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Entrevistas

Jeff Smith: Bone e a longa jornada épica do “faça você mesmo”

10 junho 2015

Em entrevista exclusiva, realizada em parceria entre o Jornal da Paraíba e o Universo HQ, O quadrinhista norte-americano conversa sobre sua criação máxima, o processo de colorização da obra, suas influências e o cenário atual dos quadrinhos nos Estados Unidos

 

No começo dos anos 1990, o título Bone instigou e fomentou o mercado de autopublicação norte-americano numa época em que a toda poderosa indústria dos super-heróis inflava cada vez mais a bolha especulativa com suas sagas caça-níqueis e as coleções de graphic novels – termo criado por Will Eisner (1917-2005) no final dos anos 1970 para “elevar” o status das HQs – estavam crescendo nas prateleiras.

Criação do então desconhecido Jeff Smith, um jovem do Meio-Oeste dos Estados Unidos, experiente no campo dos desenhos animados, a longa aventura em preto e branco dos primos Fone Bone, Phoney Bone e Smiley Bone começou em 1991 e terminou em 2004, com 55 edições, dois especiais e mais de 1.300 páginas envolvendo humor, aventura épica e fantasia.

A notoriedade alcançada pelo autor no meio indie resultou no reconhecimento traduzido em dezenas de prêmios, dentre eles dez Eisner Awards e 11 Harvey Awards, extrapolando também as fronteiras mercadológicas – tão raras para os independentes –, superando a marca de mais de um milhão de cópias em 15 idiomas ao redor do globo.

Um desses idiomas é o bom e velho português: no Brasil, a Via Lettera começou a publicar álbuns (com uma média de 80 páginas por edição) em dezembro de 1998, lançando até 2010, com uma periodicidade irregular, um total de 14 volumes da série e um spin-offEstúpidas, Estúpidas Caudas-de-Ratazanas (arte de Smith com roteiros de Tom Sniegoski e Stan Sakai, criador de Usagi Yojimbo).

Em 2006, houve o episódio em que a Devir chegou a imprimir o primeiro tomo em cores (que tinha começado a sair nos Estados Unidos no ano anterior), mas foi impedida de lançar em virtude da renovação de contrato pela Via Lettera.

Jeff Smith e sua esposa, Vijaya Iyer

Jeff Smith e sua esposa, Vijaya Iyer

Não obstante, a jornada de Bone não foi terminada por aqui, mais de uma década após o seu fim, e os leitores brasileiros ficaram “órfãos” por quase cinco anos.

Recentemente, a HQM recomeçou a trilha da obra de Smith com o lançamento de Bone – Fora de Boneville, primeiro volume de nove (mais os especiais Estúpidas, Estúpidas Caudas-de-Ratazanas e o inédito Rose, ilustrado por Charles Vess), agora com as páginas coloridas por Steve Hamaker, profissional que já tinha usado sua paleta nas últimas capas da série em preto e branco.

Nessa edição, após serem expulsos da sua cidade natal Boneville por causa do manipulador e ganancioso Phoney Bone, os três primos acabam sendo separados num vasto e inexplorado deserto.

O ranzinza Phoney, o não tão inteligente e ingênuo Smiley e o esperto Fone encontram seus próprios caminhos dentro de um profundo vale na floresta cheia de perigos.

Além das simpáticas criaturinhas brancas, a série apresenta personagens como a jovem vivaz Thorn, criada pela durona fazendeira Vovó Ben, as vilãs (e estúpidas) Ratazanas e um misterioso Dragão Vermelho, dentre outros.

Em 2009, o quadrinhista ganhou um documentário intitulado The Cartoonist: Jeff Smith, Bone and the changing face of comics, dirigido por Ken Mills com depoimentos de nomes como Harvey Pekar (de American Splendor), Paul Pope (Bom de Briga, 100%), Terry Moore (Estranhos no Paraíso) e o renomado pesquisador Scott McCloud (Desvendando os Quadrinhos), dentre outros.

Cartum: Jeff Smith e sua criação, Bone.

Cartum: Jeff Smith e sua criação, Bone.

Além de Bone, o leitor no Brasil poderá conferir do autor o livro infantil O Ratinho Se Veste (Cia. das Letras, 2010) e o encadernado Shazam & A Sociedade dos Monstros (Panini, 2014), este último também com as cores de Steve Hamaker.

Em parceria com o Jornal da Paraíba, o leitor confere agora, no Universo HQ, uma breve e exclusiva entrevista com Jeff Smith, na qual o autor fala sobre o processo de colorização da sua criação máxima, relembra as dificuldades da produção, pontua suas inspirações, comenta o quadro atual dos quadrinhos norte-americanos e diz o que sabe das HQs no Brasil.

(Com agradecimentos especiais ao atual editor de Bone no Brasil, Artur Tavares, e à jornalista Mariana Fernandes).

Universo HQ: Pela primeira vez Bone chega ao Brasil na sua versão colorida. Você poderia falar da gênese preto e branco da sua obra e como foi o processo de colorização junto com Steve Hamaker?

Jeff Smith: Bone ganhou vida como uma revista em quadrinhos em preto e branco. Era uma publicação de 24 páginas grampeadas e saiu a cada dois meses por um período de 13 anos. Cada edição era um novo capítulo, no qual viria a ser eventualmente uma grande saga com começo, meio e fim.

Naquela época, não existia mercado para graphic novels – apesar de já existirem algumas – e a ideia de fazer uma historia de forma longa era um pouco radical. Era em preto e branco porque era o início do movimento indie/alternativo dos quadrinhos, que tinha crescido para fora do underground. Muitas das indies eram autopublicações e simplesmente não tinham grana para bancar páginas coloridas. O que era bom para mim, pois curto quadrinhos em preto e branco.

Mais tarde, quando Bone estava completa, tivemos a chance de trabalhar com uma grande editora (a Scholastic, responsável pela publicação de franquias literárias como Harry Potter e Jogos Vorazes) para lançar a série para um público muito maior de leitores. E decidimos que a cor cairia bem. Steve Hamaker, que naquela época trabalhava na Cartoon Books (selo criado pelo autor e sua esposa e empresária, Vilaya Lyer), se “voluntariou” para dar uma colorida nas páginas no Photoshop. Ele e eu trabalhamos rigorosamente juntos. Demorou cinco anos, mas acho que Steve fez um trabalho realmente bom.

Bone – Fora de BonevillePágina de Bone – Fora de Boneville

UHQ: É verdade que Bone partiu do seu desejo de ver uma história do Tio Patinhas na mesma espessura de Odisseia ou de Guerra e Paz? Obras como As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain, Moby Dick, de Herman Melville, e O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien, também foram suas inspirações, não?

Smith: É verdade! Eu sou fã dos quadrinhos tradicionais, como Pato Donald, Tio Patinhas ou Asterix. Ao mesmo tempo, amo histórias épicas com consequências reais para os personagens. Quando era criança, queria ler uma história dessa maneira, mas como não existia, tive que fazer a minha própria.

UHQ: Como era seu dia a dia quando ficava debruçado na prancheta produzindo a saga dos primos Fone Bone, Phoney Bone e Smiley Bone?

Smith: Era um cotidiano muito ocupado, mas sempre recompensador. Digo, tinha dias que era muito difícil… Prazos brutais, problemas com os distribuidores, uma agenda pesada de viagens na estrada para promover os álbuns... Mas, toda vez que sentava na minha prancheta, era um prazer. O mundo poderia ir embora e a terra do vale florescia ao meu redor. Desenhar Bone era uma experiência quase zen. Foram os melhores anos da minha vida

UHQ: Observando agora, depois de finalizada, você mudaria ou acrescentaria algo em Bone? Acontecia isso durante o processo de criação da série?

Smith Não mais. No início da década de 1990, quando comecei a recolher os capítulos numa série de graphic novels em preto e branco, mudei um monte de coisas. Às vezes, podia ter um desenho que odiava ou uma linha de diálogo que era preciso apimentar um pouco mais. Seja o que fosse, tinha vontade de mudá-los para as reimpressões.

Ocasionalmente, adicionava sequências inteiras para suavizar um ponto áspero da história. Às vezes, era uma repetição sem fim. Isso aconteceu por anos! Quando nos juntamos para fazer as edições coloridas, tinha feito todas as mudanças que eu queria... Bem, talvez nem todas, mas Bone está finalmente terminada.

Bone colorido

Bone colorido

UHQ: As Ratazanas são personagens marcantes na saga de Bone. Como foi criar as personalidades dessas antagonistas?

Smith: Acho que a ideia original das Ratazanas era representar a mentalidade da máfia. Elas não eram muito espertas por conta própria, mas, em grande número, poderiam ser bem perigosas. Mesmo assim, vilões sem personalidade são chatos, então as duas estúpidas e insignificantes Ratazanas surgiram.

UHQ: Segundo o documentário The Cartoonist, você foi convencido a enveredar pelas HQs por causa de trabalhos como Maus, de Art Spiegelman, Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, e O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller. Até que ponto essas obras “mais sérias” o incentivaram para fazer seus quadrinhos?

Smith: Fico feliz por você colocar a expressão “mais sérias” entre aspas porque – mesmo que Bone tenha humor – a ideia de qualquer história de super-herói sendo mais “séria” que Bone é ridícula para mim. Eu me inspirei por aqueles álbuns porque seus criadores são tremendamente talentosos, assim como o fato de que todos os três tinham a estrutura literária com começo, meio e fim. Mais importante ainda: eram quadrinhos nos quais a voz do autor individual vinha atrás. O que era muito mais raro, por volta dos anos 1980.

UHQ: Como você vê o cenário dos quadrinhos atualmente nos Estados Unidos? Tanto o industrial quanto o independente? O que mudou depois de tantos anos no meio?

Smith: A maior mudança foi a aceitação das graphic novels, que quase não existiam na época em que a primeira coleção de Bone saiu. Mas talvez a mudança mais importante tenha sido o fato de que as mulheres e as crianças estão lendo quadrinhos novamente.

A maioria dos talentosos criadores de hoje em dia é de mulheres. E isso está muito longe dos dias em que todo o cenário dos comics se parecia muito com a loja do cara dos quadrinhos nos Simpsons!

UHQ: Você conhece algum autor ou obra brasileira?

Smith: Sim. Tenho dois grandes amigos quadrinistas em São Paulo, o Fábio Moon e Gabriel Bá. Sou grande fã de tudo o que eles fazem. Também conheço alguns artistas muito talentosos do Brasil que fazem um surpreendente trabalho na Marvel, DC e Image. Tenho visto outras obras do Brasil, mas, como não leio em português, só posso admirar o maravilhoso trabalho de arte.

Bone colorido

Bone colorido

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