A propaganda não está no gibi
Você
certamente conhece algum publicitário que curta HQs, certo? Em agências
é bastante comum encontrá-los. Afinal, a linguagem da arte seqüencial
é perfeita para dar vazão à criatividade em muitos ramos da propaganda
- que o digam os storyboards de tantas e tantas peças e filmes.
Então, vem a pergunta: por que diabos não se vê anúncios pagos nos títulos
de quadrinhos?
Em 1998, escrevi um artigo sobre isto para o extinto site Area-51. Quase seis anos depois, o refiz para a revista Wizard, pois o quadro havia se agravado. E agora, como a situação piorou ainda mais, atualizei os números e decidi retomar o tema.
Folheando dez revistas nacionais de editoras diferentes (seis da Panini,
uma da Mythos, uma da Conrad, uma da JBC e uma da
Pixel), voltadas para o público infanto-juvenil e adulto, de 1184
páginas (contando segunda, terceira e quarta capas), apenas 18 (1,52%)
eram de espaço publicitário, e delas, somente 7 (0,59%) de anunciantes,
que representaram alguma receita para a empresa - ou podem ser meras permutas.
As restantes eram mídias internas, ou seja, "da casa".
É assustador! Ainda mais porque, em 2004, quando retomei esse assunto na Wizard, os números eram: 750 páginas de revistas, com 33 (4,41%) de espaço publicitário, sendo 11 (1,47%) de anunciantes. E já era pouco na época!
Para estabelecer uma comparação, fiz o mesmo com uma revista americana de 36 páginas. De 13 (36,2%) anúncios, 10 (27,8%) eram pagos e "vendiam" os mais variados produtos: lançamentos em DVDs e cinema, bonecos, refrigerantes etc. Ou seja, uma bela receita extra para a editora.
Certamente alguém mais afoito pode protestar porque prefere sua revista "limpa", com reprodução das capas no miolo, páginas de extras, seções de cartas, artigos etc. Como fã, também acho isso muito legal, mas... vale lembrar que com a venda de algumas páginas publicitárias, o preço de capa poderia até ser reduzido.
No entanto, há uma diferença básica entre os mercados brasileiro e americano: os anunciantes. Nos Estados Unidos, os quadrinhos são encarados como um veículo potencial de divulgação no lançamento de filmes e produtos destinados ao público jovem. Enquanto isso, no Brasil, poucos trabalham bem esse aspecto - a exceção são os gibis da Turma da Mônica, voltados para o público infantil.
O leitor nacional reclama das mídias nas revistas, porque elas não se destinam a ele. As pessoas que vendem anúncios para revistas em quadrinhos no Brasil ignoram uma premissa básica da publicidade: a definição do público-alvo! Um exemplo rápido: no começo dos anos 1990, quando eu trabalhava como redator na Editora Globo, estávamos com um número de Sandman pronto para ir par a gráfica, esperando apenas uma mídia paga que viria do departamento de publicidade. Eis que surge a danada: um anúncio do "óculos do Chapolim"!
A sorte é que vimos isso antes e conseguimos demover a área responsável pela "brilhante" associação de produtos. Só que, para tapar o buraco na revista, o jeito foi bolar uma mídia interna às pressas.
Esse episódio apenas ilustra algo que o Eduardo Nasi levantou em sua última coluna Cada um no seu quadrinho: no Brasil, ninguém sabe ao certo qual a faixa etária de quem lê super-heróis, Vertigo, mangá ou fumetti! Seria preciso fazer uma pesquisa de mercado séria para se ter um resultado confiável. Mas isso custa muito dinheiro.
E como não há nenhuma editora disposta a investir nisso - o que é triste -, a saída, talvez, seja uma venda "por aproximação". Afinal, não é preciso ser um expert para deduzir que o leitor de HQs costuma gostar também de seriados, cinema e jogos ligados aos temas aventura, ficção, suspense, mistério, terror etc.
Mesmo assim, raramente se vê em gibis brasileiros anúncios de companhias de cinema e locadoras de DVDs; nem sobre os inúmeros títulos relacionados a quadrinhos. Será que é difícil supor, por exemplo, que os leitores da revista Batman seriam potenciais compradores dos DVDs dos dois últimos filmes e das tantas séries animadas que a Warner lançou no nosso mercado?
A mesma lógica vale para os canais de TV a cabo, que vivem reprisando desenhos animados de personagens como X-Men, Dragon Ball Z, Homem-Aranha, Cavaleiros do Zodíaco, Hulk, Batman, Super-Homem, Liga da Justiça e outros. E na falta de verba, até a boa e velha permuta (troca de espaços) ajudaria a valorizar os dois produtos. Vale lembrar que, nas poucas vezes em que revistas em quadrinhos foram anunciadas na televisão, os resultados nas bancas foram ótimos.
Do lado dos quadrinhos, a reclamação é que a maioria das pessoas que vende essas mídias não lê quadrinhos. Portanto, não conhece o produto, nem seu público que, só pelo preço das revistas, já se mostra altamente consumidor.
Os publicitários têm como defesa as baixas tiragens das revistas em quadrinhos
nesse nicho, o que exporia os produtos, se comparados, por exemplo, à
televisão, a um público bem menor. Não há como negar. Mas será que com
um pouco de criatividade e boa vontade não se conseguiria achar anunciantes
interessados nesses leitores?
Os americanos cansaram de provar que quadrinhos são ótimas vitrines, só que precisam ser bem vendidos. No Brasil, só pra constar, há revistas das áreas de games, moda, cultura e outros setores que praticamente "se pagam" só com os anúncios. O que vem do preço de capa é lucro.
O desejo de toda editora de HQs é que, um dia, isso também aconteça em suas revistas, para não dependerem única e exclusivamente das vendas em bancas. Para isso, porém, elas precisam se mexer, sair do marasmo, buscar alternativas. Aí, quem sabe, a propaganda vai estar no gibi.
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Sidney Gusman é da época em que o Instituto Universal Brasileiro era o maior anunciante dos gibis publicados por aqui.