Autor nacional Hector Lima se autopublica no exterior
Hector Lima escreve enquanto você dorme.
Vivendo na Baixada Santista, em São Paulo, esse redator freelancer
já teve uma coluna no site da extinta revista Play, da Conrad
Editora, e entrevistou o escritor Grant Morrison. Manteve também,
por alguns anos, a página Escritório Noturno, na qual publicava
contos e quadrinhos seus e de outros autores. Alguns amigos seus.
Atualmente, divide seu tempo entre a produção da festa mensal Popscene,
em Santos, e as atividades de seu selo de quadrinhos independente, o Night
Office.
Recentemente, Hector se tornou um dos poucos escritores nacionais a se
autopublicar no mercado norte-americano. Isso se deu com a revista de
terror Zombingo/(In)Version, que conta com Irapuan Luiz, Abs Moraes,
Jean Okada, Michelle Fiorucci e Carol Spinelli no time. São 16 páginas
de narrativas supercomprimidas com toques de EC Comics, por 2,15
dólares.
Mas o escritor já dava seus primeiros passos lá fora antes disso. Em maio
de 2004, seu nome figurava em duas antologias britânicas: a Commercial
Suicide e a beneficial Just One Page. A primeira mostrava o
início da parceria entre Hector e Irapuan, que viria a desenhar a HQ Zombingo.
Com a descoberta da gráfica ComiXpress,
de Nova Jersey, o Night Office foi concebido de fato. Através dela,
e de sua impressão sob demanda através de custos básicos, Hector foi capaz
de produzir uma determinada quantidade de exemplares de sua HQ. Edições
que, depois, seriam colocadas à venda no site da mesma, no sistema de
encomendas. E o autor receberia uma parte para distribuir à imprensa e
vender aos leitores brasileiros.
Formatando suas histórias como se fossem singles musicais, Hector
pretende oferecer entretenimento completo àqueles que lerem as primeiras
edições do selo. Zombingo, por exemplo, é um conto de horror expresso
na qual Teófilo, ganhador de um gordo prêmio de bingo, é tomado por uma
paranóia crescente devido à premiação que obteve. E talvez nem a benção
de uma mãe de santo seja capaz de aplacar o medo que o toma.
(In)Version é a trama complementar da edição, escrita por Abs Moraes
(O Gralha), um dos mais talentosos autores nacionais, e ilustrada
e balonizada pelo recém-descoberto do mercado europeu, Jean Okada. Além
de horror, o roteiro tem toques de ficção científica; e no traço detalhado
e repleto de sombras, um motor quebrado numa estrada pode revelar muito
mais do que uma noite pode esperar.
Completando a equipe, Michelle Fiorucci fez as letras para Zombingo,
e Carol Spinelli ajudou Hector na tradução para o inglês.
Zombingo/(In)Version pode ser adquirida no catálogo
da ComiXPress ou encomendada diretamente ao próprio Hector
Lima. Uma versão eletrônica da revista está disponível por meio do
sistema Pay Pal, por US$ 0,95 dólares, na página do Night Office.
Caso prefira ler a "versão nacional" da história de capa, basta correr
atrás da terceira edição da revista de horror Manticore, na qual
Zumbingo foi
publicada.
O Universo HQ bateu um rápido bate-papo com os integrantes do selo.
Universo
HQ: Depois dos trabalhos publicados nas antologias Commercial Suicide
e a beneficial Just One Page, o Night Office já era uma
idéia pensada? Se não, como esses primeiros trabalhos para o mercado estrangeiro
o levaram a criação do selo?
Hector Lima: As HQs pras coletâneas inglesas aconteceram em separado,
eu já tinha os contatos de um fórum de lá, vi a chance e arrastei o pobre
casal Irapuan e Michelle pros mundos sórdidos do Cavanha (Mangoat)
e Palesteen.
Sempre desejei me publicar, queria minhas HQs na rua. Então, comecei há
vários anos fazendo zines xerocados, todos com tiragens e vidas curtas.
Li caras experientes falando que o melhor jeito de começar como roteirista
é mostrar pros editores algo no papel, uma história completa. Fazer álbuns
seria o caminho pra não perder dinheiro, mas pra isso eu não tinha grana.
Quando conheci o esquema de impressão por demanda da Comixpress
foi o gatilho que eu precisava pra fazer das HQs mini-álbuns, como se
fossem singles de bandas. Ou vai ou racha. E foi.
Não quero ser um editor profissional, com ambições de competir por uma
fatia do mercado (mas não reclamarei se fizer alguma grana assim). Só
pretendo ter um meio pra lançar minhas histórias e aquelas criadas pelos
amigos que compartilham dos mesmos objetivos. E usar isso como currículo
pra trabalhos maiores no exterior e aqui, logo que possível.
UHQ: Essa iniciativa seria capaz de influenciar outros autores nacionais?
Abs Moraes: Vejo a atitude do Hector como algo empolgante, quase
fora das escalas a que me acostumei. Tanto que, quando ele me perguntou
pela primeira vez se eu tinha alguma HQ de terror curta, a resposta foi
um simples e redondo não. Experiências passadas me esfriaram completamente
no que diz respeito a escrever quadrinhos.
A dificuldade de encontrar qualquer pessoa (veja que estou generalizando:
só este ano saíram HQs minhas na Manticore, no Orbital e
no Manicomics, os dois últimos zines muito bem cuidados) disposta
a publicar material de um desconhecido é enorme.
Por isso, o Hector me apanhou num momento de ceticismo total. Apesar disso,
o convite ficou pulsando nos recônditos mais sombrios da minha consciência.
"E se ele conseguir?" era a pergunta que não calava. Conversei com o Jean
Okada a respeito, contei em linhas gerais o plot de (In)Versão
e ele topou desenhar.
Então, escrevi o roteiro em um par de dias, o Jean ilustrou magistralmente
a história em seu tempo livre e completamos o volume de páginas de Zombingo.
Se mais pessoas tivessem a disposição do Hector de brigar por aquilo que
acreditam, eu certamente já teria casa pra Cápsulas, meu projeto
de micro-histórias, cada uma com uma página de nove painéis que formam
um tipo de quebra-cabeças que o leitor deve montar sozinho.
E, se alguém tiver curiosidade de conhecer as tripas de uma HQ, pode ver
os roteiros completos de cada uma das oito (e contando) Cápsulas
no Imakinaria.
UHQ: Irapuan, depois dessa parceria, quais os próximos passos?
Irapuan Luiz: Conheci o Hector no Escritório Noturno. Na
época, eu havia começado meu site e estava atrás de roteiros para desenhar.
Temos vários projetos em andamento, como a one-shot do Major US,
que desenvolvemos na medida do possível.
Pretendemos lançar após eu terminar alguns projetos que estou desenhando
para editoras do exterior. Também vamos fazer algumas HQs que temos prontas
e nunca foram publicadas.
UHQ: A estréia foi com horror ao estilo EC Comics. Quais as
próximas abordagens dos singles?
Hector Lima: Em vez de fazer uma coletânea presa a um só clima,
cada revista terá seu gênero, ou pelo menos gêneros próximos que se misturam
em determinados momentos.
Gostaria de, mais adiante, variar o ritmo dos singles e fazer uma
minissérie que virasse uma graphic, mas vários fatores ainda me
impedem - um deles é não ter o material desenhado. Por isso, não posso
lançar uma revista por mês, como gostaria.
Mas os ilustradores vão sacar que podem se dar bem, como o Irapuan, que
anexou o Zumbingo a seu currículo e hoje é disputado por editoras
americanas. Night Office faz bem ao bolso!
Os próximos singles serão a sátira Mangoat Commando Action Hour
(com a nova versão da HQ que já saiu na Commercial Suicide; mais
Fashion Cop, da dupla Abs e Antonio Eder e outras); Anticorpos,
aventura de ficção científica do Rodrigo Piovezan, com desenhos do Irapuan;
e Executa, ação no submundo do Gabriel Barazal e arte do Léo Andrade
(também responsável por várias obras com o prolífico Abs Moraes).
Isso além dos meus próprios Stevebrain (com Tim Twelves), Mondo
Albino (com Carlos Brandino) e os já "lendários" Despertar Verde
(com Felipe Sobreiro), Um Dia Seco (com Milton Willer) e Agente
O (com Gustavo Goose). Dá pra ver que minhas bandas têm uns músicos
bons pra caramba, né?