Entrevista: Helcio de Carvalho e a "revolução editorial" da Panini
Helcio de Carvalho está confiante.
Faz uma semana que a Panini Comics anunciou como será a "revolução editorial" prometida para a sua linha de super-heróis.
E não foi uma semana que possa ser chamada de tranquila.
Logo de cara, as novidades não pegaram bem para boa parte dos leitores que se manifestaram na internet. Alguns até elogiaram e apoiaram, mas muita gente malhou as escolhas da editora, inclusive este jornalista.
Helcio é diretor da Mythos, casa que, além de um selo próprio, presta serviços para a Panini, editando algumas linhas de quadrinhos, inclusive a de super-heróis. Mais que isso: trabalha como editor de super-heróis há 30 anos.
Foi ele quem veio a público falar pela Panini depois da divulgação - e da primeira leva de críticas. Em uma entrevista ao site Omelete, Helcio deu explicações sobre a mudança.
Falou da necessidade de fazer revistas com preços mais baixos e mixes melhores, dos constantes atrasos, dos preços salgados dos especiais, de scans, de títulos abandonados.
Nos comentários do próprio site, limitados apenas a usuários cadastrados, alguns
leitores voltaram a defender a mudança. E dezenas de outros o criticaram mais
uma vez.
Esta entrevista com Helcio de Carvalho foi realizada em duas rodadas de e-mails. O ponto de partida foi a própria explicação publicada no Omelete, que abriu novas frentes na polêmica da "revolução". Ao longo do processo, algumas observações do público foram incorporadas.
Abaixo, o leitor encontrará detalhes ainda não comentados. Helcio diz, por exemplo, que as revistas de 144 páginas trarão "arcos fechados, mas ainda poderão dar vazão a spin-offs e outros materiais importantes", algo que não estava na divulgação original e era um dos apelos dos leitores.
Fala também de leitores que enviam cartas manuscritas, mas você também verá que Helcio volta a repetir coisas que já havia dito ao Omelete, por mais que alguns leitores tenham contestado suas declarações.
Nada mais natural. Afinal, o editor mostra-se confiante.
Universo HQ: De onde saiu o dado da idade média dos leitores? Há uma pesquisa ou é apenas mais uma estimativa? Há uma série de conclusões sobre o público brasileiro de quadrinhos na entrevista do Omelete e, se há um dado concreto, que ultrapasse a experiência, seria bacana se você comentasse.
Helcio de Carvalho: O que foi colocado sobre nosso público tem como base nosso extenso cadastro de leitores.
UHQ: Se o leitor costuma comprar "quase todas as revistas", por que aumentar o preço total para esse público? Afinal, pelo tom da conversa, fica a impressão de que ele é o mais importante. Como essa lógica fecha?
Helcio: A maioria dos leitores compra as revistas que curte mais. Seleciona pelo mix. Com a mudança, esses fãs serão amplamente beneficiados. Apesar de uma parcela comprar tudo, ou quase tudo, com a redução de preços, pretendemos alcançar leitores para os quais R$ 6,50 é muito mais atraente do que R$ 7,90.
E ainda sobre a questão "preço", a Panini tem se esforçado constantemente para tornar seus produtos acessíveis ao maior número possível de leitores.
Nunca é demais lembrar que não aumentamos nossos preços entre 2005 e 2008 (todos os custos desse período foram absorvidos sem repasse!). Atuo no segmento de quadrinhos desde 1972, como editor de super-heróis desde 1979. Já vi de tudo nesse mercado e posso dizer que nunca se publicou tantos produtos de tão boa qualidade e com preços tão acessíveis a todos os gostos e bolsos.
UHQ: Se a intenção é agradar os fãs, quais serão os mixes dos títulos de 144 páginas? Ter uma revista com espaço para tantas séries não é uma contradição em relação à frase "Então, ao reduzirmos a estrutura das revistas para três histórias por edição, estamos deixando o mix mais de acordo com o que o leitor aprecia"?
Helcio: Contradição nenhuma. As revistas com três histórias ficaram mais enxutas e concentrando personagens de maior aceitação.
As de 144 páginas servirão para abrigar arcos completos de aventuras e receber materiais diversos pós-mudança, atendendo os fãs que quiserem ler o maior número possível de histórias.
E, no caso da DC, quando A noite mais densa estrear, essas revistas terão um papel ainda mais importante.
UHQ: Então, as revistas de 144 páginas privilegiarão arcos fechados? No comunicado da Panini, fala-se em revista mix, sem nenhuma diferenciação. Pode dar mais detalhes a respeito da estrutura dessas revistas?
Helcio: As revistas maiores trarão arcos fechados, mas também poderão dar vazão a spin-offs e outros materiais importantes.
UHQ: Já faz anos que a Panini deixou de publicar especiais que não tivessem arquivos digitais disponíveis - há muitas menções a essa mudança nos fóruns da Panini e nas próprias revistas. Quais atrasos dos últimos dois anos são justificados por essa desculpa? Qual a razão para o atraso de, por exemplo: Homem-Aranha: Com grandes poderes..., Coleção Batman 70 Anos, Liga Extraordinária, todas as edições da revista Vertigo, Os Perdedores, Loveless e Marvels II?
Helcio: Vale dizer que atrasos não são bons para ninguém, principalmente para uma editora, e muitos escapam totalmente ao nosso controle.
Relacionando os problemas com as edições citadas: Homem-Aranha: Com grandes poderes... - Produto impresso fora do Brasil. O atraso na remessa de algumas edições da coleção impossibilitou o lançamento na data prevista e anunciada. Mas, felizmente, todas chegaram, tanto que Homem-Aranha já foi lançada.
Coleção Batman 70 Anos - Atraso em arquivos digitais de duas das quatro edições. Ambos estavam com defeito. Tivemos de reajustar a data dos lançamentos.
Liga Extraordinária - Problemas com arquivos digitais corrompidos e demora na aprovação do material junto ao licenciante.
Edições da revista Vertigo - Demora na aprovação junto ao licenciante.
Os Perdedores - Demora na aprovação junto ao licenciante.
Loveless - Demora na aprovação junto ao licenciante.
Marvels II - Atraso nos arquivos digitais. Vale dizer que estamos dando passos importantes para evitar essa questão no futuro, com novos e diferentes procedimentos cada vez mais adequados ao timing de cada licença.
UHQ: Olhando os custos de comprar quadrinhos hoje, parece correto dizer que se tem um leitor com razoável poder aquisitivo. Cruzando com os dados de penetração residencial de internet no Brasil, fica difícil enxergar quem é esse leitor com algum poder aquisitivo entre 15 e 35 anos que não tem acesso à internet, a que você se referiu na resposta ao Omelete. Quem é esse leitor que lê quadrinhos e não tem computador? O quanto ele é representativo para a editora?
Helcio: O leitor de maior poder aquisitivo mesmo costuma, além de comprar revistas em bancas, ir a livrarias e adquirir produtos de luxo, com qualidade gráfica diferenciada e preço maior.
A maioria dos leitores vai à banca em busca do que gosta, e os demais compram todos ou quase todos os títulos.
Uma parte considerável de nossos leitores não tem internet para se informar sobre o que saiu ou não, ou baixar scans. Eles são colecionadores, que querem suas revistas impressas para guardar. Os que costumam nos escrever por carta, muitas vezes à mão.
UHQ: A propósito, se há muito leitor brasileiro não tem acesso à internet, por que a Panini foca tanto a divulgação da linha de super-heróis na grande rede, a ponto de mal mencionar a "revolução" nas revistas Superman e Batman deste mês?
Helcio: Porque seria um absurdo não usar a internet como forma de divulgação nos dias de hoje.
Pela internet, divulgamos informação a veículos impressos, a organizadores de feiras de quadrinhos, aos leitores que têm acesso a computador etc. (esses podem ter contato com quem não possui computador e informá-los pelo boca a boca).
Quanto a Superman e Batman, nós produzimos revistas com certa antecedência. Nem todos os detalhes da mudança estavam definidos quando ambas foram impressas.
UHQ: Há um dado interessante quando você diz que "a grande maioria dos leitores que vão a um site comentar algo sobre quadrinhos (como aconteceu em relação à divulgação das mudanças editoriais da Panini) são leitores de scans e afirmam que já não leem HQs impressas". Isso chega a ir de encontro à opinião dos nossos leitores, em enquete (sem valor científico) que fizemos, que reclamam de pagar mais caro para ler a mesma revista com menos quadrinhos. Onde estão esses leitores que alegam tão veementemente não ler as revistas da Panini em detrimento do scan?
Helcio: Lendo os comentários nos sites que falam sobre a mudança, fica claro que o padrão dos leitores dizendo que não vão comprar as revistas e que continuarão baixando scans se repete.
Se isso não tem valor científico, pelo menos fornece uma amostragem do perfil desses leitores. E fica evidente que eles não sofrerão nada com as mudanças, já que só baixam scans - um meio ilegal de copiar propriedades cujos direitos de reprodução são facultados apenas a quem paga por eles, como é o caso da Panini.
UHQ: Vários leitores que compram as revistas e não baixam scans não gostaram das mudanças, pois se queixam de não estarem sendo ouvidos. Para eles, o discurso pareceu ser: os leitores que reclamavam eram os que baixavam. Qual a atenção que essas críticas estão recebendo?
Helcio: Nós sempre vamos estar atentos a críticas construtivas, que tenham fundamento real. Anos atrás, eu tinha um carro Corcel II. Decidi trocá-lo antes que ele se desmanchasse e o vendedor de uma loja de veículos me ofereceu um Fiat Tempra, mais novo e mais caro.
Olhei para o carrinho, desconfiado, e disse para o paciente vendedor que achava que não ia gostar do tal Tempra. Ele respondeu: "Entre e experimente dirigir".
Meio ressabiado, saí para dar uma volta com o carro. Quando voltei, fechei negócio na hora. Não senti a menor saudade do Corcel II.
Existe uma frase em neurolinguística que diz: "mesmos caminhos levam sempre aos mesmos lugares". Em um mundo cada vez mais veloz e dinâmico, quem segue sempre os mesmos caminhos está fadado à estagnação.
Acho importante lembrar que a Panini não faz revistas para si mesma, mas para cada um dos leitores que está conosco nessa quase uma década de aventura - período no qual tantas mudanças positivas aconteceram.
Quem pode dizer que a Panini não revitalizou um segmento que, segundo alguns, estava fadado a desaparecer "em no máximo dois anos"? Já se passaram oito!
A Panini trouxe o leitor para perto de si, criou diferentes mecanismos de comunicação, segurou preços quando todo mundo reajustava, ampliou sua linha de publicações exponencialmente (a editora anterior lançava mensalmente apenas três títulos Marvel e dois DC!), ofereceu opções de revistas nunca antes sonhadas, ampliou um segmento de quadrinhos para livrarias que apenas engatinhava, assumiu a liderança em mangás, tornou-se a maior editora de quadrinhos da América Latina.
Com um histórico desses, será que não merecemos um voto de confiança por parte do leitor?
UHQ: Você já teve acesso à loja da Marvel no Ipad? Se sim, o que achou?
Helcio: Ainda está em fase de testes nos Estados Unidos. Pode reparar que, por enquanto, não são tantos lançamentos assim e, em nosso país, deve demorar para essa onda pegar (veja o caso do Kindle).
Se isso vai mudar o hábito de leitura do brasileiro, só esperando para ver. De qualquer maneira, as novas mídias estão sendo devidamente monitoradas e, no momento certo, serão aproveitadas.
UHQ: Como detentora dos direitos internacionais da Marvel, a Panini deve tomar alguma medida para restringir a venda de quadrinhos digitais Marvel no mercado internacional, como é o caso da loja da editora no Ipad, já utilizada por leitores brasileiros?
Helcio: Não, a Panini não tem poder para intervir nesse tipo de ação.
UHQ: Você disse ao Omelete: "A Queda do Morcego - Volume 2 não foi lançado ainda porque, quando lançamos o primeiro volume, o segundo ainda não tinha sido publicado pela DC. Em breve, lançaremos a continuação aqui no Brasil. É só aguardar". Em seguida, completa "O mesmo vale para Starman - Volume 2". É curioso, uma vez que, pela lógica, o segundo volume de Starman é justamente a segunda metade do mesmo encadernado de que saiu o primeiro. Você poderia explicar, então, por que o segundo volume dessa série ainda não foi sequer anunciado?
Helcio: Como você já deve ter apurado, visto que é um jornalista bastante atento, a Panini programou diversos lançamentos para livrarias, o que tornou necessário frear alguns.
Dosar lançamentos é como dosar remédio - muito pouco, é ineficaz. Em demasia, pode trazer sérios efeitos colaterais.
Se fôssemos colocar nas livrarias ou em bancas tudo que planejamos ou que os leitores pedem, haveria um excesso de oferta que, com certeza, afetaria o desempenho de todos.
UHQ: A promessa de continuar Starman é referente apenas ao volume 2 ou vale até o fim da série?
Helcio: A intenção, claro, é publicar tudo, mas sempre vamos depender de fatores externos e principalmente da resposta dos leitores.
UHQ: Como ficam outras coleções incompletas pela Panini, como Batman - Preto & Branco, Seton, Blacksad e XIII? Elas serão continuadas?
Helcio: Blacksad continha histórias fechadas que não exigiam a publicação de todos os volumes. XIII é um caso que estamos estudando. Ainda é cedo para falar sobre Batman Preto & Branco 2 - temos outros materiais na fila que exigem mais atenção neste momento. Seton foi descontinuado por não atender às expectativas de vendas.
É importante lembrar que, por mais que a Panini queira publicar revistas, livros, mangás, graphic novels etc., muitas vezes a resposta de vendas simplesmente inviabiliza comercialmente determinado produto.
Quem em sã consciência pode exigir que uma empresa comercialize alguma coisa para ter prejuízo?
UHQ: Essa mudança é decorrente de uma queda constante nas vendas das revistas nos últimos meses, como apontam lojistas de quadrinhos?
Helcio: Não existem "quedas constantes" nas vendas e é discutível se as lojas de quadrinhos, cujo número infelizmente é pequeno demais em nosso país, são tão representativas para o mercado como um todo.
Hoje, as publicações em geral sofrem com a concorrência de games, DVDs, internet e demais formas de entretenimento. Dar uma boa mexida no mercado e apresentar novos caminhos nos parece uma maneira saudável de chamar a atenção dos leitores e mostrar que não estamos acomodados em relação às dinâmicas do mercado.
UHQ: Por que esse movimento foi chamado de "revolução"? O que ele tem de revolucionário?
Helcio: Se você pega uma linha inteira de revistas publicadas de determinada maneira ao longo de anos e, de repente, altera estruturas, títulos, mix de histórias, opção de acabamento gráfico - da maneira que estamos fazendo - e ainda por cima reduz preços, dando mais opções para o leitor, o termo revolução parece, no mínimo, adequado.
UHQ: A Panini está priorizando o corte de quais séries na mudança?
Helcio: Aquelas que não tinham muita aceitação entre os leitores.
UHQ: A Panini assume o compromisso de encerrar a série Sandman - Edição Definitiva, inclusive com o volume dedicado às minisséries da Morte? Qual o prazo para a edição final?
Helcio: Ainda é cedo para dizer. As edições definitivas de Sandman estão em nossos planos, claro, assim como uma série de outros lançamentos direcionados a livrarias.
Quando tivermos uma informação mais detalhada, ela será divulgada. Afinal de contas, estamos falando de Sandman.
UHQ: Pra encerrar: você está confiante nessa mudança? Quer mandar uma mensagem pros leitores?
Helcio: Qualquer mudança gera apreensão. Foi assim quando, anos atrás, saímos do formato maior (chamado de "Formato Panini") e adotamos o americano para toda a linha de revistas.
Também ocorreram manifestações fortes quando mudamos o papel das revistas para Pisa Brite.
Com o tempo, a maioria acabou entendendo a sensatez desses dois movimentos. Até agora, ninguém viu uma só revista pós-mudança.
Não seria mais prudente se os leitores de ânimo mais acalorado, que estão criticando o movimento, aguardassem as revistas de maio para ver como ficaram (em especial o mix de histórias de cada uma) e só então, objetivamente, levando em conta todas as explicações dadas, tirarem suas conclusões?
Volto a dizer que o norte desse movimento foi reestruturar as duas linhas para torná-las acessíveis a um número maior de leitores.
* E você, o que achou das declarações de Helcio de Carvalho? Comente no Blog do Universo HQ