De 1964 a 2003: a trajetória do Demolidor, o Homem sem Medo
A revista Daredevil surgiu em 1964, publicada pela Marvel Comics, fruto do trabalho de criação de Stan Lee (roteiros) e Bill Everett (arte).
O Demolidor (nome que o personagem recebeu no Brasil) nunca teve a mesma popularidade de outras revistas da editora, como, por exemplo, Amazing Spider-Man ou Fantastic Four. Era um herói cego, (o segundo das HQs, afinal, o Dr. Meia-Noite, da DC Comics, foi o primeiro), que vestia um uniforme amarelo e vermelho.
Um fato curioso, e pouco conhecido, é que o personagem possui o mesmo nome de um super-herói da década de 1940. Criado por Jack Binder e Jack Cole, o Daredevil daquela época usava uma roupa azul e vermelha, um bumerangue e combatia o crime na revista Silver Streak Comics, da editora Lev Gleason Publications.
O Daredevil da Marvel passou pelas mãos de diversos artistas habilidosos, a começar por Bill Everett (criador de Namor, o Príncipe Submarino). Joe Orlando, Wally Wood, Gene Colan, John Romita, Gil Kane e Jim Starlin foram alguns dos artistas que trabalharam no título.
Neste período, o Demolidor encontrou personagens clássicos, como Namor (Daredevil # 7), Ka-zar (# 12), Homem-Aranha (# 16), Thor (# 30), Capitão América (# 43), Pantera Negra (# 52), Viúva Negra (# 81), Gavião Arqueiro (# 99), Capitão Marvel (# 107), Homem-Coisa (# 114) e Motoqueiro Fantasma (# 138)
Entre os vilões desta época, o Homem sem Medo enfrentou: Electro, Coruja, Homem-Púrpura, Touro, Metalóide, Planejador e Ani-Homens, Gladiador, Cobra, Mr. Hyde, Besouro, Ardiloso, Dr. Destino, Zodíaco, Escorpião, Angar, Serpente da Lua, Nekra e Mandrill, Samurai de Prata, Circo do Crime, Hydra e Mercenário (Daredevil # 131).
No número # 7, além de enfrentar Namor, o personagem mudou de uniforme, passando do vermelho e amarelo de sua origem, para o traje vermelho clássico, no traço maravilhoso de Wally Wood, responsável por esta modificação.
É difícil de acreditar, mas o Demolidor tem até mesmo uma história com Uri Geller, aquele que fulano entortava colheres, lembra? Isso aconteceu em Daredevil # 133 (veja na coluna de capas, a esquerda).
Mas a revista tinha problemas de vendas. Tornou-se bimestral mais de uma vez (a segunda foi no número # 148); chegou a incluir a participação constante da Viúva Negra, como co-estrela; e esteve à beira do cancelamento em várias oportunidades.
Surge Frank Miller
Em maio de 1979, o título estava prestes a ser cancelado, quando estreou, no número # 158, um jovem artista chamado Frank Miller. Era o início de uma grande mudança.
Frank Miller mudaria para sempre, não só a historia do personagem, mas a dos quadrinhos americanos. A revolução do artista no personagem não foi apenas gráfica. Ele mudou a narrativa, a maneira de se usar a diagramação e transformou o Demolidor num drama urbano de tons sombrios.
No número # 168, Miller assume, além da arte, os roteiros; e introduz Elektra. Começava a saga que marcaria toda uma geração de leitores, e que influenciaria diversos artistas.
O autor trouxe vilões clássicos do passado do Demolidor, como o Metalóide e o Gladiador, mas suas principais reformulações acontecem com o Mercenário (Bullseye) e o Rei do Crime (the Kingpin), que era um vilão das revistas do Aranha. Ele tornou os dois muito mais interessantes e cativantes e, junto com Elektra, partes intrínsecas da mitologia do herói cego.
Durante esta primeira fase de Miller, o Demolidor enfrentou o Mercenário, o Hulk e o Rei do Crime; conheceu Elektra, sua maior paixão; teve sua origem modificada, com a introdução de Stick e dos ninjas do tentáculo; e enfrentou o Tentáculo e Kirigi, além de Luke Cage e Punho de Ferro.
Ben Urich, o repórter, descobriu a identidade secreta do Demolidor e o protegeu, destruindo a matéria. Ele permaneceria como um personagem secundário essencial no trabalho de Miller, e voltaria a ter papel importante na série Queda de Murdock.
No número # 171 (onde o Demolidor enfrenta o Rei do Crime), as vendas já haviam aumentado de tal maneira, que o título voltou a ser mensal.
Em Daredevil # 181, os leitores ficam tão chocados, quanto o Homem sem Medo, com a morte de Elektra. Miller, impiedoso, matou a popular personagem, criando um marco dos anos 80, e estabelecendo para sempre o Mercenário como o maior vilão das histórias do Demolidor.
Elektra voltaria numa minissérie quase surreal escrita por Miller e desenhada por Bill Sienkiewicz, Elektra: Assassina e ainda na graphic novel Elektra Vive.
Com a saída do autor, na edição # 191, o título perdeu em qualidade artística, já que Klaus Janson não consegue mantê-la; e passou e ter roteiros cada vez mais fracos. Nem mesmo um período escrito por Denny O'Neal, famoso roteirista do Batman, conseguiu gerar o mesmo interesse das histórias assinadas por Miller.
Nos números # 195 a 200, O'Neil introduziu uma história que teve uma importância pequena na vida do Demolidor, mas que é uma curiosidade na cronologia de Wolverine.
Nela, Wolverine e o Demolidor não conseguem impedir que um grupo de japoneses leve o Mercenário ao Japão, para dar a ele um esqueleto revestido de Adamantium. O Homem sem Medo viaja ao Japão e, com a ajuda de Yuriko, enfrenta os capangas de Lorde Dark Wind (pai de Yuriko).
No final, Yuriko mata o próprio pai, o Mercenário escapa do Japão e acaba derrotado pelo Demolidor em solo americano. Posteriormente, a moça se transformaria na grande inimiga de Wolverine, Lady Letal (ganhou até uma participação importante no filme X-Men 2).
Após este período fraco, outro nome que teria muita importância na vida do Demolidor assumiu a arte da revista (# 208): David Mazzucchelli. Desenhando os roteiros de O'Neil, ele conferiu um pouco mais de fôlego à revista, até o número # 226, co-escrito por O'Neil e Frank Miller.
Na Queda de Murdock, a ascensão do Demolidor
Em Daredevil # 227 começava outro clássico: A Queda de Murdock (Born Again). Nesta ótima saga, escrita por Miller e desenhada por Mazzuchelli (que juntos ainda fariam Batman: Ano Um), Karen Page, personagem antiga da revista e ex-namorada de Matt Murdock, revela a identidade secreta do herói, que chega ao conhecimento do Rei do Crime, desencadeando uma série de eventos que acabaram com a vida do advogado cego.
A Queda de Murdock se estende dos números # 227 a # 233, e é leitura obrigatória para quem gosta do personagem. No Brasil, chegou a ser publicada com censura pela Editora Abril (as cenas com uso de drogas foram alteradas), na revista Super-Aventuras Marvel.
Mais uma vez, após a saída de Miller (e de Mazzuchelli), a qualidade do título despencou. Neste período, o título contou com a participação de diversos escritores e artistas, entre eles Ann Nocenti, Barry Windsor-Smith, Rick Leonardi, entre outros.
No número # 250, John Romita Jr. assumiu a arte da revista, e iniciou uma fase que durou anos, mantendo o personagem num bom patamar de vendas.
São desta fase os personagens Bullet, Bushwacker, Mary Tifóide e os encontros com Mefisto (num visual muito diferente do tradicional "diabão" do Universo Marvel).
Após a saída de Romita (# 282), Lee Weeks assumiu a arte, mas, apesar de não ser ruim, nem mesmo a volta do Tentáculo empolgou muito os fãs. Ann Nocenti deu lugar a Dan Chichester, que escreveu a saga regular Last Rites, com participação de Nick Fury, S.H.I.E.L.D, Hydra e Rei do Crime.
Foi uma espécie de Queda de Murdock ao contrário, mostrando a derrocada do Rei do Crime, que culminou na edição # 300 do Homem sem Medo.
Começou, então, um dos períodos de maior mediocridade do personagem, que incluiu a volta de Elektra (uma quebra do acordo verbal entre Miller e a Marvel) e uma mudança de uniforme (# 321).
Este retorno da ninja gerou participações dela em outros títulos (como Wolverine, por exemplo), uma minissérie (Elektra: Roots of Evil) e até uma revista mensal.
Quanto ao Demolidor, a revista continuou com histórias fracas (destaque para as participações de J. M. DeMatteis nos roteiros e a arte de Gene Colan e do artista argentino de Ariel Olivetti, entre outros) até ser cancelada, em outubro de 1998, no número # 380, uma edição "melhorzinha" (com aparições do Rei do Crime, Mercenário e do Tentáculo), escrita por Chichester e desenhada por Lee Weeks.
O personagem teve ainda importantes publicações especiais e minisséries, como: Demolidor: Amor e Guerra, de 1986 (graphic novel de Frank Miller e Bill Sienkiewicz); Elektra: Assassina, de 1985 (minissérie de Frank Miller e Bill Sienkiewicz); Elektra Vive, de 1990 (Frank Miller e Lynn Varley); Demolidor: O Homem sem Medo, de 1994 (de Frank Miller e John Romita Jr.); e a minissérie Daredevil Yellow, de 2001 (de Jeph Loeb e Tim Sale), que já foi publicada por estas bandas, pela Panini.
A revista mensal Daredevil voltou a ser publicada já no mês seguinte ao seu cancelamento, reformulada e com uma nova equipe criativa: Kevin Smith, Joe Quesada e Jimmy Palmiotti. Houve um grande evento de marketing, com várias capas alternativas e especiais que introduziram a saga Guardian Devil, que durou do # 1 ao # 8.
Apesar da qualidade, a revista sofreu diversos atrasos de publicação. Na edição # 9, David Mack, artista famoso por suas aquarelas, assumiu as capas. Destaque para a personagem Echo.
Mack também escreveu alguns roteiros até a chegada de Brian Bendis, no # 16. Esta mistura de bons roteiristas e artistas restaurou a credibilidade e o interesse no título. Outro desenhista que se destacou foi Alex Maleev.
Daredevil, Volume 2 está hoje no número # 41 (março de 2003), e o personagem foi adaptado para o cinema com resultados tão bons na bilheteria, que já se sabe que farão uma continuação, e Elektra estrelará seu próprio longa-metragem.
A história do herói no Brasil
No Brasil, o personagem foi publicado pela primeira vez pela Ebal, que lançou 32 números; pela GEA (Grupo de Editores Associados), onde o herói era chamado de Defensor Destemido; pela Bloch, na revista Demolidor; RGE, em Super Almanaque Marvel; pela Abril, em diversas revistas, com destaque para a fase do Miller em Superaventuras Marvel.
A Abril também lançou a minissérie Demolidor: O Homem sem Medo, que deverá ser republicada pela Devir. Atualmente, o personagem é publicado pela Panini Comics, na revista Hulk & Demolidor e Elektra, em suas aventuras solo, em Justiceiro & Elektra.
Também saíram por aqui, pela Abril, as minisséries Elektra Saga (em formatinho) e Elektra: Assassina, e as graphic novels Demolidor e Elektra Vive.
Para quem leu o Demolidor de Frank Miller, fica saudade de um tempo onde os quadrinhos eram muito mais interessantes e divertidos.
Sérgio Codespoti é fã do Demolidor, mas hoje se assemelha bastante a Foggy Nelson. Não, ele não é advogado! A semelhança se restringe aos quilinhos a mais...
Agradecimentos especiais: Antonio Alves Rodrigues e Gilberto Santos