11 de setembro: o dia em que os super-heróis falharam
Antes
do fatídico 11 de setembro de 2001, em que os Estados Unidos sofreram
o maior atentado terrorista de sua história, talvez apenas a Segunda Guerra
Mundial havia repercutido no mundo do entretenimento de forma tão avassaladora.
Nos quadrinhos de super-heróis, as reações foram imediatas e, como ainda
pode ser observado depois de passados seis anos, mudanças significativas
foram impostas no que ainda restava de inocência em suas histórias.
Se a sociedade norte-americana - e, por que não dizer, do resto do mundo
- ficou mais desconfiada, isso se refletiu sobremaneira nos gibis.
Poucos meses depois dos atentados - o mais destrutivo deles foi realizado
por intermédio de dois aviões seqüestrados e jogados contra as duas edificações
que formavam o World Trade Center - uma avalanche de HQs especiais sobre
o tema chegou às comic shops nos Estados Unidos.
A
editora independente Alternative
Comics, por exemplo, ganhou mais notoriedade no mercado ao publicar
9-11 Emergency Relief, com 208 páginas de histórias em quadrinhos
nas quais 80 artistas, entre eles ninguém menos que Will Eisner e Harvey
Pekar, narravam o heroísmo de bombeiros e policiais que trabalharam no
resgate de corpos e de sobreviventes daquela tragédia.
Os valores arrecadados com as vendas de 9-11 Emergency Relief foram
doados à Cruz Vermelha norte-americana. Outras editoras fizeram o mesmo,
destinando também as rendas para fundos de apoio aos familiares das vítimas.
Foi o caso de Amazing Spider-Man #36, lançada pela Marvel
Comics ainda no ano do atentado e, no Brasil, em Homem-Aranha
- Em memória das vítimas do 11 de setembro (Panini
Comics, 2002). Embora a história apresentasse cenas pouco convincentes
como Magneto e Doutor Destino chorando pelos mortos na tragédia, a intenção
era mostrar o profundo sentimento de pesar que pairava sobre a população
dos Estados Unidos. A HQ vendeu mais de 200 mil exemplares.
O
Homem-Aranha também foi afetado em seu primeiro longa-metragem para o
cinema. A cena e quem o personagem detém a queda de um helicóptero, armando
uma rede de teias entre as torres gêmeas, foi sumariamente deletada da
edição final do filme.
Um ano depois do ataque ao World Trade Center, a Marvel deu novo
fôlego editorial ao Capitão América. A partir dali, o Sentinela da Liberdade
passou a voltar suas ações contra terroristas, inimigos bem mais críveis
pelos leitores do que os supervilões que o personagem costumava enfrentar.
A missão de combater o terrorismo coube até mesmo a um herói urbano, como
ainda será visto em Holy Terror, Batman!, graphic novel
que está sendo produzida por Frank Miller nos Estados Unidos. Na trama,
o Cavaleiro das Trevas medirá forças com o grupo terrorista al-Qaeda e
Osama bin Laden, mentor dos nefastos acontecimentos que marcaram o dia
que o mundo jamais esquecerá.
O 11 de setembro também influenciou a Guerra
Secreta, minissérie da "Casa das Idéias" em que Nick Fury, até
então o mandachuva da S.H.I.E.L.D., reuniu, às escondidas, vários super-heróis
para acabar com os planos terroristas da governante da Latvéria contra
os Estados Unidos.
Fury revelou haver prometido a si mesmo que "aquele dia" jamais iria se
repetir, se dele dependesse. Por isso, à revelia do governo norte-americano,
invadiu a Latvéria para, segundo ele, "cortar o mal pela raiz".
A Marvel ainda publicou alguns especiais abordando o atentado de
11 de setembro: a HQ A Moment of Silence (produzida por Brian Michael
Bendis, John Romita Jr., Kevin Smith e outros); Heroes, um livro
de arte com pin-ups de vários artistas, mostrando heróis como Hulk,
Capitão América e criações de outras editoras, além de personagens comuns
como bombeiros e policiais, retratados com reações diversas diante de
tanta morte e destruição - a obra foi uma compilação dos trabalhos exibidos
em 2002 na mostra Heroes Among Us, realizada pelo New York City
Fire Museum, nos Estados Unidos; e The Call (no Brasil, Emergência:
A serviço da vida, lançada pela Panini
em 2003), minissérie protagonizada pela Polícia, Defesa
Civil e o Corpo de bombeiros.
Também houve um crossover entre editoras para o lançamento de 9-11:
September 11, 2001. Apresentando dezenas de quadrinhistas consagrados,
entre eles Neil Gaiman, Will Eisner, Stan Lee e muitos outros, a revista
apresentou diversas histórias sobre o tema e foi publicada em dois volumes,
o primeiro pela Dark
Horse, Chaos! e Image,
e o segundo com a chancela da DC
Comics, destacando uma aventura em que o Super-Homem se lamenta
porque não pôde fazer nada para impedir o atentado terrorista, já que
o personagem não existe no mundo real.
A mais contundente HQ sobre esse amargo assunto, entretanto, é The
9/11 Report: A Graphic Adaptation, escrita por Sid Jacobson, desenhada
por Ernie Cólon e lançada no ano passado, nos Estados Unidos, pela editora
Hill and Wang.
Trata-se da adaptação do relatório oficial do governo norte-americano
sobre o 11 de setembro, mostrando eventos depois e antes do atentado,
incluindo as informações que as agências de inteligência daquele país
já haviam coletado sobre vários dos suspeitos.
Outra aplaudida graphic novel sobre o tema é In the Shadows
of No Towers - no Brasil, À
Sombra das Torres Ausentes (Companhia
das Letras, 2004), de Art Spiegelman -, em que o autor narra seu
trauma e o de sua família quanto àquele fato marcante em suas vidas.
Apesar de vítima direta daquele dia de terror, entretanto, não foi apenas
a sociedade norte-americana que se sentiu afetada pelo que aconteceu naquela
data. Em outros países, as manifestações de solidariedade, indignação
e luto também se traduziram em histórias em quadrinhos.
Entre alguns desses exemplos, estão Le 11e jour, de Sandrine Revel,
publicado na França em 2002 e que narra o relato pessoal da autora, testemunha
do período de horror por que passaram os norte-americanos durante e depois
do ataque terrorista; e Cão
Maravilha, Reencontro Mortal, de Reginaldo Carlota e Micael Holderbaum,
produção brasileira em que o super-herói canino, inconformado com o fato
de não ter evitado os atentados de 11 de setembro, torna-se violento a
ponto de espancar e matar seus inimigos.
O Universo HQ, na época com pouco mais de um ano de existência,
registrou aquele fato que chocou o mundo.
Era 12 de setembro de 2001, e o trecho de uma nota
sobre a tragédia, assinada pelo editor Sérgio Codespoti, antecipou
o que foi incansavelmente mostrado em praticamente todas as histórias
em quadrinhos que abordaram o assunto desde então: "Hoje, e nos próximos
dias, os heróis não serão personagens como o Homem-Aranha, a Liga da Justiça,
os Vingadores ou o Justiceiro, mas todos os voluntários, bombeiros, policiais
e pessoas envolvidas neste esforço monumental para salvar vidas".
O sentimento de indignação do UHQ, expresso no último parágrafo
do referido texto, continua valendo contra aquele e quaisquer outros atos
que atentem contra a vida, sejam em que magnitudes forem.
E que, um dia, os personagens dos quadrinhos não precisem mais se preocupar
tanto com o que anda acontecendo aqui fora.