Dave Gibbons: O outro pai de Watchmen
Numa entrevista exclusiva ao Universo HQ, o desenhista inglês Dave Gibbons faz uma panorâmica de sua vitoriosa carreira, fala do filme Watchmen e dá pistas sobre seus próximos trabalhos
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Não dá para falar de Watchmen sem citar dois nomes: o roteirista Alan Moore, o cérebro que engendrou uma das HQs mais brilhantes de todos os tempos, e Dave Gibbons, o desenhista que deu forma a essa obra fantástica.
O artista, cujo primeiro trabalho nos Estados Unidos foi em Lanterna Verde, da DC Comics começou a carreira desenhando quadrinhos de ficção científica, na 2000AD e em Dr. Who.
Com a chegada de seus trabalhos aos EUA, logo Gibbons se tornou um nome de primeira linha do mercado. Em outra parceria com Alan Moore, desenhou a história Superman - O homem que tinha tudo, considerada por milhares de fãs como a melhor do personagem em todos os tempos.
Alguns anos depois, se uniria a outra lenda dos roteiros de quadrinhos: Frank Miller. Com ele, Dave Gibbons criou Martha Washington, uma personagem emblemática que, infelizmente, foi pouco publicada por aqui.
E nem só aos seus belos desenhos se resume o talento de Gibbons. Dentre as obras que roteirizou, merecem destaque a minissérie Os Melhores do Mundo, com arte de Steve Rude; Batman vs. Predador, ilustrado por Adam Kubert; Superman - Kal, com traços de José Luis García-López; e Thunderbolt Jaxon, desenhado por John Higgins, mini em cinco partes lançada pela WildStorm em 2006, revitalizando um personagem criado em 1949, na Comet Comics.
Dos seus últimos trabalhos publicados no Brasil, os mais significativos foram: o álbum solo The Originals - Sangue nas ruas, pela Conrad, em 2005; a minissérie Guerra Rann / Thanagar (com arte do brasileiro Ivan Reis), em Contagem Regressiva para a Crise Infinita, da Panini, em 2006; histórias do Lanterna Verde, na revista Superman & Batman, da Panini, em 2007; e uma HQ de Hellblazer em Pixel Preview 2008, da Pixel.
No final de 2008, a Aleph lançou nas livrarias Os bastidores de Watchmen, escrito por Gibbons e que conta como foi o processo de produção da obra.
E agora Dave Gibbons, que completa 60 anos no dia 14 de abril, retorna ao mercado brasileiro com seu trabalho mais significativo, pois a Panini está lançando Watchmen - Edição Definitiva em duas versões: uma luxuosa, com capa dura e papel especial, e outra dividida em dois volumes em papel Pisa Brite e preço mais em conta.
Nesta entrevista exclusiva que concedeu ao Universo HQ, por e-mail, Dave Gibbons fala um pouco de sua carreira, da relação com Watchmen, de suas influências, dos próximos trabalhos e de por que, ao contrário de Alan Moore, não foi contra a adaptação de Watchmen para o cinema .
Universo HQ: O que o levou a trabalhar como desenhista de quadrinhos?
Dave Gibbons: Eu sempre adorei os quadrinhos, desde que aprendi a ler. Comecei a fazer minhas próprias histórias quando tinha sete ou oito anos de idade, e continuo fazendo isso desde então.
UHQ: Quais as principais diferenças entre os super-heróis inglesese os norte-americanos?
Gibbons: Nós realmente não temos super-heróis ingleses, isso é uma coisa peculiarmente norte-americana. Os tipos de heróis exagerados que temos na Inglaterra tendem mais para o estranho e o sobrenatural do que o científico e o que faz sucesso com o público. Os nossos heróis de fantasia são um pouco mais sombrios.
UHQ: Você prefere escrever ou desenhar histórias?
Gibbons: Na verdade, gosto das duas coisas igualmente. Já desenhei tanto que a escrita é algo muito novo para mim, mas descobri que sempre que escrevo bastante, morro de vontade de voltar a desenhar. E sempre que desenho muito, tenho vontade de escrever.
Ou seja, eu realmente gosto de colaborações. É bem difícil escrever e desenhar meu próprio trabalho, prefiro colaborar com um escritor ou um artista.
UHQ: Atualmente, você lê quadrinhos? Quais?
Gibbons: Eu costumo ler o trabalho dos meus amigos - qualquer coisa escrita por Alan Moore, Frank Miller, Mike Mignola, Kevin O'Neill… Costumo acompanhar esses materiais. Também leio revistas independentes e graphic novels. Acho que tenho um gosto bem mainstream.
UHQ: Quais são as suas principais influências artísticas?
Gibbons: É difícil fazer uma lista porque você acaba esquecendo alguém crucial... Jack Kirby, Steve Ditko, Will Eisner, Wally Wood, Will Elder, Harvey Kurtzman, todos esses norte-americanos. Já na Inglaterra temos Frank Bellamy, Frank Hampson, Ron Embleton... A lista é longa! Dentre os artistas europeus, Moebius, Enki Bilal, Hugo Pratt, Jesus Blasco... Eu poderia continuar dando nomes durante horas, mas estes são alguns dos
que me influenciaram.
UHQ: No começo de sua carreira, você trabalhou muito com quadrinhos de ficção científica, na 2000AD e em Dr. Who. Como foi esse período?
Gibbons: A 2000AD surgiu numa época ideal. Havia toda uma geração de pessoas como eu que cresceram lendo as histórias em quadrinhos feitas nos Estados Unidos e que realmente queria desenhar quadrinhos - e a 2000AD foi onde conseguimos nos congregar. Nomes como Brian Bolland, Kevin O'Neill, Mike McMahon; ela foi como um clube para nós todos.
Eu nunca fui um grande fã do Dr. Who, mas havia uma boa chance de trabalhar com Pat Mills e John Wagner, que são dois dos meus escritores favoritos e as histórias eram realmente interessantes de se desenhar, porque, além do personagem central, era possível fazer cenários de ficção científica e ideias diferentes a cada semana. Assim, a variedade era bem bacana.
UHQ: Qual o impacto que Watchmen teve na sua carreira? Quais os pontos positivos e negativos de ter seu nome nos créditos da obra que é considerada por muitos a melhor graphic novel de super-heróis de todos os tempos?
Gibbons: Obviamente, Watchmen teve um impacto muito benéfico e positivo na minha carreira. Como grande fã de quadrinhos, poder trabalhar em algo que teve esse impacto e que assumiu esta posição dentro do mercado é uma honra enorme e algo de que muito me orgulho. Realmente, os efeitos são todos positivos, não consigo pensar na parte negativa. Talvez uma identificação maciça com esta obra, quero dizer, eu fiz outros trabalhos! Mas, de verdade, estou muito feliz de estar associado a Watchmen - não me fez nenhum mal!
UHQ: O que o senhor achou da adaptação de Watchmen para o cinema?
Gibbons: Eu acho que Watchmen não tinha que ser adaptado para o cinema. Watchmen é uma história em quadrinhos e foi desta maneira que desejamos expressar nossas ideias e é uma obra completamente válida por si só.
O filme é uma outra coisa. Não o vejo como parte da evolução de Watchmen, é algo separado. Acho que Watchmen tem uma história muito forte, que Alan inventou e que, na minha opinião, funciona bem como filme. Creio que muitos fãs dos quadrinhos vão adorar ver a obra transposta para outra mídia, e tomara que muitos dos espectadores tradicionais também se sintam atraídos para ler a graphic novel.
UHQ: Como o senhor vê a aversão de Alan Moore pelas adaptações para o cinema das obras escritas por ele? O fato de você não ter sido contra a adaptação de Watchmen mudou algo na relação com Alan?
Gibbons: Alan teve uma experiência ruim com Hollywood. As adaptações que fizeram de seus trabalhos não o agradaram em nada, e ele também teve interações bem desagradáveis com as pessoas envolvidas Por isso, decidiu - antes que Watchmen tivesse ganhado luz verde para prosseguir como um filme - que não queria seu nome nas adaptações e nem mesmo o dinheiro vindo delas. E entendo isso perfeitamente.
Alan é um homem de princípios e os segue até o fim; e admiro muito isso. Mas não toma uma atitude moral de superioridade - não é porque ele seja contra que eu também tenho que ser.
Sinto que não estamos exatamente na mesma sintonia, mas ainda somos amigos e ele compreende a minha posição da mesma forma que entendo a dele. Tive uma experiência muito boa com o filme Watchmen e não tenho nenhum problema em demonstrar isso.
UHQ: Você também tem restrições sobre a adaptação de quadrinhos para o cinema? Até que ponto o filme deve ser fiel às revistas?
Gibbons: Acho que a coisa mais importante é que o filme seja bom. Não existe razão para que algo exista apenas para interpretar os quadrinhos de maneira rígida para outra mídia. Se você olhar para Watchmen Motion Comics, que é mais ou menos uma animação quadro por quadro e diálogo por diálogo da HQ, aquilo tem cinco horas e meia de duração. Como série em episódios funciona bem, mas como um único longa-metragem seria longo demais.
Assim, invariavelmente é necessário fazer mudanças - algumas coisas precisariam ser cortadas, outras acrescentadas e umas mescladas; mas desde que seja fiel à intenção dos quadrinhos. E, certamente, o filme Watchmen é assim. Então, estou bastante feliz.
UHQ: Em Watchmen, você teve que trabalhar com versões dos personagens da Charlton Comics. Na época, já conhecia os heróis nos quais foram inspirados os protagonistas Dr. Manhattan, Comediante, Coruja, Rorschach, Ozymandias e Silk Spectre (respectivamente, Capitão Átomo, Pacificador, Besouro Azul, Questão, Thunderbolt e Sombra da Noite)?
Gibbons: A DC Comics comprou os personagens da Charlton, e queriam que Alan fizesse um projeto com eles. Alan acabou criando o que eventualmente se tornou Watchmen. A DC, então, decidiu que, como os heróis morriam ou ficavam comprometidos de alguma forma, não os usaria daquela maneira. Por isso, pediu que criássemos personagens completamente novos.
Obviamente, eles tinham alguma relação com os heróis da Charlton, mas fomos capazes de criar personagens que eram arquétipos de vários heróis mascarados e ajustá-los para a história que queríamos contar.
UHQ: Como foi escrever Os Bastidores de Watchmen e revisitar a obra mais de 20 anos depois de sua criação? Foi fácil localizar todo o material de referência exibido no livro?
Gibbons: Não foi difícil escrever Os Bastidores de Watchmen (Watching the Watchmen, no original). Gostei muito de fazê-lo, pois me diverti pegando os velhos esboços e anotações, revisitando tudo aquilo e lembrando de tantas experiências criativas maravilhosas que eu e Alan tivemos quando fizemos a história.
É fácil perder coisas no meu estúdio, mas há muito tempo eu guardei todo o material de Watchmen num lugar só. Então, estava tudo bem à mão.
UHQ: Você escreveu e desenhou The Originals. Qual foi a motivação para fazer essa obra? Chegou a ver a edição brasileira do material?
Gibbons: Por muito tempo, eu quis escrever e desenhar algo que fosse completamente meu - e não queria fazer mais uma história de ficção ou de super-heróis. Então, fiz algo que é, na verdade, bastante autobiográfico e tem um grande significado e muita ressonância emocional e importância para mim. Queria fazer a história com estilo, e por isso optei pelo acabamento em preto e branco.
Na verdade, não vi a edição brasileira - só a italiana e a versão francesa, mas é maravilho saber que o livro está sendo visto e apreciado em outros lugares do mundo. Sei que os brasileiros são grandes fãs de quadrinhos e aprecio muito o seu apoio.
UHQ: Você gosta de outros gêneros de quadrinhos? O que acha dos mangás?
Gibbons: Gosto de uma grande variedade de quadrinhos. Cresci lendo revistas de super-heróis, mas também de guerra, ficção científica, aventura e até mesmo humor, como a revista Mad, que eu adorava.
Quanto aos mangás, é um pouco difícil digeri-los. Não creio que seja dirigido a mim, mas acho bem estimulante; e o fato de que parece ter um forte apelo junto ao público feminino, tanto quanto o masculino é uma coisa muito boa. Acho que meu mangá preferido é Akira, que provavelmente é o material mais próximo da maneira americana ou europeia de se contar histórias.
Mas acho maravilhoso obter informações desta cultura diferente com convenções gráficas diversas. Eu gosto de mangá, embora não entenda muito bem o gênero.
UHQ: Quais seus próximos trabalhos como desenhista e como escritor?
Gibbons: Estou escrevendo algumas coisas para a DC - fiz uma edição recente de Hellblazer, e estou trabalhando numa outra série para a editora, num formato bem novo para eles, do qual ainda não posso falar muito.
No final do ano, espero desenhar uma série com os direitos de propriedade dos autores, em colaboração com um escritor de quadrinhos muito famoso e bem-sucedido, com o qual nunca trabalhei antes - mais uma vez, não posso dar mais detalhes a respeito.
O que posso dizer de efetivo é que Frank Miller e eu finalmente reunimos todo o material de Martha Washington que fizemos ao longo dos anos e que será publicado no dia 4 de julho, pela Dark Horse Comics. Vai ser uma edição tamanho gigante, com mais de 600 páginas, chamada The Life and Times of Martha Washington in the Twenty First Century.
Enfim, esses são meus novos projetos.
Obrigado pela entrevista e espero que as respostas tenham sido úteis. Um abraço para todos os leitores do Brasil.