André Diniz comenta Morro da Favela, da editora Barba Negra
Morro da Favela (formato 17 x 24 cm, 128 páginas, R$ 39,90) conta a história de como Maurício Hora, morador do Morro da Providência, usou a fotografia para mudar sua vida e o mundo ao seu redor.
"Por que você não sai da favela?" - Essa era a pergunta mais frequente
que os amigos, do morro e do asfalto, faziam para o fotógrafo Maurício Hora,
morador do Morro da Providência, no Rio de Janeiro.
Para entender melhor sua
origem, Mauricio começou uma pesquisa sobre a comunidade do Morro da Providência,
conhecido comMorro da Favela, a primeira favela brasileira, nascida em 1897.
Na graphic novel Morro da Favela, que chega às livrarias
este mês pela editora LeYa
/ Barba Negra, o quadrinhista André Diniz retrata em preto e
branco os tons de cinza do cotidiano e das memórias de Maurício - sua relação
com a vida e a morte, a polícia e os bandidos, a prisão e a liberdade, a boca
de fumo administrada por seu pai, o contraste entre o morro e o asfalto.
Maurício Horta, morador do Morro da Providência, foi o primeiro fotógrafo a
clicar o morro durante a noite, quando o território estava sob domínio dos
traficantes. Este registro entrou para a história da cultura carioca, além
do seu trabalho com o fotógrafo francês J.R., registrando o cotidiano da favela.
O Morro da Providência encontra-se hoje pacificado, assim como várias comunidades cariocas, e sendo revitalizado, junto a toda zona portuária do Rio de Janeiro.
O Universo HQ conversou com o autor, André Diniz, sobre a obra.
Universo HQ: Como surgiu a ideia da graphic novel Morro da Favela?
André Diniz: Tem gente que quando começa a contar sobre sua vida, você logo pensa: "nossa, daria um filme". Era uma ideia antiga minha pegar um relato desses, vindo de algum anônimo, e transformar não em filme, mas em HQ. Quando comentei isso com meu cunhado Neko Pedrosa, produtor cultural, ele me contou sobre o Maurício Hora, fotógrafo reconhecido, mas ainda um anônimo quanto à sua vida pessoal.
O Maurício tem uma história de vida incrível, que começa com seu pai - um dos primeiros traficantes do Rio, traficante conhecido como "seu Luizinho", que colocava estalinhos no chão para ouvir a chegada da polícia e era até assaltado à mão armada pelos "clientes"! Sem falar na própria história de vida do Maurício, uma pessoa incrível que escolheu o caminho da fotografia, se não para mudar o mundo, ao menos para mudar a favela. Contatei o Maurício e ele recebeu a ideia da graphic novel de braços abertos. Na nossa primeira conversa, já tive certeza de que dali viria um livro incrível.
UHQ: Como foi a produção desse álbum?
Diniz: Eu e Maurício nos encontramos várias
vezes quando o entrevistei sobre sua vida pessoal, sua família, a trajetória
de seu pai, sua carreira de fotógrafo e sua visão particular da vida no Morro
da Providência. Ele me apresentou cada cantinho do morro, onde também pude
conhecer pessoas incríveis. Cheguei a entrevistar outros moradores da Providência
enquanto ainda não tinha definido a linha do livro, mas acabei no final focando
na vida do Maurício e da sua família.
A criação do roteiro foi um desafio enorme. Transcrevi horas e horas de conversas sobre diferentes aspectos de sua vida, sobre diferentes épocas, suas opiniões, tudo bem diverso, e tive que transformar isso em uma história linear e coesa, algo próximo a um roteiro de cinema. Foi bem delicado também trabalhar com a vida pessoal de alguém de carne e osso que viveu muitas situações complexas, cuja família foi vítima de tragédias dolorosas, sempre no meio de uma guerra urbana, uma tremenda responsabilidade para mim.
UHQ: Você vai publicar outros álbuns pela Barba Negra, não vai? Fale um pouco sobre eles.
Diniz: O convite que recebi do S. Lobo e do
Christiano Menezes, os editores da Barba Negra, foi para
que eu produzisse três álbuns. Antes ainda da criação da editora, conversei
com o Lobo sobre O Morro da Providência, que ainda estava em produção.
Só pelo pouco que eu já tinha pronto, ele me fez prometer que publicaria esse
livro pela editora. Topei de cara, mesmo sem saber ainda que a criação da
Barba Negra era um plano concreto para logo mais.
Nesse meio tempo, também conversei com ele sobre outras ideias minhas.
Quando fomos formalizar o contrato dessa obra, recebi a proposta para produzir
não um, mas três álbuns para a Barba Negra, o que me encheu
de orgulho, principalmente por vir de dois profissionais desse gabarito. Eles
me deram um tempo pra pensar. Precisei de mais ou menos uns doze segundos
pra dizer sim!
UHQ: Algum trabalho em andamento por outra editora?
Diniz: Tenho outros dois álbuns prontos que
saem ainda este ano. Um é a adaptação que fiz do poema A Cachoeira de
Paulo Afonso, de Castro Alves. Está prestes a ser lançado pela editora
Pallas. Sei que sai antes da Flip, evento
do qual participo este ano. Não foi uma adaptação feita por encomenda, era
uma vontade antiga minha adaptar esse poema, pensando principalmente nas possibilidades
visuais da HQ. Fiz o álbum todo no risco, sem ter editora, e assim que mostrei
para a Pallas, nós sabíamos que a parceria estava selada.
O outro álbum é o Mwindo, meu terceiro trabalho a sair pela Record
(antes desse veio A Incrível História do Homem Mais Velho do Mundo, um romance
juvenil, e O Quilombo Orum Aiê, meu álbum de HQ que foi, inclusive, selecionado
pelo PNBE). A diferença de Mwindo - HQ inspirada
em uma lenda africana divertidíssima - é que, pela primeira vez, desenho o
roteiro de outra pessoa. No caso, da Jacqueline Martins, que, entre outras
coisas, produz há duas décadas roteiros para o Menino Maluquinho.