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Começa a nova era dos quadrinhos

14 maio 2008

Crise InfinitaNos
últimos anos, muito se leu e ouviu sobre o revival das editoras
Marvel e DC às Eras de Ouro e de Prata dos quadrinhos, em
histórias que mostravam a volta de personagens há décadas esquecidos ou
aventuras cujos elementos cronológicos e conceituais remetiam àquelas
épocas.

Seja pela necessidade de situar os quadrinhos e suas tendências em determinado
intervalo de tempo e contextualizá-los em algum período histórico, ou
apenas para apontar marcos a partir dos quais mudaram-se as formas de
se contar histórias nos gibis, separar a arte seqüencial em eras é uma
das máximas seguidas por qualquer fã de HQs.

Embora comumente não se discuta os títulos das eras de ouro, prata e bronze,
bem como os eventos que marcaram suas transições, há controvérsias sobre
o que veio depois, a ponto de ficar a dúvida: a época atual é chamada
de ferro ou moderna?

Guerra Civil
Nenhuma das duas opções é a correta. Do que poucos se deram conta é que
os quadrinhos acabaram de dar adeus a essa fase e entraram em outra que
promete não dar margem a questionamentos, pelo menos quanto ao nome: a
Era Pós-Moderna.

É o que afirma o jornalista norte-americano Shawn O'Rourke, em artigo
publicado recentemente na revista eletrônica PopMatters.
Para ele, as minisséries Crise
Infinita
(DC) e Guerra
Civil
(Marvel), lançadas nos Estados Unidos entre os anos
2005 e 2007 - no Brasil, foram publicadas no ano passado, pela Panini
Comics
-, marcaram essa transição, cujos primeiros alertas já se pronunciavam
há pelo menos duas décadas.

Para O'Rourke, o estopim foi exatamente o início do que ele agora aponta
como a era anterior, referindo-se à publicação de Watchmen
e O Cavaleiro
das Trevas
, obras que mudaram o conceito dos quadrinhos de super-heróis
ao mandar às favas o maniqueísmo tradicionalmente bem delineado nesse
gênero de HQ e quebrando outros paradigmas a ele relacionados.

Watchmen
Na época, as duas minisséries apresentaram idéias alheias ao que era publicado
mensalmente nos títulos de linha das editoras de super-heróis, vivendo
à parte da continuidade normal. Ou seja, apesar de ditarem "regras" que,
atualmente, parecem já incorporadas, Watchmen e O Cavaleiro das
Trevas
, lançados em 1985 e 1986, respectivamente, esperaram quase
dez anos para ver seus efeitos - alguns deles identificados por muitos
leitores como a transformação do herói Lanterna Verde Hal Jordan no vilão
Parallax e a proliferação dos anti-heróis.

Essa é uma incoerência apontada por O'Rourke para o fato de essas
duas publicações serem aceitas como marcos de uma era.

Por outro lado, de acordo com o articulista, Crise Infinita e Guerra
Civil
redefiniram instantaneamente e de forma mais drástica o universo
dos super-heróis, descontinuando o que estava há muito tempo estabelecido
e incorporando essas mudanças no curso de seus títulos de linha.

Batman - O Cavaleiro das Trevas
"As duas companhias criaram histórias com ramificações espetaculares que
influenciaram a maioria de suas revistas em quadrinhos de modo significante",
escreveu O'Rourke.

O que as editoras Marvel e DC fizeram, entretanto, foi nada
mais do que apagar aquilo que elas próprias ajudaram a construir durante
décadas: ícones da moral cujos princípios estavam acima dos valores mesquinhos
do ser humano comum e serviam de exemplos, muitas vezes, na formação
de caráter
dos leitores.

Pode parecer algo um tanto piegas e "fora de moda", mas funcionava. E
é esse argumento que O'Rourke não explora em seu artigo, ao mesmo tempo
em que indica que a nova ordem veio para ficar.

"A nova raça de heróis está sujeita às mesmas dúvidas, medos e ambigüidades
moralistas que a pessoa comum é forçada a confrontar. Eles não são mais
deuses que vivem entre nós; eles agora são bem mais reais", vaticinou
o articulista.

Guerra Civil
Mas o que se vê, atualmente, não é tão simples assim. Heróis tornam-se
vilões (de fato ou dissimulados) ou absurdamente tão humanos que são exemplos
de como é a realidade, e não de como ela deveria ser - a tal válvula de
escape do mundo real. Resta saber se é isso mesmo que, a
longo prazo
, os leitores querem encontrar nessas histórias.

Um bom indicativo da decantada nova era também pode ser encontrado fora
das duas editoras dos Estados Unidos. Nas aventuras de Spawn,
criação de Todd McFarlane para a Image Comics, o personagem extrapolou
seu próprio conceito de anti-herói.

A origem de Spawn carrega a história de um assassino a serviço da CIA.
Em suas HQs, o contraponto de suas ações criminosas do passado e a condição
de criatura do Inferno era a real busca por redenção. Nos dois últimos
anos, entretanto, por meio de retcons (elementos retroativamente
adicionados à continuidade), descobriu-se que Al Simmons - alter ego do
personagem - espancava a ex-mulher, foi responsável pela morte do filho
ainda na barriga da mãe e matou a sangue-frio uma pessoa na adolescência.

Superboy Primordial
Assim, da mesma forma que personagens como o agora mau-caráter Homem de
Ferro e o psicopata Superboy Primordial ganharam a antipatia de muitos
leitores em Guerra Civil e Crise Infinita, o atormentado
Spawn entrou nessa incômoda lista.

Há quem argumente que as transformações
da sociedade
são os principais motivos das mudanças de abordagem das
histórias de super-heróis. Se assim for, o mundo anda realmente muito
assustador.

Em toda essa discussão fica clara a imposição dos quadrinhos de super-heróis
nos ditames de influências e marcos de eras. Entretanto, como sobriamente
destaca o Dr. Peter Coogan em seu livro The Secret Origin of the Superhero:
The Emergence of the Superhero Genre in America from Daniel Boone to Batman

(A Origem Secreta do Super-herói: O Surgimento do Gênero Super-herói
na América, de Daniel Boone a Batman
), lançado em 2002 nos Estados
Unidos, apenas a Era de Ouro pode ser aplicada aos quadrinhos em geral,
pois todas as outras se referem exclusivamente às HQs de heróis fantasiados.

Então, nada mais justo que incluir os quadrinhos infantis na Era Pós-Moderna.
E para buscar exemplos da humanização dos personagens e sua aproximação
com o cotidiano dos leitores mirins, não é preciso ir muito longe.

Afinal, no Brasil, o primeiro sutiã e outros assuntos antes considerados
tabus em gibis para crianças eram abordados com freqüência nos recém-cancelados
gibis Menino Maluquinho e Julieta.

Magali
Na Turma da Mônica, desde muito antes de qualquer suposta influência
das infinitas crises e guerras civis dos super-heróis, são produzidas
histórias sobre pais separados, conflitos de gerações e até mesmo escatologia
moderada.

Como um sinal dos novos tempos, no ano passado os leitores dos personagens
de Mauricio de Sousa foram surpreendidos e se divertiram com uma aventura
em que Magali se dava conta de que o gato Mingau andava, segundo suas
próprias palavras, "com o fiofó à mostra" - o animal ainda teimava em
exibir essa particularidade anatômica, sem pudor, em destaque no quadro.

Ainda na década passada, na Saga do Tio Patinhas, o velho pato da Disney protagonizou um épico em que o drama familiar foi o pano de fundo e sentimentos humanos como remorso e egoísmo envolveram os personagens sem nenhum teor caricato.

Na premiada minissérie escrita e desenhada por Keno Don Rosa, Tio Patinhas vai à berlinda com os leitores na polêmica passagem em que, graças a sua ambição sem limites, é responsável pela destruição de uma aldeia na África, fato que, anos depois, é lembrado e desaprovado por sua irmã em um emocionante diálogo, na impressionante história Uma carta de casa.

Para saber um pouco mais sobre as eras dos quadrinhos, confira a discussão
sobre o assunto que o Blog Universo HQ realizou há cerca de dois
anos.

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