Artigo afirma que quadrinhos não são feitos para crianças
"São
os adultos, e não as crianças, que ajudam o mercado de quadrinhos a sobreviver".
Esse foi o título de uma matéria publicada no último dia 13 de março no
site do jornal norte-americano The Detroit News. Segundo o texto,
a média de idade dos leitores de HQs nos Estados Unidos, que já era alta
(18 anos) em 1989, hoje é ainda maior: 30 anos.
No artigo são levantadas questões como a que indaga se casos semelhantes
à da chocante cena de estupro em Crise
de Identidade, minissérie protagonizada por heróis famosos como
Batman, Mulher-Maravilha e Super-Homem, são um reflexo do quanto os quadrinhos
estão virando coisa para adulto, ou se apenas representam a causa do afastamento
das crianças dessa mídia.
A verdade é que, ao mesmo tempo em que estimulam
a renovação de leitores com ações promocionais e de marketing direcionadas
às crianças, Marvel
e DC - só
para citar as gigantes do setor nos Estados Unidos - produzem revistas
em quadrinhos que dificilmente serão digeridas por esse público.
Isso,
é claro, se reflete no mercado de outras praças, como o Brasil, um dos
países que mais consomem gibis de super-heróis das duas maiores editoras
norte-americanas e de outras mais que eventualmente têm alguns de seus
títulos publicados por aqui. Quem imaginaria, até pelo menos os anos 1990,
ler uma recomendação de faixa etária na capa de um gibi com as aventuras
de Demolidor, Pantera Negra e Cavaleiro da Lua, como pode ser visto na
recém-lançada Marvel
Action (Panini)?
Editoras dos Estados Unidos também estão investindo pesadamente em graphic
novels, que acompanhadas dos adjetivos "luxuosas", "caras" e "adultas"
são garantias de sucesso, mesmo que nos atuais padrões, longe das marcas
recordes de milhões de exemplares vendidos de uma única edição. Tanto
que, em 2005 e no ano passado, esses álbuns especiais com a indicação
"para leitores maduros" (mesmo que, de fato, o conteúdo de algumas obras
permitisse uma "censura livre") estiveram no topo do ranking de vendas
de revistas em quadrinhos naquele país e estão ditando uma nova tendência.
Os recentes cancelamentos
de títulos da Disney nos Estados Unidos são apenas um pequeno capítulo
dessa história que cada vez menos envolve as crianças em sua trama. Quem
tiver a oportunidade de adquirir algumas edições atuais dos gibis norte-americanos
da turma de Patópolis, por exemplo, verá que as seções de cartas contêm
exclusivamente mensagens de leitores adultos. O fato de, em sua imensa
maioria, essas HQs serem apenas republicações de aventuras dos anos 1960
a 1980, não é mera coincidência.
Vale
lembrar que a Disney também foi vítima de uma enxurrada de cancelamentos
no
Brasil e em
Portugal, países em que os leitores desses quadrinhos, a exemplo dos
Estados Unidos, são representados em grande parte por maiores de idade.
Dessa forma, as revistas em quadrinhos adultas - e as juvenis - de todos
os gêneros estão preenchendo muito mais da metade do espaço nas bancas
ou comics shops.
No Brasil, entre os poucos títulos infantis que ainda sobrevivem, os da
Turma da Mônica, sozinhos, detêm mais de 70% do mercado nesse segmento.
E, embora exista uma renovação constante de crianças leitoras das histórias
dos personagens de Mauricio de Sousa, metade do público desses gibis ainda
é composto por adultos, segundo informações do próprio quadrinhista.
Coleções luxuosas como Luluzinha,
Recruta
Zero, O
Melhor da Disney - As Obras Completas de Carl Barks e Turma
do Pererê, lançadas no Brasil com preço alto e apelo saudosista,
e da mesma forma nos EUA com Calvin
& Haroldo, Peanuts,
Pimentinha
e muitos outros, só corroboram o fato de que, por mais paradoxal que possa
parecer, a maioria das publicações infantis está sendo produzida somente
para o deleite dos adultos.
Seguindo esse raciocínio, o jornalista Mike Antonucci, autor da matéria
do The Detroit News, afirmou categoricamente que a indústria dos
quadrinhos está e continuará em declínio, e não é preciso entender isso
como um caso restrito aos Estados Unidos. Se, amanhã, não houver adultos
suficientes com um interesse mínimo por gibis (pois eles seriam as crianças
de hoje que têm pouca afinidade com esse hobby), como essa indústria sobreviverá?
A resposta pode estar no velho clichê, de que "só o tempo dirá".