Por que a Vertigo é tão importante?
A declaração da Ediouro, dada semana
passada ao Universo HQ, de que o contrato da Pixel com
a DC Comics foi rescindido, veio para confirmar os temores dos
fãs de quadrinhos que há meses aguardavam uma definição para os rumos
da editora.
Mesmo antes dessa confirmação, porém, já circulavam pela internet centenas
de depoimentos queixosos pela interrupção de títulos da Pixel,
em especial os do selo Vertigo, da DC.
Mas o que chama a atenção é que é extremamente desproporcional a quantidade
dessas queixas com relação aos títulos da Vertigo e a preocupação
com as demais publicados pela Pixel - como os álbuns de Corto
Maltese e de autores nacionais.
Por quê? Afinal, por que a Vertigo tem tanta importância? Por que,
dentre todas as séries incompletas no mercado nacional, as do selo adulto
da DC Comics são, de longe, as mais lamentadas pelo público?
É claro que o caso de uma série como Preacher é suficiente para
deixar os fãs de cabelos brancos. Afinal, foi publicada por diversas editoras,
com seus arcos iniciais relançados algumas vezes, mas o último deles permanece
inédito. Contudo, o trauma causado por mais uma saída da Vertigo
das bancas e livrarias brasileiras parece ir mais além.
Mais do que uma questão de honra ligada a alguns dos principais títulos
em quadrinhos das últimas três décadas, a obsessão com a Vertigo
tem a ver com o seu papel na difusão de um ideal de quadrinhos que é muito
forte até hoje.
Embora
tenham existido várias publicações anteriores com quadrinhos autorais,
de temáticas mais diversificadas, feitas por criadores de diferentes partes
do mundo, as primeiras publicações da Vertigo no Brasil foram as
responsáveis por consolidar este espaço para esse nicho de HQs.
A revista Vertigo, por exemplo, publicada pela Editora Abril
em 1995 e cancelada no começo do ano seguinte, foi uma das primeiras a
causar grande comoção. Publicada no formato mix - um dos mais viáveis
no Brasil -, apresentou e viciou em larga escala os leitores de todo o
País em várias séries desse selo.
Essas histórias contavam com o endosso da crítica, tanto a estrangeira
quanto a nacional, que se consolidava no começo da década de 1990. E,
dessa forma, a linha Vertigo assumiu no Brasil um papel semelhante
ao que tem nos Estados Unidos, com algumas consequências também parecidas.
Para os leitores norte-americanos, os quadrinhos da Vertigo são,
em geral, a primeira opção para fugir das HQs de super-heróis. O processo
é visto até como uma forma de evolução, acompanhando o amadurecimento
do fã, que, com o tempo, passaria a se interessar por tramas mais "adultas".
Como mencionou o crítico Douglas Wolk em seu livro Reading Comics,
as histórias de super-heróis se tornariam uma espécie de "prazer com culpa",
algo que os fãs relutam em admitir que gostam, a não ser quando a trama
apresenta características em comum com outros quadrinhos "adultos" - seja
lá o que isso signifique.
Muitas
vezes, os mesmo autores que agradam o leitor com histórias de super-heróis
também têm trabalhos para a Vertigo (ou outras linhas editoriais
similares) e acabam atraindo público. Exemplos notórios são os escritores
Warren Ellis e Grant Morrison, que entre um arco e outro feito para a
DC ou a Marvel, lançam por algum outro selo suas obras autorais,
nas quais suas imaginações nada ortodoxas não encontram limite ou censura.
Ellis chega a dizer que apenas escreve roteiros de super-heróis para chamar
a atenção para seus outros trabalhos.
Até mesmo na forma de publicação, elas se aproximam dos gibis de super-heróis,
dentro do mesmo mainstream, com suas edições mensais de 24 páginas
apresentando capítulos de séries longas. É um formato ao qual o público
está acostumado, que aproveita uma lógica narrativa que se absorve lendo
os mesmos superseres uniformizados.
As histórias da Vertigo são um remédio eficaz para a "culpa" que
alguns leitores sentem por terem acompanhado apenas gibis de super-heróis.
A saída é buscar quadrinhos "adultos". As revistas fazem questão de estampar
esse rótulo na capa, mesmo que não exista nenhum consenso sobre o que
essa expressão signifique.
Isso porque trata-se de uma discussão que existe apenas nos Estados Unidos
e que não faz mais do que ecoar por aqui, dado o peso que o material gringo
tem no nosso mercado.
Na
Europa, os álbuns de Hugo Pratt e mesmo os de Milo Manara não precisam
ser identificados como quadrinhos adultos. Não porque os leitores saibam
de antemão que eles o são, mas, principalmente, porque essa distinção
não acrescenta nada à obra.
Pelo contrário, pode se transformar em uma barreira quando se espera que
a obra tenha um público maior e mais diversificado possível.
Essa autoafirmação compulsiva só faz sentido em um cenário saturado como
o mercado norte-americano que, vale insistir, tem seus ecos no cenário
brasileiro. Os super-heróis dominam não apenas as bancas daqui, mas também
os fóruns e sites sobre quadrinhos, estabelecendo uma situação parecida
com a dos leitores dos Estados Unidos.
Portanto, quando a Pixel anuncia que não publicará mais quadrinhos
da Vertigo, o lamento é maior porque não significa apenas a interrupção
de excelentes histórias, como eram as outras publicações da editora.
É também a interrupção de uma ideia bem difundida de quadrinhos "adultos",
um remédio que não deixa de conter em si um pouco do próprio veneno que
se pretende tratar.
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do Universo HQ
Diego Figueira e Zé Oliboni tomam seus remédios e venenos todos os dias para escrever para o Universo HQ e o Pop Balões.