Marvel censura seu próprio material em reimpressões de Drácula
Numa
reedição recente das aventuras do Conde Drácula, a Marvel Comics,
que na década de 1970 e 1980 publicava diversos títulos de horror, censurou
seu próprio material, eliminando quadros de conteúdo mais erótico.
Para tentar entender esse fato bizarro, é necessário fazer um pequeno
regresso ao passado dos quadrinhos norte-americanos.
Nos Estados Unidos há exemplos históricos de censura que quase destruíram
a indústria, como na década de 1950, quando uma subcomissão do senado,
encarregada de discutir a delinqüência juvenil e liderada pelos senadores
Robert C. Hendrickson e Estes Kefauver, investigou a violência e o sexo
nos quadrinhos.
Foi este episódio que celebrizou Fredric Wertham, o autor do polêmico
livro Sedução dos Inocentes, publicado em 1953.
Em 1954, a Comics Magazines Association of America respondeu
às pressões públicas e governamentais com a criação do Comic Code
Authorithy, que na prática virou um órgão censor de quadrinhos.
O código em seu primeiro momento proibia na prática a publicação de revistas
com cenas de violência explícita, horror grotesco e sexualidade.
Seus artigos exigiam que o bem vencesse o mal, que o crime não fosse mostrado
de maneira a criar a simpatia dos leitores, e que fosse ilustrado de maneira
sórdida. As autoridades governamentais, como policiais, não podiam ser
ridicularizadas ou desrespeitadas.
Cenas de tortura e outras formas de violência explícita, particularmente
no uso de armas de fogo e facas, também estavam fora de questão. Crimes
como seqüestro não podiam ser publicados em detalhes e seus executores
deveriam ser punidos nas histórias.
O código ainda proibia o uso das palavras horror ou terror nos títulos
das revistas. Também estavam vetadas cenas sanguinolentas, libidinosas
e sexuais, além de depravações, incluindo o sadismo e o masoquismo.
Lobisomens, mortos-vivos, espectros, fantasmas, canibalismo, vampiros
e vampirismo estavam proibidos.
Obscenidades e xingamentos não podiam fazer parte dos diálogos e o nudismo
e a indecência absolutamente vetados. As mulheres deveriam ser desenhadas
de maneira razoável, sem exagerar seus atributos físicos.
Para finalizar, o código proibia inclusive propaganda de tabaco, facas,
fogos de artifícios, nudismo, pin-ups e bebidas.
Com isso, a ótima editora EC Comics, o caso mais notório,
que publicava revistas de horror, de crimes e aventuras policiais, faliu.
Apenas a revista Mad, sobreviveu. Para isso, mudou do
formato comic para o formato usado hoje em revistas como Veja,
escapando do código numa tecnicalidade. Atualmente, a Mad
pertence à DC
Comics.
Naquela época, o horror, os policiais, faroestes e a guerra estavam em
alta e os super-heróis em baixa. Editoras como Marvel, DC, Archie
e outras lutavam para ganhar terreno. Quando o código entrou em vigor,
estas companhias se revitalizaram e reavivaram seus heróis.
Mas toda essa censura resultou, na década de 1960, no surgimento das publicações
underground (Zap
Comix, por exemplo) e do surgimento de uma importante "cena"
independente na América.
Entre os artistas que surgiram neste período estão Vaughn Bode, Robert
Crumb, Rick Griffin, Bill Griffith, Trina Robbins, Gilbert Shelton, Art
Spiegelman e outros.
O material desta turma era publicado e distribuído sem a aprovação ou
o selo do Comic Code Authority.
Em 1971, o departamento de educação e saúde do governo norte-americano
pediu à Marvel,
e a Stan Lee, que produzisse uma história com o Homem-Aranha sobre o problema
das drogas.
Num caso de burrice misturada com bizarrice, o Comic Code Authority
vetou a história, que hoje é considerada um clássico do Aracnídeo, e foi
publicada num arco de três partes, entre maio e julho de 1971, em Amazing
Spider-Man # 96 a # 98, sem o selo do código
e com total autorização de Martin Goodman, o fundador da Marvel,
que naquela época tinha o cargo de Publisher.
As histórias foram um enorme sucesso e, depois disso, o Homem-Aranha voltou
a usar o Código em suas histórias normalmente. Esse episódio forçou uma
revisão do Comic Code, que passou a permitir diversas liberdades,
inclusive o uso de narcóticos para mostrar o vício.
Nesta revisão também "rodaram" restrições contra Drácula, Frankenstein
e outros personagens do horror literários, desde que usados no mesmo tom
de suas obras originais. Os zumbis como não faziam parte desta categoria
continuaram restritos.
Esta não
foi a única vez que a Marvel se opôs ao Código,
quando lhe foi comercialmente conveniente.
Recentemente ela trocou o Comic Code Authority pelo seu
próprio código de ética, durante o período que era comandada por Bill
Jemas e Joe
Quesada. A editora explicou as novas
regras para suas revistas e criou uma linha de quadrinhos
adultos.
Com o sucessivo abrandamento do Código (e com o uso de
vários artifícios para burlá-lo), que ficava cada vez mais arcaico, o
sangue, o horror e a nudez voltaram, ainda que de forma mais branda.
Esta mudança permitiu que as editoras voltassem a investir no horror e
a "Casa das Idéias lançou uma avalanche de revistas, tanto no formato
chamado americano, como no Veja, em preto-e-branco.
Cena original |
Cena censurada |
Drácula aparecia em títulos como Tumba
de Drácula e Dracula Lives, Morbius, Satanna e Lilith se
revezavam nas páginas de Vampire Tales. Frankenstein era a estrela
de Monster of Frankenstein e, em pouco tempo, até a Múmia e Simon
Garth, o Zumbi, tiveram suas revistas.
Da mesma maneira que ressurgiu, esta segunda onda de horror foi embora.
O momento havia passado para os leitores. Mas agora, 30 anos depois deste
período, o material voltou à moda e está sendo resgatado pela Marvel,
o que finalmente nos traz à polêmica atual (bastante discutida no blog
The
Groovy age of Horror)
No quarto volume da série Essential Tomb of Drácula, publicado
este ano, os leitores constaram que a editora havia censurado as artes
originais, modificando o desenho das artes dos quadros que mostravam cenas
de nudismo, erotismo, ou violência somada à nudez.
Mais precisamente, foram modificadas páginas preto-e-branco de Tomb
of Dracula # 5, formato magazine, (não confundir com a revista de
mesmo nome Tomb of Dracula, colorida e em formato americano),
de junho de 1980.
A história foi escrita por Roger Mckenzie e a arte é de Gene Colan. O
editor-chefe na época era Jim Shooter. Tomb of Dracula Magazine
era publicada, assim como outras neste formato (magazine, preto-e-branco)
sem o selo do Comic Code, e teve apenas seis edições.
Já a revista Tomb of Dracula, mensal e em formato americano,
era colorida e saia bem comportadinha com o selinho da "censura".
Foram censurados diversos quadros nos quais as mulheres apresentavam seios
nus ou outros detalhes anatômicos eram sugeridos, como é possível ver
nas ilustrações deste artigo. Só o sexo e o nudismo foram
censurados. A violência e o sangue, continuam todos intactos.
Embora este esteja sendo o caso mais comentado, também houve alterações
no Essential Tomb of Dracula # 3, que reimprime os números a
1 a 4 da Tomb of Dracula em formato magazine.
Cena original |
Cena censurada |
Puritanismo?
Talvez, mas é mais provável que seja uma estratégia de vendas. Afinal,
os Estados Unidos toleram uma boa dose de violência, mas ao menor sinal
de perigo sexual para suas "crianças", lançam mão do "proibido para 18
anos", tarjas pretas e outras formas de censura e restrição.
A resposta para esta autocensura da editora parece estar no seu próprio
código de classificação etária.
Classificá-la com um título adulto e, portanto, mais restritivo, tiraria
este encadernado de muitas livrarias e outros pontos de vendas alternativos,
como drogarias e supermercados, pois muitos deles não distribuem material
"para leitores maduros".
Hoje, estes pontos totalizam um número até maior do que o de comic
shops atingidas pela distribuição da Diamond Comics.
Segundo um artigo em inglês no site Wikipedia, sobre
o verbete Essential Marvel Comics, a editora afirmou oficialmente
que foi uma estratégia de vendas necessária para não prejudicar o faturamento,
mesmo que para isso sofra críticas dos leitores.
O Universo HQ já publicou diversas notícias sobre o assunto
da censura nos quadrinhos, caricaturas e desenhos animados. Confira alguns
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