Uma vida dedicada aos quadrinhos,brcom muito bom humor
Mort Walker, o criador do Recruta Zero |
Não existe uma receita pronta para atingir o sucesso. Mas, juntando bastante garra e vontade de trabalhar com um dom muito especial, pode-se chegar perto dessa fórmula. E são esses ingredientes que estão presentes na vida de Mort Walker, o genial criador do Recruta Zero.
Nascido em 3 de setembro de 1923, teve uma infância pobre. Seu pai era inventor, músico, pintor e poeta. Sua mãe fazia ilustrações para jornais. Desde cedo, Walker desenhava. Na escola, chamava a atenção com seus cartuns. Em sua biografia, afirma "Desde minha primeira respiração, sempre quis ser um cartunista".
International Museum of Cartoon Art |
Com 11 anos recebeu pela primeira vez um pagamento por um cartum publicado. Aos 12, começou a colecionar desenhos originais de cartunistas famosos. Com isso, conseguiu um grande acervo, o qual posteriormente daria início ao International Museum of Cartoon Art, que ele criou.
Em 1942, entrou para o exército, onde ficou por quase quatro anos, passando por diversas patentes, de soldado a tenente. Depois, estudou e formou-se jornalista na Universidade.
Foi para Nova York em 1948, decidido a ganhar a vida vendendo cartuns e revistas. Em 1950, criou o personagem Spider, posteriormente mudando seu nome para Beetle Bailey (no Brasil, Recruta Zero). Com esse título, conseguiu publicar a tira pelo King Features Syndicate.
De inicio, a tira abordava a vida universitária. Mas, apesar de ter sido publicada em apenas alguns jornais, não fez o sucesso esperado.
Walker não sabia, mas o King Features estava estudando terminar com seu contrato. No entanto, com o início da Guerra da Coréia, ele decidiu fazer o jovem Beetle ingressar no Exército. Foi então que o sucesso chegou.
Mas o fator decisivo, que impulsionou em definitivo o personagem, foi o jornal de o exército Stars & Stripes ter banido suas histórias, por considerar que elas ridicularizavam os oficiais em geral. O fato teve grande repercussão na imprensa, e a tira disparou em publicação.
Hi and Lois |
Com o final da guerra da Coréia, Walker estava preocupado que o Recruta fosse perder leitores. Decidiu, então, inventar uma tira de família, e surgiu Hi and Lois (no Brasil, Zezé), um autêntico spin-off (termo usado quando uma obra gera "filhotes"). Ele criou uma família para Zero, e o fez voltar para casa. Mas, devido a protestos dos fãs, em duas semanas o personagem retornou para o exército.
Só que a idéia não morreu. E Walker continuou com a tira, em parceria com um desenhista muito especial, Dik Browne, que posteriormente criaria Hagar, o Horrível. Foi o inicio de uma grande amizade.
Walker criou outras tiras. A de maior sucesso, assinada com seu primeiro nome, Addison, foi publicada no Brasil com o nome de Arca de Noé, e contava as trapalhadas em um navio cheio de animais engraçados, com um capitão não muito respeitado pelos seus subordinados, tampouco pela esposa.
Em 1960, ele teve uma conversa com Dik Browne, para saber o motivo de cartunistas não terem o respeito merecido. Seu amigo lhe respondeu que era por não terem um museu que exibisse cartuns. Então, Walker decidiu criar um! E em 1974 foi fundado o International Museum of Cartoon Art, em Greenwich, Connecticut. No ano seguinte, o acervo foi transferido para um casarão histórico em Rye Brook, Nova York, onde ficou por 18 anos, até que, por necessidade de espaço, mudou-se para o luxuosíssimo espaço em Boca Raton, na Flórida.
Desenho de Charles Schultz parabenizando Mort Walker |
O criador, incansável, durante sua vitoriosa carreira participou de campanhas beneficentes, colaborou com a Cruz Vermelha, visitou hospitais, esteve diversas vezes envolvido em causas significativas, recebeu inúmeros e importantes prêmios e homenagens.
Entre outras curiosidades na vida do artista, em 1951, procurou ajudar um certo criador, que não estava tendo sucesso em seu trabalho, a publicar suas tiras. Tratava-se de ninguém menos que Charles Schultz, "pai" de Peanuts (Snoopy).
Teve diversas tiras censuradas, que ficaram somente no rascunho, e até mesmo alteradas, por abordar temas mais picantes ou por desenhar mulheres com biquínis.
Publicou um desenho na Suécia com Dona Tetê nua e, à sua volta, os personagens do universo de Zero. Um editor americano viu, e pediu para fazer uma série limitada do desenho nos Estados Unidos. Esgotou!
Dona Tetê, numa imagem criada para uma publicação sueca |
O motivo de tanto sucesso do Recruta Zero, além do talento de Mort Walker, é o humor universal presente nas histórias. Observando cenas do dia-a-dia e, principalmente, pessoas, criam-se situações das quais é impossível não rir ao ler as tiras de quadrinhos. Outras vezes, busca passar mensagens com valores edificantes através das mesmas. E consegue!
É difícil não se identificar, em algum momento, com o preguiçoso Zero (que já tinha essa personalidade desde o início, na vida universitária), com o ingênuo Dentinho, o simpático e autoritário Sargento Tainha (contraponto e cara-metade de Zero), o ranzinza General Dureza, sua esposa Martha, o irritante Tenente Escovinha, a gostosa Dona Tetê, e tantos outros que fazem parte deste divertido panteão, como Quindim, Cuca, Capelão, Roque, Platão, Otto, Martha, Ky, Lorota, Mironga e Capitão.
Da esquerda para a direita: Otto, Sargento Tainha, Recruta Zero, Quindim, Roque, Platão, Tenente Escovinha, Tenente Mironga, Cuca, O Capelão, Capitão, General Dureza e Dentinho. |
Diversos personagens surgiram ou desapareceram, ao longo da trajetória da tira. Walker afirma que quando algo não está dando certo, deve ser tentado algo diferente. E foi o que sempre procurou fazer. Embora, por vezes tenha criado polêmicas, tendo provocado movimentos contra alguns personagens seus, considerados estereótipos, como Dona Tetê, vista como objeto sexual; o Tenente Mironga, que fez a tira ser banida de alguns jornais, com acusações de ambos os lados, brancos e negros; e o Cabo Ky, que seria uma "tiração de sarro" dos asiáticos.
Recruta Zero #1, da Opera Graphica |
No Brasil, o famoso Recruta teve suas histórias publicadas por diversas editoras (Saber, RGE, Nova Sampa, Globo, L&PM) e, recentemente, está saindo, em edições especiais, pela Opera Graphica, nos selos Opera King e King Opera.
Na RGE, o personagem chegou a ter histórias criadas por artistas nacionais, com a aprovação de Walker. A tira também foi (e ainda é) publicada em diversos jornais brasileiros.
Comemorando antecipadamente o aniversário de 80 anos desse grande criador, fique a seguir, prezado leitor, com as palavras de Mr. Mort Walker!
Universo HQ: Qual o seu nome completo e idade?
Mort Walker: Meu nome completo é Addison Morton Walker. Farei 80 anos no dia 3 de setembro.
UHQ: Como e por que o senhor começou se interessar por quadrinhos?
Mort Walker |
Walker: Na infância, o meu pai sempre lia quadrinhos pra mim, e eu já desenhava antes mesmo de poder ler.
UHQ: Qual a sua primeira história paga? Foi um caminho difícil até conseguir isso?
Walker: Na verdade, não! Vendi meu primeiro cartum quando tinha 11 anos, e já aos 15 já tinha vendido mais de 350!
UHQ: Qual é o seu personagem favorito? E a sua história predileta?
Walker: Meu personagem predileto é o Sargento Tainha (Snorkel, no original). Agora, as histórias são muitas para poder escolher uma apenas.
UHQ: Quais seus artistas favoritos e como influenciaram sua obra?
Walker: Fui muito influenciado pela arte de Milton Caniff, em Terry e os Piratas, e pelo humor de Frank Willard, em Moon Mullins.
Milton me ensinou como eliminar as imagens de fundo para acentuar a ação no primeiro plano; e Frank me mostrou o valor do humor visual.
UHQ: Atualmente, quais as tiras e histórias em quadrinhos que o senhor gosta? Por que?
Walker: Minhas tiras favoritas atualmente são Hagar, Zits, Mother Goose & Grimm e Family Circus.
UHQ: São mais de 50 anos fazendo uma tira por dia, às vezes até mais. Nunca aconteceu de "dar um branco"? O que fazer quando isso ocorre?
Walker: Pode parecer incrível, mas isso nunca me aconteceu. Por isso, não tenho como dizer o que fazer quando isso ocorre.
UHQ: De onde o senhor tira inspiração para as tiras? O senhor serviu ao exército americano?
Walker: De todos os lugares imagináveis. A inspiração vem de experiências de vida, leituras, de assistir à televisão ou apenas de desenhar imagens engraçadas. Sim, estive no exército por quatro anos.
Superalmanaque do Zero, publicado pela RGE |
UHQ: O senhor sabia que, quando o Recruta Zero tinha revista mensal no Brasil, parte das histórias era produzida aqui, por artistas nacionais? Chegou a ver esse material?
Walker: Sim, eu vi algumas revistas feitas no Brasil no passado. Mas, infelizmente, não sabia lê-las. Por isso, não posso comentar a parte das histórias. A arte está boa, mas mostrava um pouco mais de violência do que eu faço.
UHQ: Em quantos países Beetle Bailey já foi publicado?
Walker: Em 52 países espalhados pelo mundo inteiro.
UHQ: O mercado de tiras nos Estados Unidos é muito forte? Hoje ele também enfrenta a crise vivida pelos comics?
Walker: As tiras em quadrinhos publicadas em jornais sempre foram muito fortes. E continuam sendo! As publicações em forma de revistas que estão fracas...
UHQ: É possível um artista americano viver apenas de suas tiras? Qual o valor médio pago por tira?
Walker: Sim, claro que é possível. Cada jornal paga, pelo menos, US$ 5 por semana. Grandes jornais pagam US$ 100 ou mais. Um artista que é publicado em 100 jornais (Nota do UHQ: dado à quantidade de periódicos nos Estados Unidos, esse número não é tão alto quanto parece) consegue viver só de suas tiras.
Coletânea do Recruta Zero |
UHQ: Quantos livros de tiras do Recruta Zero já foram lançados nos Estados Unidos? De quanto em quanto tempo são realizadas essas edições compilando as tiras do personagem?
Walker: Até hoje, saíram mais de 100 livros do Recruta Zero. Normalmente, essas compilações são publicadas em intervalos de dois anos.
UHQ: O Recruta Zero foi banido do jornal do exército, porque os oficiais se sentiam ofendidos. Por causa do Dentinho (que, curiosamente, no original é quem se chama Zero), afirmaram que o senhor ridicularizava os retardados. Achavam a Dona Tetê (Miss Buxley, nos EUA) um estereótipo sexual. O que pensa de toda essa polêmica criada pelos seus personagens?
Walker: Minhas tiras sempre foram criticadas por uma coisa ou outra. O exército pensava que eu gozava dos oficiais e maculava suas autoridades com os soldados.
Os negros achavam que estava estereotipando a raça com o Tenente Mironga (Flap, no original). Os orientais faziam objeções ao Cabo Ky (Yo, no original). As feministas achavam que eu degradava as mulheres quando o General dava em cima da Dona Tetê.
As pessoas se preocupavam pelo fato de Dentinho tirar sarro de crianças de deficiências mentais. As mulheres que trabalham no exército diziam que a Sargento Lorota (Lugg, no original) não representava as qualidades que elas tinham.
Os leitores questionam freqüentemente o fato do Sargento Tainha bater no Recruta Zero ou o General Dureza (Nota do UHQ: Amos T. Halftrack, no original) gostar de bebidas alcoólicas.
Sempre há cartas nervosas de leitores sobre alguma coisa que os irritam. Não posso fazer nada quanto a isso.
Mort Walker's Private Scrapbook |