Pai e filho brasileiros participam de edição comemorativa da Heavy Metal
Entre
os meses de fevereiro e março de 2007, uma das publicações mais apreciadas
do universo da ficção científica comemora 30 anos de existência. Trata-se
da versão americana da revista francesa Métal Hurlant, mais conhecida
do público como Heavy Metal Magazine; e que estreou no ano de 1977
sob a batuta do editor Leonard Mogel.
Ao longo de sua história, a revista contou com a participação de diversos talentos da Nona Arte. Passaram por suas páginas, por exemplo, figuras como os artistas europeus Enki Bilal e Moebius e o norte-americano Richard Corben. Hoje, a publicação é comandada por Kevin Eastman, co-criador das Tartarugas Ninjas.
A edição comemorativa traz uma surpresa para os leitores tupiniquins: a participação de dois artistas brasileiros. Mais do que isso: são pai e filho, respectivamente desenhista e colorista de uma das histórias, que integram o elenco de colaboradores desse número especial.
Milton Sobreiro é diretor de arte, ilustrador e pintor. Ele reside na capital do país, Brasília, onde atua no ramo publicitário. Living Morpheus, história curta escrita por R. G. Llarena e integrante da edição comemorativa, é sua primeira experiência no mundo das histórias em quadrinhos. Felipe Sobreiro, no entanto, não pode ser considerado necessariamente um novato.
Como seu pai, ele reside em Brasília, trabalhando com ilustração e fazendo alguns bicos na área de tradução. Durante 14 anos, viveu em Bogotá, Colômbia, retornando ao Brasil apenas em 2000. Foi no ano posterior que ele ilustrou sua primeira história em quadrinhos, roteirizada por Jaime Román Collado e lançada em espanhol. Depois disso, colaborou com escritores como Andrew Dabb, Alex de Campi, R.G. Llarena e C.G. Campillo. Participou de antologias, como a britânica Commercial Suicide e a latina Urban Dreams.
O Universo HQ entrou em contato com Felipe e seu pai para um pequeno bate-papo sobre essa experiência em família. Confira a seguir.
UHQ: Seu debute nos quadrinhos foi em 2001. De lá para cá, além de ter estabelecido laços com autores latinos, europeus e americanos, você teve histórias publicadas em antologias em espanhol e inglês. Como foi que tudo começou?
Felipe: Tudo começou pela Internet. Faz uns seis anos conheci virtualmente o escritor espanhol Jaime Román, que me introduziu em vários fóruns de autores de quadrinhos de língua espanhola, principalmente do México. E com o tempo fui fazendo amizades com outros desenhistas e escritores, e desenvolvendo idéias, inicialmente na rede, mas depois efetivamente em antologias e revistas.
UHQ:
Como surgiu a oportunidade de participar da edição comemorativa da Heavy
Metal?
Felipe: Há mais de um ano eu e o R.G Llarena (o autor de Living Morpheus) queríamos fazer alguma HQ em conjunto. Comecei a desenhar uma graphic novel de ficção que ele escreveu, mas desde antes ele me havia oferecido uma historinha curta, que eventualmente meu pai desenhou e eu colori. Na verdade, não surgiu nenhuma oportunidade por parte da revista, nós somente fizemos e mandamos pro endereço que eles fornecem para "submissions". Depois de umas semanas, eles mandaram um e-mail: estavam interessados.
UHQ: Seu pai assumiu o lápis e você, as cores da história. Qual a sensação e o resultado desse trabalho em família?
Felipe: Eu sempre admirei muito o trabalho do meu pai, sou seu fã número um. Fora toda a influência no meu trabalho em si. Foi graças a ele que conheci, na infância e na adolescência, Moebius, Will Eisner, Hergé e outros. Ele nunca havia feito quadrinhos, então eu o convenci de desenhar o Living Morpheus. Adorei a experiência, porque pela familiaridade se gera um diálogo muito sincero, e o resultado do trabalho ganha muito com isso.
UHQ: Milton, esse é o seu primeiro trabalho com quadrinhos. Como foi a experiência de trabalhar nessa mídia? E tendo seu filho como parceiro?
Sobreiro: Primeiro, parece que não é. Sempre fui quadrinhista. De certo modo. Quando menino e impulsionado por então nascentes pendores artísticos, já garatujava personagens de quadrinhos em todos os papéis que encontrava, inclusive nos cadernos escolares, sendo agraciado aí com os primeiros zeros da minha vida. Adulto, como publicitário, tenho que me expressar por meio de imagens e legendas, nos anúncios e filmes.
Como ilustrador, assim como na pintura, a legenda está implícita. E como vitralista me deparava com problemas de composição interessantes, como enquadrar as multidões do Sermão da montanha numa janela estreita e vertical. O quadrinho, agora, é uma releitura prazerosa dessas experiências. O Felipe, meu filho, além de me introduzir, amavelmente, aqui, é um incrível "splash" nesta aventura.
UHQ:
Você trouxe algo de sua experiência profissional - seja com publicidade,
ilustração ou mesmo pintura - para o processo de criação das páginas?
Como foi conciliar isso?
Sobreiro: A primeira resposta quase responde, também, a segunda pergunta. Acrescento, aliás, que a conciliação já estava pronta, porque penso que a minha bula é composta de ingredientes indissociáveis e pertinentes para enfrentar esta agradável tarefa. Desculpe a imodéstia.
UHQ: Qual a sua relação com as histórias em quadrinhos antes desse trabalho? De mero observador ou leitor?
Sobreiro: Olha aí a primeira resposta: aquelas garatujas de que falei, eram os Tarzans e Valentes de (Hal) Foster! Os Flash Gordons e Rip Kirby de Raymond! Terry e Canyon do meu xará Cannif! Mandrake e o Fantasma, Li'l Abner, Red Ryder, Brucutu, Popeye, Mutt & Jeff, Dick Tracy, Shazam, Namor, Tocha Humana e os outros super-heróis etc. Enfim, sou um aficionado! E estou excitado com este novo desafio.
UHQ: Essa foi a primeira colaboração entre pai e filho, e parece que não será a última. O que vocês podem nos adiantar da graphic novel que estão preparando para sair no México, pela editora Caligrama? Do que se trata?
Felipe: Bom, é uma historia de ficção científica. O título ainda não está definido, mas tudo gira ao redor duma misteriosa figura conhecida como "a Santa". O roteiro é do próprio Ricardo Gonzalez Llarena em parceria com o também mexicano Carlos García Campillo. O esquema é o mesmo, o meu pai ilustra tudo, e eu coloro - o trabalho está ficando muito bom, é bastante ambicioso, mas todos estamos nos dedicando ao máximo e nos esforçando para fazer algo de nível. A Caligrama é uma editora recente, mas que está publicando todos os pesos-pesados do quadrinho mexicano atual (gente como Bachan, Edgar Clément e Tony Sandoval) em edições de luxo. Estamos muito empolgados de que tenham se interessado pelo nosso trabalho. Nossa idéia é publicar aqui no Brasil também.
UHQ: E quais os próximos trabalhos que pretendem fazer separadamente?
Felipe: Bom, eu estou desenhando e colorindo a outra graphic novel que mencionei antes, chamada "Virtual Lazarus", e colorindo muitas propostas desenhadas por outros... ainda não dá pra dar nome aos bois, mas logo vai aparecer trabalho meu por aí.
Sobreiro: A gente entra no salão pra dançar. A partir da parceria com o Felipe, pintaram alguns projetos pra gente desenvolver. O Ricardo me ofereceu uma historia "flashgordoniana" que me animou muito, porque gosto de Raymond desde criancinha. Quem sabe, também, no futuro, quadrinizar meus próprios contos, ambientados nos bas-fonds do Rio, que são muito plásticos e adaptáveis a esta mídia.
O Universo HQ agradece aos artistas e lhes deseja boa sorte e sucesso.