Amana ao Deus dará, uma (bela) HQ escrita e desenhada por Edna Lopes
Se você estiver passando por uma livraria ou gibiteria e vir o álbum Amana aos Deus dará (formato 17 x 23 cm, 120 páginas em sépia e vermelho, R$ 31,00), da editora Casa da Palavra, dê uma olhada mais atenta às páginas.
A autora, a artista gráfica Edna Lopes, uma curitibana de 41 anos casada com Ed Motta (são dela os desenhos do site do cantor, um fanático por boas HQs), construiu uma história muito interessante lidando apenas com pessoas comuns. Gente que encontramos diariamente pelas ruas. E o resultado ficou ótimo.
A trama é estrelada por Amana, uma garota órfã que, aos 18 anos, decide abandonar a casa da avó que a criou, na periferia de São Paulo, para procurar seus pais verdadeiros. Ela parte, então, para o Rio de Janeiro, em busca de uma remota parente.
E aí começam suas desventuras. Da cidade maravilhosa, ela parte, sempre de carona, confiando em pessoas que nunca viu, para o Amazonas, com escalas na Bahia e no Maranhão. E justamente onde esperava achou pistas sobre sua mãe verdadeira (sua avó a maldizia por ser filha de índia com branco), Amana caiu numa cilada, sendo obrigada a se prostituir numa vila perdida no meio da floresta.
Esta realidade, que para muitos pode parecer algo distante ou ficcional, infelizmente, ainda é bastante freqüente em pontos recônditos de nosso país. E é essa soma de sofrimentos, encontros e descobertas o grande atrativo do álbum.
Amana aos Deus dará é a primeira graphic novel escrita e desenhada por uma mulher no Brasil, e num depoimento ao jornal Folha de S.Paulo, Edna Lopes comenta isso. "Acho que falta um olhar feminino nas histórias em quadrinhos. Nos Estados Unidos tem algumas autoras, como a Jessica Abe, mas na Europa e no Brasil não se vê muitas. O homem, mesmo que escreva no feminino, nunca vai ser igual à mulher. É legal que exista essa diferença", defendeu.
Edna Lopes nunca foi uma grande fã de quadrinhos, mas foi "convertida" após ler uma aventura dos personagens Blake e Mortimer, de Edgar Pierre Jacobs, intitulada S.O.S. Meteoros. Ela também aprecia a HQ underground americana.
E seus gostos se refletem nitidamente em seu traço, uma mescla interessantíssima da "linha clara" que marca a HQ franco-belga, com o despojo de obras como Love & Rockets.
Destaque também para o texto, no qual Edna reproduz gírias e peculiaridades dos vários estados mostrados, com direito até a letras de músicas, e para a diagramação que adota nas páginas, sempre ousada e fugindo do padrão "certinho" de quadros lado a lado. Também foi ótima a sacada da Casa da Palavra de imprimir o álbum em sépia, com tons de vermelho em alguns momentos. Visualmente, ficou bastante atrativo.
Este é o mesmo álbum que, numa reportagem do jornal O Globo, em março de 2001, a Casa da Palavra prometia "para os "próximos meses". Independente do atraso, o importante é que saiu, e pode ser o primeiro de uma linha de HQs nacionais pela editora. E pela qualidade da história, Amana, diferente do título, tem tudo para não ficar "ao Deus dará"!