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Os dias em que a Turma da Mônica brincou de novela das oito

Os personagens de Mauricio de Sousa satirizaram Roque Santeiro em uma série de tiras em 1985 – e refletiram sobre a novela

9 fevereiro 2025

Em 24 de junho de 1985, a Rede Globo lançou a novela Roque Santeiro. Era um dos sinais da nova atmosfera de liberdade no país após o fim da ditadura, já que a emissora tinha começado a gravar uma adaptação da peça O berço do herói, de Dias Gomes, ainda em 1975 e havia sido impedida pela censura.

Na nova tentativa, dez anos depois, a novela foi um estrondoso sucesso. Mexeu tanto com o Brasil que nem a Turma da Mônica ficou indiferente: os personagens a parodiaram nas tiras de jornal, depois reunidas no gibi As melhores piadas do Roque Sambeiro, um material único e nunca republicado.

Como Roque Santeiro está sendo reprisada pelo canal Viva, vale a pena revisitar esse capítulo.

No dia 20 de agosto de 1985, na Folha de S.Paulo, Mônica comenta casualmente com o Cebolinha sobre a atuação de Regina Duarte como a viúva Porcina: “A Regina Porcina não está o fino na novela das oito?”.

Foi o começo de uma longa sequência em que os personagens primeiro conversam sobre os rumos da trama e depois resolvem “brincar de novela” e se escalam para viver os tipos de Roque Santeiro: Mônica como Porcina, Cebolinha como Sinhozinho Malta e Cascão como Roque. Até o Chico Bento dá as caras, para interpretar o Zé das Medalhas.

Era comum as tiras da série Cebolinha usarem fatos do momento como assunto. Parodiar grandes sucessos da dramaturgia também não era uma novidade para o universo da Turma da Mônica nos gibis.

A diferença é que, nas numerosas paródias de filmes ou de obras como Romeu e Julieta, os personagens de Mauricio de Sousa em geral “viviam” o universo homenageado, caracterizados como tal.

No caso das tiras sobre Roque Santeiro, tudo se passava no próprio mundinho da Turma. Eram mesmo as crianças brincando de novela na rua, sem caracterização – fora um ou outro adereço.

Não deixava de ser curiosa a atenção dedicada à novela das oito, uma atração de modo algum infantil. Mesmo que Roque Santeiro fosse carregada de bom humor, a trama tratava de temas adultos, como adultério, política e sexo. A própria Turma da Mônica se mostrava às vezes envergonhada por ter que abordar certos assuntos. Ou fazia diretamente reflexões sobre isso.

“Você não acha que a novela foi ficando muito pesada para nós? Muita coisa violenta... Muita coisa triste...”, pergunta a Mônica ao Cebolinha, em 19 de outubro. “No começo, era mais levinha, mais engraçada! Dava até para brincar de personagem!”.

Houve espaço também para pensar a relação do brasileiro com as telenovelas, muitas vezes acusadas de ser uma distração excessiva para o povo em relação aos seus verdadeiros problemas. “A novela de Asa Branca continua?”, pergunta Mônica, se referindo à cidade onde a história se passa. Cebolinha responde: “Asa Blanca, não. Mas nós, sim”.

Também foi abordada nas tiras a propaganda eleitoral gratuita, que naqueles meses preparava as cidades brasileiras para a primeira eleição pós-ditadura: a escolha de prefeitos e vereadores em 15 de novembro. E ainda a exibição da minissérie americana Pássaros feridos no SBT, que causou dores de cabeça à Globo e fez Roque Santeiro ter capítulos mais longos para tentar atrapalhar a concorrente. Cebolinha chegou a publicar sugestões de leitores, convocados na tira do dia 31 de agosto a mandarem suas ideias por carta para as redações.

A Folha, em São Paulo, e o Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, publicavam as tiras quase sempre no mesmo dia. O diário paulistano, no entanto, por alguma razão interrompeu a série a partir de 8 de outubro e as tiras, lá, voltaram ao cotidiano normal da Turminha. Coincidência ou não, a série Cebolinha deixaria de ser publicada na Folha menos de dois meses depois, em 2 de dezembro daquele ano.

Curiosamente, a sátira a Roque Santeiro continuou no JB, ao longo de outubro. Mas no dia 24, Mônica anuncia aos amigos: “A mamãe não quer que eu brinque mais de novela. Ela disse que a gente ia brincar daquilo tudo sem entender nada”. E emenda: “Mas não é isso o que acontece com os adultos também?”.

Cinco dias se passaram e, em 30 e 31 de outubro, a novela voltou a ser tema da tira no jornal carioca. Desta vez, para os personagens anunciarem uma pausa: “Resolvemos aguardar um pouquinho, assistir a mais uns capítulos da novela das oito”, diz Mônica. “Quando a gente descoblir quem vai ficar com quem, voltalemos a blincar!”, arremata Cebolinha.

Quatro dias depois, uma tira foi publicada tanto no JB quanto na Folha (o jornal paulista não publicava nada da sátira havia quase um mês). Mais duas saíram no Jornal do Brasil com os personagens refletindo sobre o rumo da novela, até que, no dia 9 de novembro, Mônica anuncia formalmente ao leitor: “Vamos parar de brincar de novela. De falar de novela. Sabem... Tá na hora da gente procurar uma escola. Começar a estudar! Se preparar para o futuro. Pra mudarmos um pouco o roteiro da nossa Asa Branca”.

Esse final pode ter tido um motivo que não foi exatamente o esgotamento da ideia. Dois meses depois, em janeiro de 1986, chegou às bancas As melhores piadas do Roque Sambeiro, que reuniu esse material e adicionou 13 tiras inéditas – bem a tempo de pegar ainda no ar a reta final da novela, que terminou em 22 de fevereiro.

A edição era o sétimo volume da coleção As melhores piadas, que tinha a previsão inicial de seis números, cada um dedicado às tiras de um personagem específico: pela ordem, Mônica, Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Bidu e Penadinho.

Depois de Roque Sambeiro, que fugiu desse esquema, a série continuou até o número 18, novamente focando em um personagem por vez. A partir daí, os “filhos” de Mauricio se mudaram para a Editora Globo, onde a série recomeçou como As grandes piadas.

Voltando a Roque Sambeiro, uma curiosidade: nos jornais, a novela e os personagens eram chamados por seus nomes normalmente utilizados na TV. No gibi, isso foi alterado. Provavelmente, para evitar algum possível problema com direitos autorais, Roque Santeiro mudou para Roque Sambeiro, a viúva Porcina virou Porfina, o Sinhozinho Malta aparece como Sinhozinho Balta e assim por diante.

Esse material, produzido em cima dos fatos, de maneira quase jornalística, ficou evidentemente datado. Por ser muito relacionado a outro produto então em exibição, acabou não ganhando um “vale a pena ver de novo” nos anos seguintes.

As tiras podem ser vistas na internet, tanto as da Folha (no acervo online do jornal, para assinante) quanto as do JB (gratuitamente, na hemeroteca digital do site da Biblioteca Nacional). Já o gibi As melhores piadas do Roque Sambeiro se tornou um cobiçado item de colecionador – para quem conhece a existência dessa grande curiosidade.

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