Cartunista brasileiro ameaçado por radicais de direita
Você
pode não conhecer o cartunista brasileiro Carlos Latuff. Mas há muita
gente que admira esse carioca de 36 anos, e mais ainda quem o odeia com
todas as forças.
Ao mesmo tempo em que recebe as mais diversas manifestações de apoio,
o artista também é perseguido por intermédio de e-mails ofensivos, cartas
públicas de repúdio e até ameaças de morte em vários países. Saiba agora
o porquê.
Foi em 1997, após assistir a um documentário sobre um levante zapatista
em Chiapas, México, e decidir apoiar artisticamente aquela causa, que
Latuff se tornou um artista militante.
Dois
anos depois, devido a algumas charges que criou em favor dos palestinos,
o cartunista foi convidado pela ONG Palestinian Center for Peace and
Democracy a conhecer os territórios ocupados da Cisjordânia. "O que
vi naquele lugar me convenceu, definitivamente, da necessidade de continuar
meu trabalho de denúncia dos incontáveis crimes de guerra perpetrados
por Israel e sua máquina de guerra 'made in USA' contra toda uma população
esquecida pelos países árabes e o resto do mundo", disse Latuff em uma
recente entrevista concedida à revista
Novae.
A
partir daí, Carlos Latuff passou a empregar sua arte em tiras, charges
e caricaturas contra os Estados Unidos, Israel e até a globalização, participando
ativamente, também, de movimentos e passeatas em torno do planeta contra
esses e outros de seus "desafetos".
Com o efeito de uma bomba, seja em jornais, revistas ou sites, os cartuns
de Latuff são produzidos sem nenhum retorno financeiro, pois, segundo
o artista, os direitos de reprodução foram liberados, posto que seu interesse
não seria nos royalties, mas na propagação de idéias.
Um desses últimos trabalhos, divulgado no mês passado, resultou em retaliação
do Likud, partido radical de direita de Israel. A arte foi publicada
no jornal iraniano Hamshari, que promoveu um concurso de charges
sobre o Holocausto, em resposta àquele similar realizado no
ano passado, na Dinamarca, sobre o profeta Maomé.
O
Likud divulgou uma carta de protesto que, há semanas, também está
circulando no Brasil, já traduzido para o português, em um e-mail de denúncia
contra a perseguição ao artista brasileiro.
Em um trecho do texto, é possível ter uma idéia do quanto Latuff incomoda:
"Em seu site ele aparece numa foto com Leila Khaled, a terrorista que
seqüestrou um avião israelense. Ele é um dos que mais odeiam Israel".
Mais enfático é o parágrafo afirmando que "ele é o 'cabeça' de uma das
maiores indústrias de propaganda e incitamento contra Israel. Ele destila
veneno por toda parte. O dano que ele está fazendo ao país, junto à juventude
mundial, é enorme. Ele é um dos mais influentes anti-sionistas da rede
mundial de computadores, um talento gráfico fantástico e um grande cartunista.
Ele sabe como influenciar através da grande rede. É o campeão da indústria
de maldades iraniana, e seus cartuns participam da galeria de negação
do Holocausto propagado por Teerã".
Ainda
segundo o Likud, esses "cartuns satânicos são publicados em jornais
por todo o mundo e em vários sites da grande rede. Ele (Latuff) abre mão
de direitos autorais e clama as pessoas a usar suas imagens livremente".
"Deveriam ter cuidado desse Carlos há muito tempo, de um jeito ou de outro.
A pergunta é: o que nós devemos fazer e a quem compete essa responsabilidade?",
diz um trecho contundente do manifesto público.
No final do mês passado, o site Comunique-se
divulgou uma resposta da embaixada israelense no Brasil, que não amenizou
a situação: "Israel é um país livre e democrático que respeita a liberdade
de expressão, aberto a críticas e que mantém diálogo com seus críticos.
Infelizmente, os desenhos
do Sr. Latuff são cheios de estereótipos comparáveis aos do sistema de
propaganda nazista, e não com as charges sobre Maomé. Tais desenhos poderiam
ser vistos como ofensivos para o judaísmo e o sionismo".
"É lamentável que o Sr. Latuff escolheu mostrar seu trabalho no concurso
em Teerã, que zomba das vítimas do Holocausto. Da mesma forma que o Sr.
Latuff tem o direito de se expressar, também tem esse mesmo direito o
site do Likud", disse Raphael Singer, Primeiro-Secretário da Embaixada
de Israel no Brasil.
O terreno da política e da religião é uma seara tão delicada que torna
difícil escolher em que lado do campo se posicionar sem colocar na rinha
conceitos como liberdade de expressão, radicalismo ou liberalismo.
Independentemente do que se possa pensar a respeito desse episódio, porém,
a parte ruim é que, mais uma vez, a nona arte foi a causadora de um acontecimento
triste que pode levar a conseqüências ainda mais graves.