Mais uma obra de Ângelo Agostini é resgatada
"Brasileiro
não tem memória". Esta frase é bastante famosa, mas, felizmente, essa
história vem mudando há alguns anos, pelo menos no que tange aos quadrinhos.
Depois de, em 2002, o Senado Federal lançar o fantástico álbum
As
Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros
1869-1883, agora a Edusp, em parceria com a Academia Brasileira
de História e apoio do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE,
resgata outra jóia do pioneiro da nona arte no Brasil.
Trata-se de uma belíssima edição fac-similar que reproduz todos os números do Diabo Coxo (formato 18 x 23 cm, 216 páginas, R$ 65,00), o primeiro jornal ilustrado da cidade de São Paulo, que circulou em 1864 e 1865.
Este é o primeiro livro da coleção Ad Litteram: São Paulo em Fac-símile, que trará 36 reproduções fac-similares de folhetos, periódicos e peças teatrais cujos originais são raros. Uma iniciativa que merece ser louvada, pois contará fatos marcantes dos 200 anos da Impressão Régia do Rio de Janeiro, que serão completados em 2008 - o órgão foi fundado em 1808, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil.
O Diabo Coxo saía aos domingos, tinha 18 x 26 cm e oito páginas - quatro de ilustrações e quatro de texto. A publicação é um retrato do reinado de D. Pedro II. Os textos são do abolicionista e republicano Luís Gama (1830-1882) e de Sizenando Barreto Nabuco de Araújo (1842-1892), irmão de Joaquim Nabuco (1849-1910).
Os desenhos são do italiano Ângelo Agostini (1842 ou 1843-1910), que se tornou famoso por seu trabalho posterior na imprensa do Rio de Janeiro e por sua militância em prol da República.
O
nome Diabo Coxo remete a um tema que, a partir do século 17, tornou-se
recorrente na literatura européia: a figura do demônio que tem o poder
de ver através das paredes para acompanhar o que as pessoas fazem. Daí
surgiu a idéia da publicação, que retratava e satirizava a sociedade da
provinciana São Paulo, com seus 20 mil habitantes e vida cultural opaca.
Nos textos, retratos e caricaturas são sobre os personagens da cidade, como os estudantes de Direito, o fiscal, político ou o amolador. E os temas que mobilizavam São Paulo: o café, o teatro, a inauguração da estrada de ferro até Santos e o cruel alistamento de soldados para a Guerra do Paraguai. E tudo com o português da época. A leitura é, no mínimo, curiosa.
Naqueles tempos, a fotografia já existia, mas era pouco usada em jornais. Por isso, a novidade da ilustração causou grande impacto. "Os leitores afoitos acotovelavam-se diante da Litografia Alemã para adquirir o número inaugural de 2 de outubro de 1864. Foi um pandemônio! Um atropelo! Foi o diabo!", registrou o próprio Agostini, numa caricatura.
Mas este livro só "saiu do forno", graças à cooperação da Biblioteca Municipal Mário de Andrade, que emprestou os exemplares da única coleção completa da publicação para serem fotografados e reproduzidos.
Numa justíssima homenagem, a edição apresenta um esclarecedor texto introdutório do professor Antonio Luiz Cagnin, autor de vários livros sobre quadrinhos e especialista na obra de Agostini. Vale mencionar duas frases que demonstram a importância do "pai" da HQ brasileira: "O mais brasileiro dos brasileiros", Joaquim Nabuco; e "Só lhe conhecemos uma vaidade, a de não ter precisado nascer nestas paragens do Cruzeiro do Sul, para ser um dos primeiros, dos mais beneméritos brasileiros", José do Patrocínio.
Esta série é coordenada pela professora do departamento de História da USP Ana Maria de Almeida Camargo.