Resenha: V de Vingança é um bom espetáculo
V
de Vingança, filme que deve estrear
no Brasil em 7 de abril, é um bom espetáculo, e deve ser conferido
por todos. Até os fãs de quadrinhos vão gostar, e possivelmente apenas
os mais ardorosos vão reclamar muito das mudanças.
Adaptado pelos irmãos Wachowski (os criadores de Matrix) para
o cinema, V
de Vingança se baseia na minissérie V for Vendetta,
de Alan Moore e David
Lloyd, publicada em meados dos anos 80.
O roteiro simplifica, na maior parte das vezes com habilidade, muitas
das questões originais da série, e muda parte do cenário político, atualizando-o
para os dias de hoje. Várias das mudanças resultam em cenas similares,
mas cujo significado, em alguns casos, é mais amenizado do que nos quadrinhos.
Ao invés de uma guerra nuclear, os fascistas ingleses assumem o poder
em função de atos terroristas com armas químicas e biológicas.
O
personagem de V, interpretado por Hugo
Weaving, um homem transformado por experiências em um campo de prisioneiros,
também é humanizado no filme. No cinema, V é mais emotivo, mais falante,
menos cruel, mas não menos infalível.
O V de Weaving é impecável e apesar de estar sempre mascarado, tem grande
atuação.
Entre as diferenças mais gritantes estão a modificação da cena da morte
do bispo Lilliman, na qual Evey é voluntária para ajudar com o intuito
de escapar, diferente dos quadrinhos, nos quais ela ajuda V de maneira
ingênua; a ausência da "viagem" de LSD do inspetor de Finch; e o final, que
funciona no cinema, mas é diferente do original.
O V dos quadrinhos é muito mais duro, devolve Evey ao mundo sem nenhuma
proteção, de repente e sem avisá-la, e espera muito tempo, antes de resgatá-la.
A
história é mais concentrada no ponto de vista de Evey Hammond (Natalie
Portman). Evey nas HQs é filha única e perdeu a família. A mãe, por
doença durante a guerra; e o pai, preso por suas idéias políticas após
a ascensão do governo fascista.
No filme, Evey tem um irmão, que morre doente num hospital. Os pais dela
são ativistas políticos, que são presos e exterminados pelo governo.
O trabalho de Portman também é muito bom e segura o filme em diversos
momentos.
Logo nas primeiras páginas de V
de Vingança, vemos Evey tentando ganhar a vida, em sua primeira noite
como prostituta, e tudo dá errado. No filme, ela está indo ao encontro
de um amante mais velho, Gordon. O resultado é similar, mudam as motivações.
O
Gordon do filme é um famoso apresentador, produtor de TV, que esconde
diversos segredos em sua casa, tanto sobre sua personalidade, quanto sobre
seus interesses culturais. Na minissérie ele é um contrabandista de bebidas,
envolvido com outros criminosos. Todo este outro contexto foi removido
da película.
Para os leitores que conhecem bem a série, o que incomoda mais são os
detalhes, ou melhor, a ausência deles. Nos quadrinhos tudo se relaciona
com a letra V ou com o numeral romano cinco ("V"). O espectador descobre
sobre a sala V, mais por conta do próprio V, do que pela investigação
de Finch e o diário de Délia.
O filme mantém algumas citações, como a frase em latim de Fausto ("vi
veri veniversum vivius vici"), mas passa por cima de muitas outras.
Na seqüência com o bispo, a fala de V é diferente da dos quadrinhos, nos
quais ele cita um trecho de Sympathy for the Devil, música dos
Rolling Stones.
A espécie extinta de rosas, Violet Carson, se transformou,
no filme, em Scarlet Carson, outra referência com a letra V que foi perdida.
E nem mesmo a placa da Victoria Station, famosa estação do metrô londrino,
que tem papel importante no gibi, é mostrada.
Nenhum destes detalhes é fundamental para a história, mas a pergunta que
fica é: se a cena foi incluída, porque excluir os detalhes que poderiam
enriquecê-la?
Se você estranhou a ausência
de créditos para Alan Moore nos cartazes
ou nos créditos do filme, é porque o autor inglês brigou com a Warner
e com o produtor Joel Silver, e exigiu que seu nome fosse eliminado de
tudo. Nem mesmo a sua parte em dinheiro ele quis, entregando tudo ao desenhista.
Para quem acompanha a carreira de Moore, este incidente não é de se estranhar.
Apesar de todas as diferenças, V funciona como espetáculo
cinematográfico. É agradável e instigante, apesar de estar longe da
qualidade da série original.
V de Vingança tem outros nomes importantes no
elenco, como Stephen Rea como Finch; John Hurt, como o chanceler fascista
Adam Sutler (nos quadrinhos seu sobrenome era Susan).
Curiosamente, John Hurt fez o papel principal, mas diametralmente oposto,
no filme 1984, adaptado do livro de George Orwell, e que foi
uma das referências importantes na criação da história de V.
A direção de James McTeigue é meramente competente, sem nenhum arroubo
de elegância ou sutileza.
V de Vingança, a minissérie
em quadrinhos, foi lançada originalmente pela editora Globo,
em 1989, e posteriormente em dois volumes da Via
Lettera. Este ano será republicada pela Panini Comics.