Monstro do Pântano, de Alan Moore: 25 anos de Brasil
A história da irregular e demorada, mas praticamente completa, publicação do personagem pela Editora Abril
Há pouco mais de 25 anos chegava às bancas de todo o País a revista Os Novos Titãs # 4, da Editora Abril. Na capa, Robin (Dick Grayson) e Moça-Maravilha (Donna Troy) enfrentam um assecla do Irmão Sangue, sob o gélido olhar do próprio vilão.
De maneira discreta, pouco abaixo do título, aparece escrita a seguinte frase: "E a volta do Monstro do Pântano." Era o início da publicação do personagem na fase escrita por Alan Moore.
Criado por Len Wein e Bernie Wrightson em 1971, na revista House of Secrets # 92, o Monstro do Pântano é, na verdade, Alec Holland, um cientista que tem seu corpo transformado após um acidente com produtos químicos.
O personagem chegou a ter uma boa sequência de histórias em seu início, mas com a eventual saída de seus criadores e um errático rodízio de equipes criativas irregulares, teve seu primeiro título, Swamp Thing, cancelado no número 24, em 1976.
Graças ao relativo sucesso de uma adaptação cinematográfica dirigida por Wes Craven em 1982, o Monstro do Pântano voltou neste mesmo ano a ter uma nova revista. The Saga of the Swamp Thing estreou com roteiros de Martin Pasko e desenhos de Tom Yeats.
Sem grande êxito e muito distante do clima de terror de seus primeiros anos, o início do ano de 1984 dava os indícios de que a revista estava na descendente que antecede o cancelamento. Foi nesse período que um jovem britânico chamado Alan Moore foi convidado a entrar no pântano que o consagraria nos Estados Unidos.
A primeira história escrita por Moore foi Loose Ends (Pontas soltas), que saiu no número 20 da revista. Nela, o autor mata o Monstro do Pântano, dando fim à fraca trama que vinha sendo apresentada. Assim, deixa o cenário pronto para um necessário recomeço.
Importante citar que, por não ser relevante para a trama que estava por vir, a história ficou inédita no Brasil até recentemente, quando foi publicada pela Pixel no encadernado A Saga do Monstro do Pântano, em 2007.
A segunda edição roteirizada por Alan Moore é a que tomou de assalto os leitores brasileiros que foram às bancas de jornal naquele julho de 1986, e a que traz a antológica Lição de anatomia (The Anatomy Lesson).
Diferente de tudo que era publicado dentro do gênero de super-heróis, a HQ tinha arte e diagramação impressionantes, assinadas pela dupla Steve Bissette e John Totleben. Além de contar com um texto que resgatava o melhor de um thriller de horror clássico, repaginado para o clima quente e úmido da Louisiana.
O Monstro do Pântano descobre que nunca foi Alec Holland, mas que apenas julgava sê-lo. Logo, ele não passa de uma planta que acreditava ser um homem. O que se segue a partir dessa revelação só pode ser descrito como uma das melhores sagas das histórias em quadrinhos.
Nos três números seguintes de Os Novos Titãs (agosto a outubro de 1986), foram publicadas as três partes que completam este primeiro arco, em que o Monstro enfrenta Jason Woodrue, o Homem-Florônico.
Somente em fevereiro de 1987 o personagem retornaria às bancas brasileiras, permanecendo até abril. Publicado especificamente em Superamigos # 22, # 23 e # 24, este arco mostra Jason Blood e seu alter ego demoníaco Etrigan dando as caras na cidade de Baton Rouge, cenário da maior parte das histórias do Monstro.
Paralelamente, o leitor começa a perceber que o relacionamento entre Alec Holland e Abby Cable pode ser algo mais do que simples amizade (ele deixa a moça continuar a chamá-lo de Alec para facilitar a relação entre ambos).
Ainda em março de 1987, foi publicada Super-Homem # 33, que traz a história em que o Homem de Aço encontra, e é salvo, pelo Monstro do Pântano. O crossover foi publicado originalmente em DC Comics Presents # 85.
Em agosto veio a publicação de Super Powers # 6, apenas com histórias do Monstro do Pântano. Numa tragédia em três atos, Anton Arcano volta do inferno em busca de vingança e, antes de ser derrotado, mata Abby. Na 31ª edição da revista norte-americana, que fecha esta revista, o título é reduzido e passa a ser apenas Swamp Thing.
No mês seguinte, foi lançada a revista Batman # 1, que, além de Ano Um, de Frank Miller e David Mazzucchelli, também trazia em suas páginas uma aventura do Monstro do Pântano.
Neste capítulo, ele realiza o enterro dos ossos de Alec Holland, com a ideia de que assim ambos poderiam encontrar a paz que procuravam. Vale especificar que a edição original aqui publicada (Saga of the Swamp Thing # 28) é imediatamente anterior ao confronto com Anton Arcano.
Após quatro meses, em janeiro de 1988, finalmente chegou às bancas a esperada continuação de Super Powers # 6, Teu corpo entre os mortos, publicada em Superamigos # 33. Com participações do Desafiador, Vingador Fantasma, Espectro e Etrigan fazendo as vezes de Virgílio, de A Divina Comédia, a aventura mostra a jornada do Monstro do Pântano até o Inferno, em busca da alma de sua amada.
Em Superamigos # 34 saiu a inesquecível Ritual de Primavera (Rite of Spring). Abby declara seus sentimentos pelo Monstro em um dos mais belos contos de amor dos quadrinhos.
Já Superamigos # 35 apresentou uma trama em duas partes que saiu sem nome na edição brasileira. The Nukeface Papers: Part 1 e 2 tem como pano de fundo os riscos da energia nuclear e, principalmente, do lixo tóxico resultante de sua produção. Ao final dela, o Monstro do Pântano aparentemente morre novamente.
Como a data de publicação original dessas histórias nos Estados Unidos é de abril e maio de 1985 (Swamp Thing # 35 e # 36), elas não deixam de ter uma triste e macabra conexão com o desastre nuclear que ocorreria na cidade de Chernobyl cerca de um ano depois, em 26 de abril de 1986.
Na versão lançada no Brasil, em março de 1988, aparecem referências a Chernobyl em jornais que permeiam a trama. Uma atualização cruel e necessária dos editores da época ao adaptarem a história.
Então, o que parecia uma trajetória irregular, mas contínua, de publicação do Monstro do Pântano no Brasil, encontrou uma parada brusca de quase dois anos.
No ano de 1989, o povo brasileiro viu um presidente ser eleito pelo voto direto
após décadas de ditadura e de eleições indiretas, mas nenhum leitor conseguiu
ver a criatura verde dos pântanos da Louisiana nas bancas de jornal.
Somente no ano seguinte o personagem voltou a ser publicado no Brasil. E foi em grande estilo, com título próprio e status de superstar do meio ambiente.
Em janeiro de 1990, foi lançada a revista mensal Monstro do Pântano, pela mesma Abril. E finalmente o nome dos funcionários da editora pôde sair das "bocas dos sapos" de toda uma geração de leitores.
Nos primeiros nove números do título se desenrola a saga Gótico americano, em que o Monstro do Pântano peregrina pelos Estados Unidos, encarando alguns pesadelos de sua vida pregressa e constatando que a maldade pode se esconder e repentinamente revelar-se sob as mais variadas formas. Assim, nenhum lugar no mundo era verdadeiramente seguro.
Tudo parte de um estranho treinamento elaborado por John Constantine, que visa preparar Alec para enfrentar um mal ancestral que se avizinha como uma ameaça para todo o planeta.
Necessário dizer que Constantine, que viria a ser um dos personagens mais carismáticos criados pela DC Comics nas últimas décadas, surgiu tão somente como um desejo dos artistas Steven Bissette e John Totleben de desenhar um personagem com a fisionomia similar à de Sting, vocalista e baixista do grupo The Police.
Coube a Alan Moore, então, criar um conceito por detrás do personagem e uma trama que o sustentasse como parte vital desta.
Ainda durante Gótico americano, em Monstro do Pântano # 6 foi publicada uma edição que havia sido pulada no Brasil, Swamp Thing # 33. Ela traz a importante revelação de que Alec Holland não foi o primeiro a sofrer um acidente que resultou em sua morte em chamas e em sua consequente transformação em um elemental da Terra.
Algo a se informar aqui é que essa revelação é pertinente no ponto em que a trama estava naquela ocasião (# 33). Afinal de contas, nesta mesma edição brasileira está a história O parlamento das árvores (# 47), que escancara o que havia sido apenas sugerido anteriormente.
A partir do número # 9, a revista que era no tradicional formatinho da Abril, começou a ser publicada em formato americano. A fantástica arte do título agora ganhava um acabamento mais de acordo com a sua habitual sofisticação.
Por sinal, a primeira capa neste novo formato é linda e aterrorizante, com um Monstro do Pântano gigante mesclado à estrutura do Asilo Arkham, enquanto os internos e o próprio protagonista gritam (Swamp Thing # 52). Cortesia de Steve Bissette.
Em Monstro do Pântano # 10 rolaram o confronto com Batman e mais uma aparente morte do Monstro. Impedido de sincronizar sua mente com o verde da Terra, graças a uma arma criada por Lex Luthor, ele lança sua consciência para fora do planeta, na esperança de que sobreviva.
A edição seguinte trouxe o funeral do Monstro do Pântano, e mostrou como Abby lidou com a perda do amado. Já no número # 12, somente John Constantine dá as caras, com a estreia de seu título próprio, Hellblazer.
De Monstro do Pântano # 13 até o final do título, no número # 19, o leitor acompanhou Alec em uma turnê espacial em que ele encontra Adam Strange, Metron, thanagarianos e um planeta povoado por vegetação inteligente. Ele chega inclusive a sofrer algo que só pode ser descrito como estupro metafísico, na história Loving the Alien (Swamp Thing # 60), que é conceitualmente inspirada na música homônima do cantor inglês David Bowie.
Na derradeira edição da revista brasileira, de número 19, a Abril encartou uma pequena folha impressa que comunicava que, com a volta do Monstro do Pântano ao nosso planeta, terminava uma parte de sua saga, e que o título seria interrompido temporariamente. No entanto, ele nunca mais voltou a ser publicado pela editora.
Todo o material escrito por Alan Moore à frente do Monstro do Pântano foi publicado pela Abril durante um período de cinco anos, de julho de 1986 a julho de 1991.
Isso inclui as edições especiais Swamp Thing Annual # 2, DC Comics Presents # 85 e o título mensal até o número # 64. As exceções ficam por conta de Saga of the Swamp Thing # 20 (citada anteriormente no texto) e Swamp Thing # 32, uma história sem ligação com as demais, que traz uma homenagem ao personagem Pogo, de Walt Kelly.
Esta edição # 32 sairia no Brasil anos mais tarde, dentro de uma coleção de encadernados da Brainstore, que pretendia publicar novamente toda a fase de Moore. Infelizmente, a editora parou o projeto no terceiro volume, em Swamp Thing # 42.
Outra curiosidade é que, apesar de serem creditados à fase Moore, os roteiros de Swamp Thing # 59 e # 62 são assinados por Steve Bissette e Rick Veitch, respectivamente. Veitch, por sinal, foi o escritor que assumiu o título a partir do número # 65.
Apesar de ter sido feita de maneira dispersa e por vezes confusa de se acompanhar, é preciso reconhecer a importância da publicação desse material por parte da Abril.
A passagem de Alan Moore pelo Monstro do Pântano tem até hoje uma vivacidade que impressiona. Algo que passa pela temática ousada, pela inventividade constante e até pelo rompimento com o Comics Code Authority, por parte da DC Comics.
Espera-se que, após 20 anos da conclusão de sua primeira publicação no Brasil, alguma editora se disponha a publicar novamente esse clássico dos quadrinhos.
Ricardo Malta, para escrever esta matéria, mergulhou no pântano de sua coleção, para achar todas as revistas mencionadas.