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FIQ: entre vários acertos e alguns erros, o maior evento de quadrinhos do Brasil (Parte 1)

14 agosto 2003

A terceira edição do Festival Internacional de Quadrinhos
de Belo Horizonte
, realizada de 24 a 28 de setembro, levou à capital
mineira grandes nomes da HQ mundial e também os melhores artistas brasileiros

Por Sidney Gusman

Foto: Solange de Souza - Vísta aérea da Casa do CondeForam
cinco dias de exaltação para quem curte a arte seqüencial. De 24 a 28
de setembro, Belo Horizonte foi palco da terceira edição do FIQ - Festival
Internacional de Quadrinhos
, que aconteceu no Centro Cultural Casa
do Conde
(Rua Januária, 130 - Floresta), numa área de dois mil metros
quadrados.

O evento, que tinha entrada franca, foi realizado pela prefeitura local,
por meio da Secretaria Municipal de Cultura, com parcerias da Escola
de Belas Artes
da Universidade Federal de Minas Gerais, dos
consulados do Japão, França e Itália, da Embaixada da Espanha e
da Fundação Japão. A editora e produtora Casa 21, sediada
no Rio de Janeiro, parceira desde a primeira edição, foi a responsável
pela curadoria. Além disso, utilizando-se de leis de incentivo à cultura,
a Telemar e a Caixa Econômica Federal entraram como patrocinadores.

Foto: Solange de Souza - Fãs curtem até a noiteComo
nas edições anteriores, a organização do FIQ tratou de levar a
Belo Horizonte um timaço de artistas da nona arte. E o mais prazeroso,
especialmente para o público, foi o fato de todos terem sido extremamente
acessíveis e atenderem aos fãs sempre com muita cordialidade. Do exterior
estavam presentes o inglês David Lloyd (desenhista do clássico V de
Vingança
, escrito por Alan Moore), o americano Kyle Baker (do atual
Homem-Borracha e da minissérie Justiça Ltda., lançada no Brasil
em 1990, pela Editora Abril), os italianos Lorenzo Mattotti (de
Estigmas,
recém-publicado por aqui pela Conrad
Editora
) e Sérgio Toppi (do álbum O Homem do Nilo, que
abriu a coleção - em oito volumes - Um Homem, Uma Aventura, pela
inesquecível Ebal), o argentino Jorge Zentner (roteirista de As
Aventuras de Dieter Lumpen
, série desenhada por Rubén Pellejero que
chegou a ter uma edição lançada no Brasil - Inimigos Comuns, a
número 23 do selo Graphic
Novel
, da Editora Abril) e o francês Jacques de Loustal
(que publicou em revistas como Métal Hurlant, À Suivre e
L'Écho Des Savanes, mas é pouco conhecido pelos nossos leitores).

Cartaz do 3º FIQ, por Mozart CoutoQuanto
aos brasileiros, havia representantes dos mais variados estilos. Estiveram
no evento Marcello Quintanilha (Fealdade de Fabiano Gorila - Conrad),
Lourenço
Mutarelli
(da trilogia do detetive Diomedes - Devir),
Ziraldo (Pererê ), Angeli (Luke & Tantra), André Diniz (editor
da Nona Arte),
Fábio Moon e Gabriel Bá (Os Dez Pãezinhos), Antônio Eder (O
Gralha
), Daniel HDR (Dungeon Crawlers), Sam Hart e Kipper
(Front), João Marcos (Mendelévio), Sônia Bibe Luyten (professora,
estudiosa dos quadrinhos e colunista
do UHQ
), Fabio Zimbres (Coleção Mini Tonto), Alexandre
Nagado (Mangá Tropical), Fábio Yabu (Combo Rangers), Allan
Sieber (Deus é Pai), Ota (Mad), Eloar Guazzelli (colaborador
das extintas Animal, Kamikaze, Dundum e Mil Perigos),
Rui de Oliveira (ilustrador) e outros.

Ilustração original de Mozart Couto exbido na exposição em sua homenagemO
homenageado deste ano (em cada edição é reverenciado um grande quadrinhista
nacional) foi o mineiro Mozart Couto, assinou o criativo cartaz do evento
e mereceu uma belíssima exposição que fez uma retrospectiva de suas obras,
de 1979 até os dias atuais, nos mais variados estilos, publicadas tanto
nas páginas de revistas brasileiras de editoras como Opera
Graphica
, Escala,
D'arte, Ondas, Press Editorial, Vecchi e Grafipar,
como nas estrangeiras Marvel,
DC Comics e Dark
Horse
; sem contar diversos álbuns lançados na Europa, em países
como França, Alemanha e Bélgica.

No entanto, quem achou que, finalmente, conheceria o autor pessoalmente,
"caiu do cavalo". Confirmando sua fama de não gostar de aparecer em público,
ele acabou não participando (fisicamente) do FIQ.

Apesar de os convidados internacionais serem de altíssimo nível, entre
os fãs vindos dos pontos mais distantes do Brasil (como alguns bem-humorados
membros do fórum Multiverso
Bate-Boc@
) todos concordaram que faltou alguém ligado a um gênero
mais popular, como super-heróis ou mangá. Se isso ocorresse, certamente,
atrairia um público maior, que também acabaria por conhecer os trabalhos
dos outros artistas, criando um interessante "intercâmbio de estilos".

Exposições, workshops e outras atrações

Público visita as exposições do FIQPara
tornar o evento mais atrativo, a organização do FIQ colocou à disposição
do público uma série de atrações, como exposições, workshops, oficinas
e até uma peça de teatro intitulada Escola de Heróis, que foi criada
pelos alunos do curso de Artes Cênicas da UFMG, e em quase todas
as sessões teve "casa cheia" na tenda central (uma estrutura muito semelhante
à de um circo) da Casa do Conde.

Para quem é fã de quadrinhos, claro, as exposições, espalhadas por uma
área de 250 m², mereceram uma atenção especial. Apesar da falha da organização,
que deixou algumas obras sem identificação, o que chateou muitos leitores,
não era raro encontrar pessoas com o rosto quase colado ao vidro que protegia
as obras, para tentar conferir o mais de perto possível os detalhes de
cada original.

Além da já mencionada mostra de Mozart Couto, confira abaixo quais foram
as principais mostras do evento.

Sergio Toppi na exposicao Páginas BonelliProdução
Italiana
- Era impossível não atentar ao detalhismo que Sergio Toppi
dedica a cada cena de suas páginas. E o mais incrível: aos 71 anos, ele
continua trabalhando do mesmo modo.

A versatilidade de Lorenzo Mattotti também pôde ser apreciada, tanto em
seus quadrinhos (que, a princípio, parecem uma sucessão de traços para
todas as direções, mas possuem uma narrativa precisa) quanto em seus trabalhos
na área de moda e ilustração.

Esta mostra apresentou ainda obras do pouco conhecido Stephano Ricci.

David Lloyd - Para quem viveu o boom de quadrinhos do início
da década de 1990, no Brasil, era fácil se emocionar em frente aos originais
de V de Vingança, que o artista Inglês realizou, em parceria com
o escritor Alan Moore. Ainda foi possível apreciar outras de suas obras,
como Night Raven, um super-herói que fez para a Marvel UK,
Chaplin e Chandler.

Foto: Solange de Souza - Marcello Quintanilha e sua obraOxford
- A Promessa
- Esta exposição do desenhista carioca Marcello Quintanilha
(antes conhecido como Gaú, seu apelido) atestava a impressionante evolução
desse talentoso quadrinhista, que, atualmente mora em Barcelona, na Espanha,
onde está produzindo a série Sete
Balas para Oxford
, escrita por Jorge Zentner.

Havia vários originais de A Promessa, o primeiro álbum da série,
que já foi lançado na França, Suíça e Bélgica, pela coleção Polyptyque,
da Dargaud-Lombard.

Consecuencias - Historieta Brasileña - Mostra de artistas brasileiros
que foi organizada pelo INJUVE - Instituto de la Juventud, órgão
ligado ao Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais da Espanha.
A exposição virou um livro e foi reunida pelo quadrinhista paulista Kipper,
com a participação de 37 autores dos mais diferentes pontos do Brasil.

Exposição VertigoVertigo
10 Anos
- Exposição de algumas capas e páginas do selo mais prestigiado
da DC Comics,
com artistas das mais diversas partes do mundo. Esperava-se um pouco mais
desta mostra, que estava pequena.

Mostra Cidades - Eloar Guazzelli - Num extenso corredor do prédio
destinado às exposições, os presentes ficavam boquiabertos quando se viam
entre duas paredes cobertas com várias folhas de papel, formato A4, com
uma cidade imaginária que se estendia a cada nova página. Trata-se de
um trabalho que Eloar Guazzelli desenvolve há mais de dez anos.

Sua cidade está eternamente em construção, e no FIQ seus desenhos
ocupavam mais 16 metros de exposição. Um trabalho de maluco, diriam alguns,
mas, sem dúvida, belíssimo.

Allan Sieber, o proibidoO
Último dos Românticos - Allan Sieber
- Esta exposição de cartuns inéditos
do polêmico Sieber deu o que falar. Como tinha desenhos pra lá de despudorados,
sempre havia um segurança na porta, para impedir que menores de 16 anos
(mesmo acompanhados pelos pais ou responsáveis) visitassem o local, pois
os "originais continham cenas com desenhos explícitos dos órgãos reprodutores
masculino e feminino".

Eram cerca de trinta artes em nanquim, aquarela e guache, retratando o
amor na visão distorcida e bem-humorada do autor, que, claro, adorou a
pequena confusão e até posou para uma foto à porta da mostra, com Sonia
Luyten e Arthur Dantas (editor-assistente da Conrad) "presos" dentro
da sala.

Front - Exposição coletiva com vários originais da revista paulista
Front, editada pela Via Lettera. Havia páginas de Samuel
Casal, Kipper, Fernando Mena, Sam Hart, Marcelo D'Salete e outros.

França - Mostra com 30 obras do artista francês Jacques de Loustal,
para os vários veículos em que publicou.

Mangá Tropical - Originais dos trabalhos publicados no álbum homônimo,
pela Via Lettera.
Havia páginas de artistas como Erica Awano, Fábio Yabu, Daniel HDR e Alexandre
Nagado.

Foto: Solange de Souza - Exposição Desenhos nunca vistos...Desenhos
nunca vistos...
- Mostra coletiva de artistas ligados aos núcleos
gráficos do Sul do País, além de países como Argentina, Uruguai e França.
Estava dividida em três núcleos: Livros e Publicações, Desenhos
e Pinturas
e Animações e Vídeos.

Dreamland - Uma pequena viagem pelo mangá e animê - Exposição cedida
pela Fundação Japão, que pretendia traçar um histórico das principais
obras em quadrinhos japoneses (mangás) e a animação japonesa. No entanto,
a quantidade foi tão pequena, que pouco atraiu os presentes.

Ilustração da exposição  Quem gosta de BH tem seu jeito de mostrarQuem
gosta de BH tem seu jeito de mostrar
- Esta mostra pretendia selecionar
até 30 autores mineiros, abordando o tema institucional da campanha de
valorização da cidade. O problema é que alguns quadrinhistas locais boicotaram
o evento (mais detalhes no final da matéria) e a exposição ficou bastante
diminuída. Cada artista deveria produzir uma HQ de duas a três páginas
sobre a cidade de Belo Horizonte.

O Imáginário Gráfico - Mostra do artista Ruy de Oliveira, com originais
de ilustrações, capas de livros, animações e outros trabalhos gráficos.

Outros destaques do festival foram os workshops e oficinas com
artistas nacionais e estrangeiros. O gaúcho Daniel HDR ministrou Ilustração
em Quadrinhos (mangá, comics e cartuns)
; Antônio Eder, a Oficina
de Histórias em Quadrinhos (função, técnica e finalidade)
; Jorge Zentner
contou Como Nascem os Quadrinhos (oficina de roteiros); e João
Marcos deu seu recado em Desenhos para crianças.

Palestra com Patati, Paulo Barboza, Angeli, Ota, Allan Sieber e Fabio ZimbresUm
detalhe muito interessante ocorreu no workshop de Zentner. Um de
seus "alunos" foi Lourenço Mutarelli, que saiu satisfeitíssimo. Uma prova
da humildade desse talentoso artista brasileiro, que, apesar de viver
uma grande fase, acha que ainda há muito a aprender; e está sempre buscando
isso

As palestras abordaram uma gama variada de temas. O humor nos quadrinhos
brasileiros, como produzir HQs de maneira cooperada, discussões sobre
os mercados de trabalho nos Estados Unidos e na Europa, quadrinhos e internet,
mangás, a presença da pesquisa na arte seqüencial e outros.

Palestra com Kyle Baker (à esquerda) e David Lloyd (à direita)Um
momento hilário ocorreu durante uma mesa da qual participavam David Lloyd,
Kyle Baker, Jorge Zentner e Marcello Quintanilha. Quando foram abertas
as perguntas ao público, veio a inevitável "chuva" de questões sobre o
método de trabalho de Alan Moore.

Lloyd explicou que, na época de V de Vingança, por estar em início
de carreira, Moore não detalhava tanto seu roteiro, como, reza a lenda,
ele faz hoje.

Então, Baker pediu a palavra para contar como foi a sua única experiência
com o roteirista britânico. "Eu tinha que desenhar uma história de seis
páginas, e o roteiro de Alan Moore tinha 24!", relatou, fazendo uma engraçada
cara de surpresa. A reação da platéia, evidente, foi uma sonora gargalhada.

Foto: Solange de Souza - Exibição do documentário Ziraldo em Profissão CartunistaFinalmente,
no dia 26 de setembro, houve uma sessão especial de Ziraldo em Profissão
Cartunista
, o documentário dirigido por Marisa Furtado de Oliveira
e produzido pela Scriptorium, em co-produção com a STV - Rede
Sesc Senac de Televisão
.

Nesse dia, a sala estava completamente lotada e, nas primeiras fileiras,
Ziraldo apreciou novamente o filme que transpõe para a tela as grandes
histórias de sua vitoriosa carreira.

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