100 anos do mais importante fanzine da Bahia
Em
1904, foi fundado O Papão, por Ernesto Simões Filho; assumidamente
sob a inspiração de O Malho, revista de humor de expressão nacional
criada no Rio de Janeiro, em 1901. Assim como O Malho, vinha com
24 páginas e tinha o mesmo formato.
A importância de O Papão transcende seu ineditismo. Na verdade,
foi a primeira experiência editorial de Ernesto Simões Filho, que seria
o fundador - em 1912 - e principal baluarte do jornal que os baianos de
várias gerações tiveram como sua principal e confiável fonte de informações:
A Tarde.
A partir da brochura Um Retrato da Bahia em 1904: O Papão, do mestre
Cláudio Veiga, presidente da Academia de Letras da Bahia, é possível
demonstrar a importância da publicação, e de suas futuras conseqüências.
O livreto (número 124 da série Publicações da Universidade Federal
da Bahia, do Centro de Estudos Baianos) veio à luz em 1986, ano do
centenário de Ernesto Simões Filho.
Apesar do termo não ser usado à época no Brasil, O Papão corresponde
à caracterização de "fanzine" em três aspectos principais: como produção
independente em que se aprimoram carreiras futuras de profissionais; como
produto em que o caráter da criação individual se aproxima da obra de
autor e como veículo intimamente ligado à atividade cultural.
A Bahia já tinha, desde há muito, vários jornais de opinião, não só na
capital como também em vários pontos do interior, e o humor em forma satírica
sempre foi uma marca desta trajetória. Mas nenhum veículo, até então,
tinha trazido o humor de traço como sua principal marca. As caricaturas
e charges foram o carro-chefe de O Papão, o que não impediu, muito
pelo contrário, que outras formas de expressão se fizessem presentes.
Entre seus primeiros colaboradores, então com 21 anos, estava aquele que
seria um dos maiores nomes da pintura baiana: Presciliano Silva, que assinava
suas contribuições com o pseudônimo de Bailon.
A publicação se apresentou, como O Malho, em formato de revista,
e todos os seus pouco mais de 30 números saíram no próprio ano de 1904.
As seis primeiras edições (de 23 de janeiro a 7 de abril) foram dirigidas
por Ernesto Simões Filho.
Como diz Cláudio Veiga "O Papão foi uma alegre inovação em meio de gente
tão sisuda" (a imprensa da época). Com 18 anos, Simões Filho já "era uma
autêntica vocação de jornalista", no dizer de Jorge Calmon, que sucedeu
o próprio Simões Filho no cargo de redator-chefe de A Tarde durante
décadas. Simões Filho já tinha produzido um outro fanzine, com 14 anos,
chamado O Carrasco, em seu tempo de colégio. O outro jovem que
dirigiu os destinos de O Papão foi Mário Imbassahy.
A caracterização da revista fica muito clara em seu número um, e lembra,
em muitos aspectos, o pernambucano Papa-Figo, dos anos 70:
"E enquanto nosso mestre e irmão mais velho O Malho vai rindo e
malhando em todas as bigornas, nós, desta formosa rua Chile, onde sentamos
os nossos arraiais, com uma fome pantagruélica, escancarando as nossas
faces gargantuescas, vamos papando todos os ridículos, todas as mazelas
da Heroína de seios titânicos, da Princesa das Montanhas, da Pátria de
Moema e Castro Alves, da Primogênita de Cabral, da Atenas Brasileira".
Bem diferentemente do que acontece hoje (vide o caso de Tudo com Farinha,
de 1999), os grandes personagens do mundo editorial da época se fizeram
presentes ao lançamento da revista satírica, em 23 de janeiro.
Ainda segundo Claudio Veiga, além de Bailon, outros artistas produziam
caricaturas no O Papão, como Mário Bittencourt (sob o pseudônimo
de Amoir), Pigeon e Honorato. Mas nem sempre os artistas da revista caricaturavam:
também havia ilustrações de primeira qualidade que estampavam figuras
como a de Ruy Barbosa, entre outros. Além disso, complementando as caricaturas,
havia também textos humorísticos, críticas chistosas, troças e anedotas.
A marca cultural da revista se firmava ainda pela publicação de partituras
musicais e crítica teatral: "O Papão devia ser, não somente uma
revista humorística, mas ainda, artística e literária".
Além da esfera política, O Papão também fazia crítica de costumes,
inclusive sobre a vida nas irmandades religiosas e do mundo dos produtores
culturais.
Uma vez lançado O Papão, a sua forma de difusão - até pelas dificuldades
da época - lembra os fanzines de hoje: inicialmente, o lançamento da revista
foi anunciado não só pela "grande imprensa" da época, como também por
meio de cartazes colados pela cidade e distribuição motorizada. Uma vez
lançado, a publicação foi distribuído "à parisienne" em Salvador, ou seja
"em carrinho chic, penetrando alegremente por toda a parte e conquistando
vivas simpatias", como registra o Jornal de Notícias, de 22 de
janeiro.
Na seqüência, Simões Flho e Imbassahy viajam ao interior do estado; especialmente
para Juazeiro, no norte do estado e para Canavieieiras, no litoral Sul,
visando instalar agências e conseguir representantes. Através deste esforço,
a revista mensal conseguiu virar semanal (já sem a direção de Ernesto
Simões Filho), e mesmo tendo sida extinta no próprio ano de 1904, anunciava
novos ares para o modo de pensar comunicação na Bahia.
Além de saudar os 100 anos de O Papão, esta nota tenta trazer um retrato
de uma época em que era possível a um homem de idéias estrear com um fanzine
e plantar bom jornalismo empresarial.
Nota: Um outro momento importante da história dos quadrinhos e da imprensa
diária na Bahia foi A Coisa, que vai completando 30 anos e foi
publicado pela Tribuna da Bahia. Solicitamos e agradecemos quem
tiver informações e material sobre essa publicação, para que entre em
contato viabilizando a produção de informações a respeito da mesma.
Uma pena que um jornal tradicional como A Tarde não tenha realizado
sequer o registro deste centenário de O Papão.