Revista Veja ataca fãs radicais de quadrinhos
A
revista Veja, na edição desta semana, apresenta uma matéria sobre
o novo filme do Super-Homem, com o título Feito de Aço, mas com Coração
de Manteiga.
No final do texto, consta um box (que você confere no final desta nota), analisando aqueles fãs de quadrinhos que não aceitam mudanças impostas em seus ícones e personagens favoritos, e que isso seria uma espécie de "infantilização extrema".
O texto descreve um tal "fator nerd", uma "pressão daqueles fãs mais radicais para que nenhuma heresia seja cometida contra seus ícones", e que "esses fãs mais sôfregos se revoltam quando um diretor muda a cor de um uniforme, a idade de um personagem ou algo até tão trivial quanto um penteado em seus objetos de adoração".
Afirma também que esses "fanáticos" deveriam crescer e parar de levar filmes e gibis a sério, citando uma frase famosa de William Shatner, o Capitão Kirk de Jornada nas Estrelas.
O problema é a tola generalização com que a matéria foi conduzida, deixando a impressão para o grande público de que todo fã de quadrinho gosta apenas de reclamar, de maneira infundada, e que isso só atrapalha a transposição do personagem para as telas.
É
bom lembrar que alguns fãs radicais de O Senhor dos Anéis,
Harry Potter e outras sagas de sucesso também mostraram desagrado
pelo fato de os filmes não seguirem ipsis literis o que havia nos
livros. Nem por isso o desenvolvimento desses projetos foi atrapalhado.
Pelo contrário. O sucesso foi enorme, e com o "aval" de outros tantos
admiradores das obras originais.
Se o autor do referido box (não identificado, mas presume-se que seja Isabela Boscov, que assina a matéria principal) tivesse se dado ao trabalho de ouvir algumas fontes ligadas ao mercado de HQs, pesquisado resenhas de filmes baseados em personagens de gibis ou até mesmo visitado alguns fóruns pela internet, saberia que a imensa maioria dos fãs da arte seqüencial aceita muitíssimo bem as adaptações, justamente por entender que cinema e quadrinhos são mídias bastante diversas.
O que o fã de quadrinho pede (e não exige, pois é uma tolice incomensurável achar que os estúdios dão tanta atenção a esses "desejos") é que se respeite a essência dos personagens.
O Homem-Aranha não produzia teia orgânica quando surgiu; e nem por isso os leitores de suas revistas gostaram menos de seus dois longas-metragens. O Batman jamais foi treinado por Ra's Al Ghul (um vilão que só surgiu 32 anos depois da estréia do Morcego); e mesmo assim para muitos fãs Batman Begins foi o filme do herói. A formação original dos X-Men não é, nem de longe, a mostrada na telona em 2000, e o trabalho do diretor Bryan Singer caiu no gosto da maioria das pessoas que admiram os mutantes nos gibis.
Isso porque a essência dos personagens foi respeitada. Houve mudanças aqui e ali, devido à necessidade da adaptação para a mídia cinema e à adequação para o público em geral, mas todas perfeitamente aceitáveis, diferentemente do que ocorreu em outros tempos.
Na
matéria da Veja Michael Keaton é mencionado como "o maior Batman
de todos os tempos, para a fúria dos fãs"! Resta saber de onde foi tirada
a afirmação, pois a esmagadora maioria dos leitores de quadrinhos, "fanáticos"
ou não, considera Christian Bale, de Batman Begins, como o que
melhor representou o espírito do personagem, graças também à direção de
Christopher Nolan.
Outro equívoco: não foi a "falta de queixo" de Keaton que não agradou aos leitores de HQs, mas sim o fato de o Homem-Morcego dos quadrinhos não ser baixinho, franzino e usar uma armadura que o deixava quase invulnerável, algo que foge à essência do personagem. Talvez tenham confundido com a série camp da década de 1960.
Além disso, vale destacar, a performance de Keaton também não convenceu. O filme foi sucesso de bilheteria? Foi. Mas muito mais devido ao absurdo investimento em marketing feito na época, do que por sua qualidade.
Como praticamente se institucionalizou adaptações de quadrinhos como um novo gênero em Hollywood, é preciso lembrar ainda que, historicamente, os filmes mais fiéis aos gibis costumam ser grandes sucessos. Fora uma ou outra liberdade tomada, os longas-metragens do Homem-Aranha, Batman Begins, Asterix, X-Men 1 e 2, Superman - O Retorno, Super-Homem, de Richard Donner, Dick Tracy e, principalmente, Sin City, agradaram muito o público em geral e também os tais "fãs de HQs" e foram elogiados pela critica especializada.
Ao contrário, Demolidor, Elektra, Justiceiro, Batman Eternamente, Batman e Robin e o sofrível Mulher-Gato fugiram bastante do que os quadrinhos apresentam e foram mal recebidos tanto por leitores quanto pela critica especializada, alguns com resultados pífios nas bilheterias. Coincidência?
E há as adaptações que ficaram no meio-termo, como Quarteto Fantástico, Hulk, Constantine, Hellboy e X-Men 3, que também tomaram liberdades criativas, mas mantiveram algum respeito à síntese dos personagens, ao "espírito" das histórias. Talvez por isso as opiniões do público em geral e dos leitores veteranos de quadrinhos divirjam tanto a respeito do que se viu na tela grande.
Por considerar lamentável essa generalização, o Universo HQ enviou um e-mail para a revista Veja, que pode ser conferido aqui.
Em tempo: a jornalista responsável pela matéria gostou de Super-Homem - O Retorno. Confira o texto da revista:
Santa Militância, Batman!
Kate Bosworth, a Lois Lane de Super-Homem - O Retorno, tem um olho castanho e outro azul, é uma graça e fica muito bem loira. No filme, porém, ela arrasta uma cabeleira castanha e sem forma, como uma dona-de-casa estressada demais para dar um jeito no que sobrou da permanente mal feita. Sim, é verdade: Lois não é uma vamp, e é tradicionalmente morena. Mas a decisão de tingir Kate deveu-se em boa parte ao "fator nerd": a pressão daqueles fãs radicais para que nenhuma heresia seja cometida contra seus ícones.
Esse é um efeito colateral curioso (e irritante) do vício em cultura pop: a infantilização extrema. Como o garoto de 5 anos que fica bravo quando o pai esquece algum detalhe da sua historinha favorita, esses fãs mais sôfregos se revoltam quando um diretor muda a cor de um uniforme, a idade de um personagem ou até algo tão trivial quanto um penteado em seus objetos de adoração.
Como diria William Shatner, o Capitão Kirk de Jornada nas Estrelas (uma das séries de mais alto teor nerd da história), aconselha-se a esse pessoal que pare de levar filmes e gibis a sério, cresça, arrume uma namorada e arranje algo útil para fazer.
O mais divertido é a freqüência com que esses xiitas têm de engolir os próprios sapos. Quando o diretor Tim Burton anunciou que Michael Keaton seria seu Batman, foi uma grita: onde já se viu o Homem-Morcego assim tão sem queixo? Três atores depois, Keaton é considerado o melhor dos que se aventuraram no papel.
Não é improvável que o futuro reserve um julgamento semelhante para Daniel Craig, sexto no revezamento de 007 - e o primeiro loiro. "O nome é Bond, e não Blonde!", protestaram tablóides e websites, com tal fúria que Craig tem se escondido, por medo de levar tomatadas. Detalhe: ninguém viu sua performance.
Keanu Reaves, que parecia blindado pela popularidade de Matrix, viu-se na linha de fogo ao viver o herói dos quadrinhos Constantine - ele é moreno e americano, e não loiro e inglês, como definido no gibi. O filme estreou e Keanu, afinal, mostrou-se um excelente caçador de demônios, seja qual for a cor de seu cabelo ou a origem de seu sotaque.