Wellington Srbek pode interromper as HQs de Solar
Durante
o 6º
Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte, o roteirista
mineiro Wellington Srbek demonstrava uma preocupação que contrastava com
os elogios que recebia pelo lançamento de Solar - Solo sagrado
(formato 17 x 24 cm, 48 páginas, R$ 5,00).
Isso porque este segundo capítulo da retomada do personagem (o primeiro
foi Solar
- Renascimento) pode ser o derradeiro, já que o autor encontra
dificuldades financeiras para bancar a publicação (pagando os desenhistas,
inclusive).
Solar foi criado por Srbek em 1994 e suas HQs foram publicadas em 14 capítulos
nas revistas Solar e Caliban, publicadas por Srbek
entre 1996 e 1998. Em Solo sagrado, o autor revela o que aconteceu
com a esposa do protagonista e conta um pouco mais sobre os pais dele.
Um dos atrativos da edição está nos estilos bastante diferentes do desenhistas
Rubens Lima, Luciano Irrthum e Laz Muniz.
Na entrevista abaixo, Wellington Srbek fala de seu método de trabalho
e também desse momento complicado.
Universo HQ: Como é o seu processo criativo como roteirista?
Srbek: Basicamente, faço histórias que eu gostaria de ler, mas
que ainda não existem e que, portanto, preciso criar para poder ler. Em
parte, isso já garante a originalidade de meus quadrinhos, pois busco
nunca repetir ou imitar uma HQ de que tenha gostado.
Depois da inspiração inicial, que pode ser algo que vi, li ou vivi, vem
a parte da pesquisa em livros, documentários etc., que é muito trabalhosa
e prazerosa. Paralelamente, vou imaginando sequências narrativas e falas
da história.
Então, quando já estou trabalhando no computador, escrevo as legendas
e diálogos do roteiro, tendo ao lado tiras de papel em que faço pequenos
esboços das páginas, com os quadros e cenas definidos.
Tendo o texto pronto e as páginas esboçadas, passo para a fase final do
roteiro, em que redesenho cada página em formato maior e de forma mais
acabada.
É este roteiro desenhado, com os balões e legendas numeradas, que passo
para o desenhista, e que serve de base para o trabalho dele. Meu processo
criativo de Estórias
Gerais, Alienz
e Solar pode ser visto em detalhe na seção Extras do meu
site, o Mais
Quadrinhos.
UHQ:
Como surgiu a ideia para Solar?
Srbek: Surgiu no primeiro semestre de 1994. Eu já havia produzido
HQs curtas e um fanzine, mas queria me dedicar a um projeto maior. Desde
o início, a ideia foi criar uma série com um herói brasileiro.
Eu tinha acabado de ler as primeiras histórias que Alan Moore escreveu
para o Monstro do Pântano, e aprendi ali como criar uma HQ de ação que
incluísse elementos místicos e míticos.
Na mesma época, ganhei de presente do cartunista Nilson sua revista Falta
de Educação no Brasil, com a qual aprendi como contar uma história
envolvente, passada numa realidade cotidiana brasileira.
Como na época estava iniciando o curso de História na UFMG, algumas
coisas que estudava também acabaram entrando na série que eu começava
a criar, como os conceitos de "Apolíneo" e "Dionisíaco" de Nietzsche e
o "Complexo de Édipo" de Freud.
Só faltava, então, um elemento que ligasse a origem do herói solar que
eu criara a uma autenticidade brasileira. E isso veio quando descobri
os mitos indígenas brasileiros recontados por Darcy Ribeiro e pelos irmãos
Villas Boas.
Os detalhes de todo o processo criativo que levou à versão original de
Solar estão na seção A Saga de Solar, no Mais Quadrinhos.
UHQ:
A proposta de Solar é que ele não seja mais um super-herói. O que faz
para que isso aconteça?
Srbek: Para mim, em termos gerais, o que define os quadrinhos
de super-heróis são histórias de ação, envolvendo um conflito maniqueísta
entre o super-herói e o supervilão, que se distinguem de outros personagens
dos quadrinhos por suas fantasias coloridas. Bom, nada disso está presente
no novo Solar. Ele tem poderes extraordinários, mas não veste uma fantasia,
nem sai por aí trocando socos com bandidos.
Assim, o que estou lançando agora é uma aventura iniciática, na qual os
leitores vão descobrindo quem é o personagem e por que ele possui tais
poderes. Essa diferença nasceu do próprio Gabriel (identidade civil de
Solar), pois quando estava começando a reformulação me perguntei: se eu
fosse esse cara que descobre que é capaz de voar, o que faria?
A resposta que ele me deu foi: ora, sairia voando por aí, pois deve ser
uma das melhores sensações do mundo! Eu não ia vestir uma máscara e sair
caçando bandidos, pois essa é uma função da polícia. É claro que, depois
que descobre seus poderes, o Gabriel passa a buscar a explicação para
eles e acaba envolvido em situações que misturam ação e xamanismo.
UHQ: Como surgiu a ideia de "recomeçar" a saga de Solar?
Srbek: Surgiu em novembro de 2004, quando eu procurava um novo
projeto para trabalhar. Sempre gostei do Solar como conceito e percebi
que ele merecia HQs mais bem acabadas, sem as falhas e os excessos da
versão original.
Além disso, embora as revistas Solar e Caliban não tenham
sido sucessos comerciais, as histórias do personagem influenciaram outros
quadrinhos brasileiros, chegando a ter alguns elementos copiados por outros
autores.
Então, pensei comigo: se é para copiar o Solar, também vou fazer isso,
só que para produzir algo bem melhor! Foi assim que começou todo o processo
que levou a Solar - Renascimento.
UHQ:
Você gostaria de ver Solar em uma editora comercial ou, apesar
das dificuldades, o controle que ser independente lhe dá é mais atraente?
Srbek: Eu adoraria ver o Solar numa editora comercial, impresso
em cores e com ótima distribuição e divulgação. A produção independente
tem suas limitações e não sinto nenhuma atração pelo "controle de ser
independente".
Ser independente no Brasil não é uma escolha, é uma falta de opção. Eu
preferiria não ter que "controlar" o formato, número de páginas, impressão,
pagamento, divulgação e distribuição das revistas. Gasto tempo e energia
demais com essas coisas.
Tempo e energia que poderiam ser utilizados na produção das HQs, que é
o que faço melhor e poderia fazer ainda melhor se me pagassem para me
dedicar a isso, como acontece com quem trabalha para as editoras norte-americanas,
japonesas ou francesas.
É muito triste para os quadrinhos e até para a cultura brasileira não
termos um mercado voltado à produção nacional. Na certa, se tivéssemos
editoras e revistas pagando pelo trabalho dos quadrinhistas, eles poderiam
se dedicar mais, aprimorando seu trabalho.
UHQ: Qual é o futuro do personagem? Teremos mais publicações?
Srbek: O futuro imediato dele é a recém-lançada Solar -
Solo Sagrado, que pode ser adquirida pelo e-mail wellingtonsrbek@ig.com.br.
Com ela, terei um total de 96 páginas de quadrinhos desta versão definitiva
do personagem.
Se dependesse só da minha vontade, eu continuaria criando as HQs do Gabriel
por um bom tempo. Mas infelizmente continuar a série não depende de mim,
pois não tenho recursos para pagar aos desenhistas e imprimir novas revistas
depois de Solar - Solo Sagrado.
UHQ:
Além de Solar, quais são seus próximos projetos em quadrinhos?
Srbek: Como costumo dizer, ideias nunca faltaram aqui! Tenho
ideias para uma versão comercial de Muiraquitã
e para revistas com a continuação da história iniciada em Alienz.
Também tenho ideias para novas histórias de terror, para um álbum que
se passa no sertão mineiro na década de 1930 e outro envolvendo mitos
e lendas. Além da continuação do próprio Solar, eu poderia lançar mais
uns quatro ou cinco heróis culturais, cujas histórias já tenho definidas.
Mas essas são só ideias que eu gostaria de desenvolver, mas que possivelmente
jamais se realizarão por falta de condições.
Outra coisa são os projetos propriamente ditos: tenho um roteiro de 80
páginas pronto, com a adaptação para os quadrinhos de uma das principais
obras da literatura brasileira. No momento, estou conversando com uma
editora sobre a publicação deste trabalho.
E tenho o projeto de uma HQ envolvendo um herói, filosofia pós-estruturalista,
física quântica e elementos de metaficção. Este é um trabalho que quero
muito desenvolver, mas ele dependerá de uma editora para acontecer.
Enfim, vamos ver o que o futuro me reserva!