Raphael Salimena busca financiamento via Patreon para sua produção de tiras
O quadrinhista Raphael Salimena, colaborador da Mad, do Uol Tecnologia e de outras publicações, busca financiamento coletivo para manter uma produção constante de quadrinhos no seu site Linha do Trem.
Salimena mantém o site desde 2006 e chegou a ganhar um Troféu HQMix por esse trabalho, em 2010, na categoria Web Quadrinhos. Segundo o autor, o tempo dele para a produção das tiras do site é limitado pelo demais trabalhos que compõem sua renda.
Para equalizar isso e manter um produção constante, ele abriu uma campanha no site americano Patreon. A proposta desse site é encontrar pessoas dispostas a desembolsar um valor mensal para que um artista produza seu trabalho.
Esse modelo de financiamento coletivo, que também oferece recompensas (como padrão do Catarse e outros), se diferencia por não ter um prazo final definido e por ser uma espécie de assinatura. O colaborador se inscreve no site, define quanto ele quer oferecer e, mensalmente, esse valor é transferido para a conta do artista. O valor é pago em dólares, pode ser alterado ou cancelado a qualquer momento e a colaboração mínima é de um dólar. Além das recompensas individuais, o artista estabelece metas de produção de acordo com o montante mensal arrecadado.
Para conhecer as metas e recompensas e colaborar com a campanha pelo Linha do Trem, clique aqui.
O Universo HQ conversou com Raphael Salimena sobre sua produção de quadrinhos e sua proposta de financiamento coletivo. Leia a entrevista abaixo.
Universo HQ: Nos últimos anos, os quadrinhos têm se beneficiado muito com leis de incentivo, financiamento coletivo e de uma estrutura mais organizada para a distribuição de quadrinhos independentes. Agora, você lançou essa campanha em busca de patrocinadores constantes para sua produção de tiras. Por que você escolheu esse formato e não os mais tradicionais (compilar em um livro/ebook e financiar/vender)?
Raphael Salimena: As tiras são uma arte dinâmica e imediata e, por isso, encontraram nas redes sociais seu meio ideal. A popularização do Facebook criou um público imenso que não necessariamente consome outros formatos de quadrinhos. Diariamente, tiras dos mais variados estilos atingem milhares de compartilhamentos em páginas, como Maria Nanquim, Las Tiras ou Depósito de Tirinhas. Então a internet deixou de ser um viés para o impresso e tornou-se o principal meio de publicação e leitura de tiras no Brasil, por isso visei exclusivamente o digital no projeto. Mas, futuramente, pretendo incluir uma compilação impressa dentre as recompensas de apoio.
UHQ: No modelo que você escolheu, os colaboradores têm que contribuir com uma quantia mensal (uma espécie de assinatura). Qual sua expectativa para o projeto? Tem um mínimo mensal que você precisa para considerar viável?
Salimena: Não, acho bacana trabalhar de acordo com a demanda do público. Atualmente, batemos a primeira meta (que garante a publicação de uma tira por semana). Então, ainda que modesta, já posso dizer que minha produção autoral de tiras é financiada pelos leitores e isso me deixa muito feliz.
UHQ: O formato de tiras é um dos mais clássicos do humor gráfico e tem artistas consagrados que vivem de fazer uma única tira por dia. Você acha que hoje é possível um novo autor chegar nesse patamar?
Salimena: Claro! Nos Estados Unidos isso já acontece há um tempo, vários autores de webcomics se mantêm exclusivamente delas por meio do Patreon ou plataformas similares. Aos poucos os brasileiros estão abraçando esse modelo de financiamento contínuo, assim como fizeram com o Catarse.
UHQ: Os jornais sempre foram o suporte tradicional para as tiras e as tiras foram uma das primeiras formas de quadrinhos a funcionar bem na internet, mas, ao contrário do jornal, o autor não conseguiu uma remuneração sustentável para o seu trabalho. Você tentou ou pensou em outros meios de rentabilização digital (anúncios, venda de produtos relacionados)?
Salimena: Não, porque acredito no valor da arte, do trabalho em si. Quero fazer quadrinhos para um público que quer ler quadrinhos. Se eu tirar a minha renda de canecas, bottons ou camisetas, vou deixar de ser um quadrinhista para me tornar um produtor de bugigangas que tem os quadrinhos como hobby. As tiras têm um público excelente na internet, acho mais interessante investir nessa mentalidade de apoio e deixar esses outros caminhos como opção complementar de monetização.
UHQ: Quem acompanha o seu trabalho sabe que você tem uma produção de piadas muito consistentes tanto na arte quanto na ideia humorística em si. Como é o seu processo de criação?
Salimena: Obrigado! Isso é um baita elogio para quem faz tiras, é muito difícil manter a regularidade com uma produção contínua.
Quando são tiras temáticas, como as que faço para o UOL Tecnologia, o processo é bem clássico: pesquiso o que está acontecendo naquele universo, faço um brainstorm com ideias e assuntos e desenvolvo as piadas na frente da folha em branco.
Agora, para o trabalho autoral, os roteiros vêm naturalmente nos momentos mais variados e eu tenho que registrar em algum lugar para não esquecer. Já tive ideias no cinema, no bar, na academia, em festas... já anotei piada no celular durante um enterro. Depois escolho um estilo de desenho que combine com a pegada de humor de cada um deles e está pronta a tira.
UHQ: Qual é sua formação como artista e quem são suas principais influências?
Salimena: Aprendi a desenhar com o Eduardo Borges, um artista plástico sensacional que virou um grande amigo. A escrita foi um grande processo de tentativa e erro que estava praticamente todo documentado no meu site antigo, a cada dia eu tentava uma abordagem de humor diferente e ia testando a resposta do público. Aos poucos fui descobrindo o meu caminho, mas deixei muita porcaria pelo percurso.
Eu lia muito o Calvin do Bill Watterson quando moleque e sempre vai ser uma das minhas maiores influências, mas os caras que me inspiraram mesmo a trabalhar com tiras foram o Arnaldo Branco, o Dahmer, o Sieber e a Laerte. E todos eles me ajudaram muito quando eu estava começando, são caras incríveis.
UHQ: E os autores da sua geração? Quem você considera expoentes tanto em quadrinhos quanto em tiras?
Salimena: Vixe, tem muita gente com trabalhos fantásticos. Os nomes que me vêm agora são Ryot, Paulo Crumbim e Cristina Eiko, Luis Felipe Garrocho, Andrício de Souza, Gomez, Lafa, Bruno Maron, Marco Oliveira, Gus Morais e o Ricardo Coimbra, que faz as minas tiras favoritas atualmente. Mas provavelmente devo ter esquecido de alguém.
UHQ: Por que os leitores deveriam se tornar “mecenas” modernos da sua produção?
Salimena: Esse financiamento direto é um passo muito importante para libertar de vez os criadores de conteúdo da venda de publicidade, que é uma das coisas mais desagradáveis da internet. Tenho uma lista de projetos que apoio mensalmente, entre blogs, podcasts, sites jornalísticos e HQs, todos desenvolvem trabalhos sensacionais e fico muito feliz por fazer parte disso. Espero que meus leitores embarquem na ideia e me ajudem a fazer cada vez mais quadrinhos, com a periodicidade fixa que tanto me cobram.