A DC Comics à deriva
É impossível discorrer sobre os eventos da DC Comics dos últimos meses sem entrar em alguns detalhes ainda inéditos no Brasil. O texto abaixo fala de HQs ainda não publicadas pela Panini e, por isso, pode estragar o prazer de sua leitura no futuro.
Apesar das afirmações constantes de Dan Didio, de que tudo está ocorrendo como planejado, a DC Comics parece estar completamente perdida, sem rumo.
Para acreditar nas afirmações de Didio, seria preciso assumir que o plano é muito ruim, e que ninguém da editora ainda percebeu isso.
Esta fase catastrófica começou após a Crise Infinita, em 2006. Empolgada com o êxito de 52, a editora achou que a fórmula "revista semanal com duração de um ano + mega-evento ligado à palavra crise" fosse funcionar sempre e tratou de repeti-lo num curto espaço de tempo.
Esse raciocínio resultou na série semanal Contagem Regressiva (Countdown, no original) e o evento Crise Final, de Grant Morrison.
No meio deste caminho (algo em torno de uns 18 meses) a editora aproveitou para criar diversos arcos em outras revistas (e minisséries) ligados em maior ou menor grau à Crise Final.
Contagem Regressiva pode ser definida com uma palavra: bagunça. A história, se é que podemos usar este termo, lembra a confusão após a explosão de uma granada. Quem fica em estado de choque é o leitor.
Os problemas partem da repetição de eventos e as contradições criadas para tentar ligar episódios desconexos - e muitas vezes sem propósito - entre si, para que o evento se movimente em direção da Crise Final. Na prática quando não patina e derrapa, mais atrapalha do que ajuda, criando momentos incongruentes e chatos.
A vontade de vender mais revistas criou um evento inchado, no qual os personagens morrem várias vezes em revistas diferentes. Os Novos Deuses, por exemplo, morreram na minissérie A Morte dos Novos Deuses e na Crise Final.
O Caçador de Marte é outro exemplo: morreu na minissérie Salvation Run (que poderia concorrer na categoria "minissérie sem nenhum propósito exceto roubar o leitor" de 2008), depois teve seu falecimento reprisado na Crise Final, e "bateu as botas" pela terceira vez no especial que serviu como homenagem fúnebre ao personagem.
Outra vítima desta síndrome foi o Batman, que teve uma morte suspeita em sua revista durante o arco Batman R.I.P., pulou para as páginas da Crise Final, fez aparições em outros títulos e acabou morrendo uma segunda vez, e de forma diferente, no último capítulo da série.
Aliás, a DC perdeu uma oportunidade de ouro de divulgar suas revistas. A imprensa norte-americana mostrou a primeira morte (a suspeita) de Bruce Wayne, em Batman R.I.P. e ignorou o clímax do Batman na Crise Final (uma cena mais bacana), ofuscado pela presença de Barack Obama na revista do Homem-Aranha. Afinal, é difícil noticiar a morte do mesmo personagem em dois meses, antes mesmo de ele ter "ressuscitado".
A confusão foi tamanha, que Didio e outros editores foram obrigados a explicar a cronologia dos eventos da morte do Batman - e nem assim é possível chegar a uma solução razoável. Com tamanha bagunça, nem com uma "bula editorial" é possível aceitar o resultado.
Ninguém precisa explicar história boa. Basta ler.
Mas embora o trabalho de Grant Morrison na Crise Final seja hermético e interligado a várias de suas obras anteriores, como Os Sete Soldados da Vitória, o problema do caos na DC não é culpa do escritor escocês.
Morrison parece ter sido vítima de alguns de seus excessos como escritor, dos editores e da campanha de marketing da DC, que transformou a Crise Final no Deus Ex Machina que solucionaria os problemas do Universo DC. E isso não aconteceu.
O leitor, mesmo aquele mais fanático, sairá da Crise Final com dúvidas a respeito não só do que aconteceu nos últimos meses - e de como a coisa fica daqui para frente - mas também querendo saber onde foi parar o seu dinheiro.
Existe aquela sensação de burocracia em ação, com a mão direita agindo sem saber o que esquerda está fazendo, enquanto a cabeça afirma que tudo está bem e de acordo com o plano.
O leitor poderá perguntar: "Mas a Marvel não faz a mesma coisa? São eventos seguidos de eventos, um maior do que o outro. Qual a diferença?".
Os eventos da Marvel também apresentam problemas. A trajetória recente do Homem-Aranha é um exemplo disso. A diferença é que gostem ou não das histórias, os leitores terminam os crossovers da "Cada das Ideias" sabendo o que aconteceu e como a situação ficou. A narrativa pode ser linear e simplória, mas há algum conforto na sensação de que podemos explicar o que ocorreu.
Nos atuais eventos da DC, é preciso ser um estudioso fanático, um mestre em enigmas e com dinheiro sobrando para tentar entender o que está acontecendo nas revistas.
Além disso, a Marvel parece estar mais em sintonia com o seu público. Afinal, quando se trata de revistas nas bancas (ou nas comic shops), a editora do Homem-Aranha está vendendo mais, tanto na quantidade de exemplares quanto em dólares, todos os meses.
É preciso dizer que quando a questão chega aos encadernados, nas livrarias, a DC ganha fácil da Marvel, vendendo clássicos como Watchmen, Cavaleiro das Trevas e V de Vingança.
Não se trata de afirmar que uma editora é melhor que a outra. É simplesment a constatação de que a Marvel parece ter um plano que a move do ponto A para o B, e independentemente dos méritos desta estratégia (e se o leitor gosta ou não) é fácil de entender o que a editora está fazendo e suas histórias.
A DC dos últimos meses parece possuir um plano que só faz sentido - se tanto - para seus editores. Os leitores saíram da Crise Final e já entraram numa nova crise: a de confiança.
Restaurar a confiança do leitor na editora já seria uma tarefa difícil em tempos normais, mas com a crise econômica, principalmente nos Estados Unidos, vai ser difícil convencer alguém de que vale a pena comprar o próximo evento cataclísmico que mudará definitivamente o universo. Principalmente porque, quando se trata de super-heróis, o "definitivo" dura poucos meses - um problema que existe tanto na Marvel, quanto na DC, diga-se.
Infelizmente, o leitor brasileiro já está sofrendo com a fase de atual desgoverno da DC Comics e o mercado aqui é bem menor para suportar as bobagens da pior de todas as crises da editora: a criativa.
Sérgio Codespoti espera que Dan Didio, se ainda estiver no comando da DC, ganhe uma bússola no Natal de 2009; quem sabe assim a editora encontra seu rumo..