Afinal, o que é uma história em quadrinhos?
Esta parece uma pergunta boba. Afinal, todo mundo sabe intuitivamente o que é uma história em quadrinhos – HQ, para os íntimos –, embora a conheçam por nomes variados ou, às vezes, até errados, como gibi, tirinha, cartum, “desenho animado” etc.
Se nem o “nome” possui um consenso, imagine a dificuldade de encontrar uma definição adequada para as HQs. Muita gente já tentou definir os quadrinhos com graus de sucesso variado.
As histórias em quadrinhos são complexas. É um sistema de linguagens – como escreveu Thierry Groensteen – que mistura a escrita com a imagem; que usa um suporte bidimensional pra criar a ilusão do tridimensional; que extrai som da imagem (balões de fala e onomatopeias); movimento e ritmo de uma arte estática (linhas cinéticas e sequencialidade); e o espaço para representar a passagem do tempo (“o espaço é para os quadrinhos o que o tempo é para o filme”, afirmou Scott McCloud).
Rudolf Arnheim, teorista de arte e cinema, pensando sobre o filme, escreveu em 1932: “(...) A imagem cinematográfica é plana, enquadrada, o que a aparenta às da pintura e da fotografia. Tal como estas imagens, possui uma ‘dupla realidade perceptiva’ e é percepcionada, em simultâneo como bidimensional e como tridimensional. Afirmou-se que, sem a percepção da realidade bidimensional – a superfície da imagem –, seria difícil e até impossível de apreender corretamente a ‘realidade’ tridimensional (a profundidade representada), e isto foi verificado experimentalmente em laboratório. No cinema, isto implica que a imagem dos filmes é apreendida, em simultâneo, como plana e como ‘profunda’, tendo uma das duas percepções, conforme os momentos, tendência para se destacar (…)”.
O mesmo vale para os quadrinhos.
Há quem diga que não existe HQ sem balões, embora existam HQs mudas. Outros afirmam que, para ser HQ, tem existir mais de um quadro, embora existam HQs com apenas um quadro. Embora a maior parte das HQs seja figurativa, existem as abstratas; também há HQs sem personagens; e HQs nas quais o balão é a única imagem.
Assim que se define algo como essencial ou específico aos quadrinhos, surge uma HQ para desmentir essa afirmação.
A minha definição começa com Groensteen, autor dos três volumes de O Sistema dos Quadrinhos, passa pela Dra. Ann Miller, teorista da Universidade de Leicester e uma das editoras do Journal of European Comic Art, e acrescenta um outro conceito, o do conjunto difuso: “Quadrinhos são um sistema de linguagens funcionando como um conjunto difuso, que produz significado de imagens em uma relação sequencial e que coexistem umas com as outras numa relação espacial, com ou sem texto”.
Na matemática, no conjunto difuso os elementos têm graus de pertinência. Ao contrário da teoria clássica dos conjuntos, na qual um elemento pertence ou não a um conjunto, a teoria de conjuntos difusos permite a avaliação gradual da associação de elementos em um conjunto. Essa teoria pode ser usada em uma larga escala de domínios em que a informação é incompleta ou imprecisa, o que se aplica perfeitamente à nebulosidade pertinente aos elementos que compõe (ou não) uma HQ.
Portanto, embora o texto e a imagem sejam elementos característicos de uma HQ, ela pode existir com apenas um deles, ou ambos, e surge da relação espacial de um ou mais elementos numa sequência.
Apesar disso, ainda é mais fácil responder a pergunta “O que é uma história em quadrinhos?” com exemplos: Calvin e Haroldo, Turma da Mônica, Asterix, Superman, Maus Dragon Ball e tantos outros.