Super-Homem na Marvel: sonho ou realidade?
Um
exercício de imaginação ou, simplesmente, a expressão coletiva de um sonho
em comum de alguns fãs. Seja como for, é possível encontrar em blogs,
listas de discussão e sites sobre quadrinhos - não apenas nos Estados
Unidos, mas também no Brasil - comentários sobre o fato de que o Super-Homem
pode sair da DC
Comics para "morar" na principal concorrente da editora,
a Marvel.
Com a cessão
de parte dos direitos do personagem para os herdeiros de Jerry Siegel,
isso seria possível, bastando a "Casa das Idéias" demonstrar interesse
e negociar com os novos donos do Homem de Aço a publicação de suas aventuras
sob pagamento de royalties, ou até mesmo comprá-lo, correto?
Não é bem assim. O que os fãs estão apontando como "a venda do século"
esbarraria em certos impedimentos. Para início de tudo, os Siegel têm
direito apenas sobre Action Comics # 1, a revista em quadrinhos
na qual o Super-Homem estreou.
O assunto é bem complicado e ainda não foi completamente resolvido na
justiça. O juiz que decidiu o caso deixou em aberto, por exemplo, quais
elementos das histórias do Homem de Aço derivam diretamente daquela revista.
A ação legal vitoriosa dos Siegel não inclui muitos personagens da mitologia
do Super-Homem, como Bizarro, Lex Luthor e o General Zod, pois a grande
maioria deles não surgiu em Action Comics #1.
A marca registrada (trademark) do personagem representa outro
problema. Os advogados da DC garantem que a lei sobre
o assunto impede efetivamente que o Super-Homem seja publicado por outra
editora.
Os advogados da família Siegel discordam dessa interpretação. Segundo
eles, a defesa da DC traçou os elementos da atual marca
registrada dos dias atuais até a publicação de Action Comics #1,
em 1938. Por isso, seria possível aos Siegel obter uma porcentagem dos
direitos de trademark, que foi baseada num item cujo copyright
(direito autoral), atualmente, pertence a eles.
Como o juiz não resolveu o problema dos elementos mistos de marca registrada
e direito autoral, o campo para essa batalha judicial ficou aberto.
O copyright protege a autoria de um trabalho original e a trademark
identifica e distingue uma marca. Ao contrário do direito autoral, não
existe uma data limite para a marca registrada entrar em domínio público,
e ela é um elemento completamente separado da autoria e continua valendo
quase indefinidamente.
Mas mesmo as grandes editoras podem cometer deslizes nessa área. A Marvel,
que chegou a lançar revistas para proteger o uso de certos nomes - como
o da Mulher-Aranha, na década de 1970 - dormiu no ponto em relação à revista
dos Campeões.
Como a marca não estava devidamente registrada, foi considerada em desuso,
abandonada e adquirida posteriormente por outra editora, forçando a "Casa
das Idéias" a lançar um novo título que deveria se chamar The Champions,
uma referência à revista original, mas recebeu o nome de The
Order.
Portanto, a marca registrada pode ser realmente um dos maiores obstáculos
para uma eventual mudança de editora.
Frank Miller, que tem ampla experiência com direitos autorais, declarou
recentemente que os estúdios de Hollywood respeitam a marca registrada
e que esta é a maneira prática mais efetiva de proteger o material intelectual.
Está longe de ser uma opinião de valor legal, mas é um bom exemplo das
ações das grandes editoras e dos estúdios de cinema.
Os advogados de algumas editoras, incluindo a DC, têm
escrito com muita regularidade artigos sobre direitos autorais e marcas
registradas em conceituadas publicações, mostrando como uma empresa pode
bloquear o uso de seus personagens. Os artigos apresentam estratégias
usadas pela Disney e pela família de Edgar Rice Burroughs
(criador do Tarzan) para proteger materiais cujos direitos encerraram
ou que já entraram em domínio público.
Um tema muito polêmico e bastante atual são algumas mudanças propostas
para modificar a lei dos direitos autorais, a serem votadas nos Estados
Unidos, em breve, e que devem complicar bastante a vida dos autores e
facilitar a manutenção do patrimônio de muitas empresas. É um assunto
que vai gerar muitas disputas no mercado dos quadrinhos.
Para confundir ainda mais a questão dos direitos sobre o Super-Homem e
garantir outra linha de defesa às suas publicações, a DC
vem reescrevendo a história de seus personagens, por meio de sagas como
Crise nas Infinitas Terras e, mais recentemente, Crise Infinita,
52, Countdown e Crise Final.
Se os leitores que acompanham o material têm dificuldade para entender
toda essa confusão cronológica, o que os juízes e advogados devem pensar
disso? Afinal, será que o Super-Homem da Terra-1 é o mesmo personagem
de Action Comics #1? E os outros Super-Homens (e Superboys) do
resto do multiverso?
As perguntas podem parecer estúpidas, mas vale lembrar que o Super-Homem
de Action Comics #1 não voava, apenas saltava a enormes alturas.
E esse é apenas um dos poderes que foram modificados depois do lançamento
daquele gibi.
Houve até mesmo uma época na qual o personagem Majestic (uma cópia pálida
do Super-Homem), da Wildstorm, interagiu
diretamente com o Universo DC, levantando a possibilidade
de que a editora estaria preparando o terreno para substituir seu maior
ícone.
Na distante hipótese de os Siegel venderem o personagem à Marvel,
ele seria modificado por completo e teria poucas semelhanças com o que
é atualmente. A própria editora já possui seus super-homens, personagens
que, apesar de diferentes do original, são claramente "inspirados" no
Homem de Aço, como o Sentinela (Sentry) e Hipérion, do Esquadrão Supremo
(grupo hoje conhecido como Poder Supremo, uma espécie de "contraparte"
da Liga da Justiça).
Além disso, a Marvel correria um risco relacionado à
marca registrada, podendo sofrer vários processos.
Também é preciso levar em conta a reação dos leitores, que apesar de favoráveis
à família Siegel nesse caso, provavelmente não gostariam de ver o personagem
fora de seu universo tradicional.
E se tudo isso já não fosse um pesadelo legal, a concorrente da DC
já possui seus próprios litígios envolvendo o quadrinhista Joe Simon e
o personagem Capitão América.
Outra questão poderia surgir: se a Marvel pode comprar
um personagem da DC, o que impediria esta de tentar fazer
o mesmo com a rival?
Um dos raros casos no qual um personagem foi legalmente publicado por
dois veículos diferentes é o Menino Amarelo (Yellow Kid) e ocorreu há
mais de um século.
Quando Richard Outcault, criador do Menino Amarelo, decidiu mudar de jornal,
em 1896, o personagem foi objeto de uma disputa legal e um juiz declarou
que o New York World, de Joe Pulitzer, tinha os direitos
sobre o nome Hogan's Alley (como era originalmente chamada a
tira) e que poderia continuar publicando a série com esse título.
Outcault ganhou o direito de publicar sua tira no jornal rival, New
York Journal, de William Randolph Hearts, com outro nome. A tira
do periódico teve três nomes diferentes, mas nenhum resgatou a popularidade
do personagem. As séries dos dois jornais tiveram vida curta após o litígio
e foram canceladas no final de 1898.
É esse o outro risco que o primeiro super-herói dos quadrinhos pode correr:
a perda do interesse dos leitores, devido a uma disputa comercial.
Por todos esses motivos, a única chance de o Super-Homem aparecer em uma
revista em quadrinhos com o selo da Marvel é em mais
um crossover entre a DC e a "Casa das Idéias".