Atenção! Cuidado! Spoiler!
Faz uma semana que saiu, na Folha Online, a chamada "Pai do Super-Homem
morre de ataque cardíaco". Assim, direto, com direito a uma imagem do
super-herói ao lado, e link para a notícia de que o roteirista Geoff Johns
matara o velho Jonathan Kent em Action Comics # 870, que tinha
chegado às gibiterias norte-americanas naquela manhã.
A reação imediata de alguns leitores de quadrinhos foi de indignação.
Afinal, o jornal virtual tinha divulgado um tremendo spoiler. Pior:
no seco, sem nenhum aviso, sem dó, sem consideração pelos milhares de
fãs que acompanham as aventuras do herói no Brasil nem pelo hiato de um
ano que separa as revistas daqui dos originais norte-americanos.
Logo a seguir, deu para ver o tamanho da confusão. A notícia não estava
só na Folha Online. Graças a uma nota de agência de notícias Associated
Press, havia se espalhado pelos maiores sites do mundo. Pois é: parece
mesmo um absurdo.
Na mesma tarde, recebi um e-mail do Sérgio Codespoti, editor do Universo
HQ. Ele tentava traçar um paralelo com o cinema e chegou a criar títulos
fictícios de matérias sobre filmes para tentar provar que anunciar a morte
de Mr. Kent era um erro por parte dos jornalistas. Eis o divertido conteúdo
da mensagem:
Maluco finge que sua mãe não morreu no novo filme do Hitchcock
Bruce Willis está morto em seu filme mais recente
Só Sigourney Weaver se salva em aventura de ficção
Coringa queima Harvey Dent e cria o Duas Caras em Batman - Cavaleiro das
Trevas
Schwarzenegger é o herói de Terminator 2
Concordo: ter uma surpresa dessas estragada é uma droga. Só eu sei o quanto
me contorci na poltrona do cinema quando, aos 20 minutos de O Sexto
Sentido, saquei que o Bruce Willis estava morto. O filme se tornou
imediatamente um porre - e assim foi até o final. Mas aí não dava pra
fazer nada: foram as várias pistas espalhadas pelo longa-metragem que
me levaram a deduzir o desfecho da trama.
Mas sempre me lembro de um episódio dos Simpsons em que, em um
flashback, Homer e Marge assistem a O Império contra-ataca no
cinema. Ao sair, passando pela fila que estava esperando pela sessão seguinte,
ele comenta em voz alta com a esposa:
- Nossa! Quem diria que Darth Vader é o pai de Luke Skywalker?
A vaia que Homer tomou tem um motivo: há uma regra social tácita de que
as pessoas não querem saber o final de um filme a que não assistiram ainda.
Como todo mundo sabe disso, quem quebra a regra merece, no mínimo, tomar
umas pipocas na cabeça. Por isso, é muito raro ver um crítico de cinema
esmiuçar o final de um filme em sua resenha - e, se tiver que fazer isso,
provavelmente o texto trará, antes da revelação, um alerta.
Quando a gente vê que essa regra vale para os filmes, logo imagina que
os quadrinhos estão protegidos pela mesma norma de conduta cultural.
Mas essa regra não é universal. Nem é preciso ir muito longe pra saber
disso: as revistas de celebridades brasileiras não têm pudor nenhum em
revelar spoilers de novelas. Não acompanho muito esse universo,
mas, pela capa da Tititi, descobri que Elias vai pegar Dedina na
cama com Damião e deixará o traidor paralítico.
No site da Tititi, vi que Sandro vai descobrir que é o pai de Eros
- e por acaso! Não sei quem são essas pessoas nem de que novela elas fazem
parte, mas sei que as pessoas compram essas revistas justamente para ler
spoilers. Pelo que sei, spoilers sobre o fim das novelas
são os mais valorizados.
Graças aos filhotes de Dias Gomes e Janete Clair, dá pra ver que essa
coisa de spoilers é bastante relativa. Depende do produto, do público-alvo,
do veículo, do contexto...
Aí você me diz que nós, leitores de quadrinhos, temos como norma sempre
usar alerta de spoilers, que somos um fandom zeloso pelo
futuro das nossas tramas e que qualquer cidadão atento deveria saber disso.
E respondo: perfeitamente. Só que nós esquecemos de combinar isso com
a DC, uma das fornecedoras-mor de HQs de seres encapados.
Basta voltar para meados de 1992. Foi quando a DC anunciou, com
meses de antecedência, que Superman ia morrer. Foi um estrondo: no dia
seguinte, os jornais do mundo inteiro davam páginas e páginas para a matéria
sobre a morte do super-herói mais famoso do mundo.
Mike Carlin, editor do herói, dava entrevistas aos montes e dizia que,
dessa vez, era pra valer: Superman ia morrer e seu retorno definitivamente
não estava previsto.
Balela, a gente sabe hoje. Mas a imprensa aprendeu ali, com a própria
DC, qual o tratamento deve ser dado à morte de um super-herói:
destaca-se com a maior antecedência possível de uma forma bastante retumbante.
Quando Superman morreu de fato, meses depois, quem comprou a revista queria
era ver a morte.
Logo a seguir, o mesmo se repetiu quando Bane partiu Batman ao meio. Um
pouco antes, aliás, a morte do segundo Robin, Jason Todd, tinha sido decidida
numa espécie de "Você decide" telefônico - que também teve bastante destaque
na imprensa mundial.
Com muitas ressurreições no currículo e sem pôr o Homem-Aranha à prova,
a Marvel não chegou a ter mortes tão badaladas. Mas há casos mais
recentes de HQs que ganharam spoilers via jornais: a edição especial
de 11 de Setembro, em que o Cabeça-de-Teia removia escombros do World
Trade Center ao lado de outros heróis. Mais recentemente, a morte
do Capitão América também teve grande repercussão.
É curioso notar que esse fenômeno de quadrinhos que produzem spoilers
na imprensa atinge basicamente os super-heróis. Um dos motivos, naturalmente,
está vinculado às características da própria narrativa do gênero: uma
longa trama cujo começo remonta à primeira metade do século passado e
cujo fim não se vê pela frente.
Ou seja: dá para levantar a hipótese de que o jornalista não considera
que está contando o fim da história - simplesmente porque é uma história
sem fim.
No caso de Jonathan Kent, há outra atenuante que vale a pena levantar:
o carisma que o personagem tem com o público em geral. Não é só por ser
o pai do Superman. Nos últimos anos, ele esteve muito em evidência porque,
nas HQs, ganhou sua mais longeva e cândida encarnação após a reformulação
de John Byrne. E também foi um personagem central na série Smallville.
Sua morte é notícia.
Fico com a impressão de que os fãs de Jonathan Kent ultrapassam em muito
o número pouco animador de leitores do gibi de seu filho. E, para mim,
é gostosa a sensação de que essa gente também merece prestar um tributo
a um personagem tão querido.
Preparando esse artigo, lembrei de uma antiga opinião do crítico de cinema
e quadrinhos Goida, meu velho amigo. Não sei se a reproduzo aqui com a
devida exatidão, mas tenho na lembrança ouvi-lo dizer que as pessoas exageram
muito nessa mania de se proteger do final dos filmes.
E o Goida tem razão: filme bom a gente revê com gosto, sabendo começo,
meio e fim. Às vezes, no dia seguinte mesmo. Só filme ruim estraga quando
a gente sabe o que acontece - e esses não têm solução mesmo!
Nos quadrinhos de super-heróis, é a mesma coisa. Li Promethea,
essa obra-prima de Alan Moore e J.H. Williams III, nas edições norte-americanas.
Cheguei até o final: uma edição magistral que se desdobra em um pôster
imenso. Sempre suspeito que essa revista corra o risco de ser a HQ definitiva.
E a lembrança desse final só dá mais vigor para minha releitura atual,
nas páginas da brasileira Pixel Magazine.
O mesmo acontece quando releio Watchmen. Mas nem precisamos ir
tão longe: reler os DC Especial com Gotham City contra o crime,
por exemplo, dá um prazer imenso.
Por mais que as atuais aventuras de Superman estejam longe de ser a pior
fase do personagem, a idéia do Goida é perturbadora: tirando as surpresas
dos spoilers, o que sobra para as HQs de super-heróis dos dias
de hoje?
A resposta eu não sou louco de dar. Que fique a cargo do leitor, no Blog
do Universo HQ.
Eduardo Nasi é fã de super-heróis desde que tinha uma vasta cabeleira e não perdia um capítulo de Saramandaia... ops!.