy and Rusty the Boy Robot.
Para completar, a Syfy exibiu, a partir de 2015, três temporadas de Dark Matter, seriado baseado no quadrinho de mesmo nome de Joseph Mallozzi e Paul Mullie.
Essa produção de cinema e TV é enorme para uma editora do porte da Dark Horse.
O futuro
Em 2017, a Dark Horse fez uma parceria com Karen Berger, a lendária editora da linha Vertigo, da DC Comics, e lançou o selo Berger Books com títulos como Hungry Ghosts, Incognegro, Mata Hari, Os Originais (de Dave Gibbons) e The Seeds (de Ann Nocenti e David Aja).
Essa é uma boa aposta para o futuro, mas que ainda está longe de trazer resultados sólidos.
Também tem conseguido uma boa aceitação com Black Hammer, série de Jeff Lemire. Mas o fato é que, hoje, a Dark Horse costuma variar entre a quinta e sexta posição no mercado, lançando poucos títulos por mês. Foram apenas 22 revistas publicadas em dezembro de 2017. A editora se vê distante de Marvel, DC e Image, e é frequentemente pressionada por IDW, Dynamite e até a Boom!
As perdas de materiais de forte apelo, como Star Wars, em 2015, e Conan, a partir de 2019, foram duros golpes e colocam a editora em uma posição delicada. Será ela capaz de se reerguer?
Apesar de bons autores, alguns clássicos e iniciativas interessantes, os dias mais gloriosos dessa importante editora podem, infelizmente, ter ficado no passado.
Sérgio Codespoti é fã de Black Cross, Hellboy, X, Domu e outras HQs quase esquecidas. O texto acima teve colaboração de Samir Naliato.