A marca do zero nos quadrinhos
De tempos em tempos, esse número cabalístico freqüenta as histórias em quadrinhos, batizando personagens ou nomeando sagas. E, como o Universo HQ está iniciando uma nova fase, nada melhor do que começar do zero
Zero. No dicionário, esta palavra é definida de maneiras ambíguas, pois pode, ao mesmo tempo, significar o final de tudo que existe; e ser o ponto inicial de inúmeras escalas de medição. Mas em suas incursões no universo dos quadrinhos, esse número já trouxe muita aventura e diversão para os leitores.
A mais famosa menção ao algarismo, no Brasil, é, sem dúvida, Recruta Zero (nota do UHQ: isso vale apenas para o Brasil, pois seu nome original é Beetle Bailey, algo como “Besouro Muralha”). Criado em 1950, por Mort Walker, ele é o soldado mais preguiçoso da história do exército americano e está sempre com os olhos escondidos sob o seu capacete. Quando não está dormindo encostado em algum canto, vive fugindo do Sargento Tainha, para escapar de ser, literalmente, pisoteado. Suas aventuras se passam no Quartel Swampy, uma base comandada pelo hilário General Dureza e que tem outros habitantes pra lá de engraçados, como o estúpido Dentinho; o “sabe-tudo” Platão; o malandro Roque; o paquerador Quindim; o puxa-saco Tenente Escovinha; o cozinheiro Cuca; o cachorro Otto, que tem a mesma mania de grandeza e apetite de seu dono, o Sargento Tainha; o Capelão e outros. As tiras do Recruta Zero continuam fazendo sucesso em centenas de jornais do mundo todo. Isso vale também para suas revistas em quadrinhos. O segredo? Talvez porque as histórias, apesar de se passarem num quartel, não têm espaço para o lado trágico das guerras, optando por mostrar sempre o exército de uma maneira bem-humorada, no melhor estilo do antigo seriado de TV, M.A.S.H.
No mundo dos super-heróis, o zero também marca sua presença. Na década de 90, o número foi utilizado para batizar duas sagas das maiores editoras americanas.
A DC Comics lançou Zero Hora, uma minissérie em cinco partes, cuja primeira edição era a 4, iniciando uma interessante contagem regressiva. A história mostra todos os heróis da editora envolvidos numa estranha batalha espaço-temporal, contra um vilão chamado Extemporâneo, que, na verdade, era comandado por Parallax, o antigo Lanterna Verde Hal Jordan. Ao final da saga, nos Estados Unidos, as revistas dos principais personagens ganharam uma edição nº 0; no Brasil, a mudança foi mais radical: todas as publicações foram “zeradas”, iniciando uma nova numeração.
A Marvel, por sua vez, publicou a aventura Operação Tolerância Zero, envolvendo os heróis mutantes de seu universo. Só para variar, os X-Men, a X-Force e companhia foram caçados de tudo quanto é jeito. Dessa vez, eles perderam até mesmo a mansão em Westchester. Pra resumir, a sala de perigo dos mutantes passou a ser as ruas. Operação Tolerância Zero foi lançada no Brasil em 1999 e a grande novidade ficou por conta da apresentação de dois novos personagens aos leitores: Larval e a Dra. Reyes, que se incorporaram aos X-Men.
Na década de 80, a Epic, um braço editorial da Marvel, lançou uma série de heróis alternativos num evento chamado Saga das Sombras (parte dessa aventura foi publicada no Brasil, pela Editora Globo, na extinta revista Marvel Force). Um dos principais personagens era o Doutor Zero, um cara invulnerável, extremamente poderoso e sem o menor escrúpulo. Ele era um tipo de “vampiro energético” que, durante os séculos, drenou as habilidades físicas e mentais de outros seres, adquirindo dons extraordinários. Além disso, era um egoísta de marca maior e seu principal objetivo era alcançar a imortalidade, mesmo que para isso tenha que induzir as pessoas a fazer suas vontades.
Outra aparição desse enigmático número foi publicada no Brasil, em 1998, pela Editora Abril. Trata-se do Arma Zero, um grupo de superseres da Top Cow Comics (a editora de Marc Silvestri), que se encontrou com o Surfista Prateado no crossover O Reino do Demônio. O líder da equipe, o Coronel Tyson Stone, também conhecido como Ordenança, é um arsenal ambulante. Os outros membros são: Lilith, que tem poder de teleporte; Valaria, uma garotinha capaz de se transformar num ser gigantesco e feioso; Lâmina, que possui garras afiadíssimas nas pontas dos dedos (uma versão feminina do Warblade, dos Wild C.A.T.S.); e Punho, dono de um traje que lhe confere força sobre-humana e outros poderes. O grande barato de Arma Zero é que seus integrantes são todos de épocas diferentes e precisam se adaptar à nova realidade em que estão vivendo.
O zero que aparece duplicado no codinome do agente secreto mais famoso do mundo também já pintou nos comics. Isso mesmo! James Bond, ou simplesmente 007, é um velho freqüentador das histórias em quadrinhos. Só pra se ter uma idéia, desde 1957 suas missões são contadas em tiras publicadas em jornais britânicos. Além disso, vários de seus filmes foram lançados em forma de graphic novels. O personagem já saiu pela Marvel, DC, Dark Horse e outras, mas, no final dos anos 80, a Eclipse Comics lançou uma das melhores adaptações do personagem, com aventuras inéditas, desenhadas por Mike Grell, o artista que revitalizou o Arqueiro Verde (Oliver Queen, o original), na minissérie Os Caçadores.
E pra quem curte desenhos animados japoneses, há uma verdadeira “pérola”. Trata-se de Fantomas, exibido no Brasil nos anos 70. O “mocinho” era uma caveira musculosa, que carregava um cetro que emitia raios e lhe conferia poderes. Fantomas aparecia sempre que a menina Marie estava em perigo. Aí, você pergunta: “Mas… cadê o zero nessa história?”. Acontece que o vilão desse anime era o Doutor Zero, um cara sempre vestido de preto, que tinha quatro olhos no rosto – cada um emitia um tipo de raio – e tinha uma garra no lugar de uma das mãos. Cada vez que ele aparecia para tentar conquistar o mundo (novidade!), gritava “zeeeeeero”. Para impedir seus planos, o cientista Dr. Stele, seu filho Terry, o atrapalhado Gabi e Marie contavam sempre com a ajuda do misterioso Fantomas, que surgiu nos mangás, na década de 40, e foi pras telinhas japonesas em 1967, onde, curiosamente, não fez sucesso. O desenho era colorido. No Brasil foi exibido primeiro em preto e branco, mas depois, na década de 1980, a extinta Rede Manchete passou alguns episódio em cores.
Em 1998, o autor Brian Wood publicou Channel Zero (Canal Zero), uma obra polêmica, que mostra os efeitos do Clean Act, uma lei que se caracterizava pela tolerância mínima, não só com relação ao crime, mas a qualquer atitude suspeita, de qualquer indivíduo. Era algo semelhante ao nosso AI-5, que impôs a censura no Brasil, em 1968, no pior momento do regime militar, com uma diferença: em Channel Zero esse instrumento de repressão é “sugerido” por grupos como a Direita Cristã e os Pais Pró-censura, enquanto em nosso País, na vida real, ele partiu do próprio governo.
O zero tem ainda outras aparições pouco conhecidas nas HQs, como Hero Zero, um supertipo lançado pela Dark Horse, em 1993, cujo alterego era um garoto de 13 anos, que trocava de lugar com o herói, quando surgiam encrencas. Ele podia alterar seu tamanho e chegou até a enfrentar Godzilla! Outro bom exemplo vem dos quadrinhos australianos: Zero Assassino, um personagem que encarna perfeitamente o adjetivo “matador”.
Deu pra sacar o quanto o zero está ligado aos quadrinhos? Agora, você deve estar se perguntando qual a razão dessa matéria, certo? É que, como o Universo HQ está começando uma nova fase, partindo do “zero”, esperamos que muita coisa boa venha pela frente. Portanto, prepare-se!
E, já que esta matéria começou, literalmente, do zero e como nossa intenção é fazer o Universo HQ alçar vôos cada vez mais altos, nada melhor que uma contagem regressiva para encerrá-la: 5… 4… 3… 2… 1… ZERO!
Sidney Gusman é editor-chefe do Universo HQ. Jornalista especializado em quadrinhos, já escreveu sobre o assunto para diversos jornais, revistas e sites. Se quiser tirá-lo do sério, basta mencionar o nome daquele que ele considera o maior “zero à esquerda” do futebol brasileiro, o Marcelinho Cario… ARGH! Me larga, Sidão! Me larga!