Pelezinho: a história de um craque dos gibis
Mesmo depois de 17 anos desde sua última aparição nas revistas em quadrinhos, Pelezinho continua vivo na memória dos fãs da Turma da Mônica
Eram meados dos anos 1970. Depois de muitas conversas informais e negociações difíceis entre Mauricio de Sousa e Pelé, finalmente o melhor jogador da história do futebol mundial iria se transformar em personagem de quadrinhos.
A idéia do criador da Turma da Mônica era que o personagem fosse uma criança, ao contrário do desejo de Pelé, que imaginava uma versão adulta. Prevaleceram os argumentos de Mauricio de Sousa, que incluíam a afirmação de que a continuidade da marca do Rei estaria garantida se envolvesse o público infantil. Assim, em outubro de 1976, Pelezinho estreou nas tiras de jornal.
Mas foi somente em agosto de 1977 que o garoto craque de bola virou título de uma revista em quadrinhos, lançada pela Editora Abril. A partir daí, o sucesso não se limitou aos gibis publicados no Brasil e em outros países, pois Pelezinho virou boneco e estampou as embalagens dos mais variados produtos, desde alimentos a materiais esportivos, até diversos tipos de brinquedos.
Brincadeira de criança
Quem acompanhou as HQs de Pelezinho leva consigo, até hoje, uma ponta de justificável saudosismo. Era um dos melhores gibis que circulavam nas bancas naqueles inesquecíveis anos de fartura (em qualidade e quantidade) do mercado de quadrinhos no Brasil.
Com histórias engraçadas, que misturavam a alegria de ser criança com a paixão avassaladora que, como poucas coisas neste mundo, o futebol consegue provocar, o garoto conquistou para sempre os leitores.
Os personagens dessa divertida galeria eram todos baseados nos amigos de infância de Pelé, que foi o responsável pela caracterização de suas personalidades e, muitas vezes, deu idéias para as histórias, por meio de situações que a sua recordação de infância ia buscar.
Talvez por isso eles sejam as crianças mais humanizadas entre as criações de Mauricio de Sousa. Afinal, o sonhador, namorador e gênio da bola Pelezinho; o "vara-pau" Frangão, cujo nome já diz tudo sobre suas qualidades como goleiro; o encrenqueiro, porém carismático, Cana Braba e seu grande repertório de palavrões; o galãzinho Teófilo; a gorduchinha e não menos cobiçada Bonga; o cão Rex, eterno símbolo dos bichinhos de estimação que muita gente já teve um dia, e que até jogava futebol nessas histórias; a meiga Neusinha; a Samira, com seus quibes horrendos; o invejoso Jão Balão; o vizinho chato Tonico Fura-Bola e muitos outros eram exatamente o que qualquer leitor poderia encontrar em casa ou no seu bairro e usar nas brincadeiras de apelidar os amigos.
O que comprova a força desses personagens é o fato de que nunca contracenaram com a Turma da Mônica. Eles formavam um núcleo à parte que, sozinho, tinha poder suficiente para se sustentar sem o apoio das principais criações de Mauricio de Sousa, a exemplo do que acontece com Chico Bento e seus companheiros da Vila Abobrinha.
As histórias de Pelezinho não tinham nenhum compromisso com a pressão do politicamente correto que existe atualmente em qualquer coisa que se diga ou faça. Representavam apenas a celebração de ser criança, mostrando o mundo infantil como ele realmente se descortinava diante dos pequeninos olhos daqueles leitores.
Mas, por isso mesmo, Pelezinho também agradava ao público juvenil e até ao adulto. Recordar os tempos de infância, curtir futebol em quadrinhos e ainda dar boas risadas, realmente não faziam mal a nenhum marmanjo.
Infelizmente, a revista durou pouco, por motivos que ainda hoje não se sabe ao certo, mas que giraram em torno da não renovação do contrato entre Pelé e a Mauricio de Sousa Produções. E lá se vão 25 anos desde que a última edição mensal de Pelezinho chegou às bancas.
Últimos suspiros
O número 58, lançado em 1982, marcou o fim da revista Pelezinho, mas, pelo menos, os almanaques com republicações das melhores histórias e tiras continuaram até 1986. Foram oito números, além de duas edições especiais que comemoravam a chegada da segunda Copa do Mundo do México, naquele ano.
Entretanto, em 1988, quando os personagens de Mauricio de Sousa já haviam migrado para a Editora Globo, Pelezinho e sua turma ganharam outro almanaque com seleção de historias antigas, que não passou da edição de estréia.
Já em 1990, o personagem reapareceu em dose tripla. Primeiro, na edição 7 da série de tiras As Melhores Piadas, no formato pocket, em que cada número era protagonizado por um personagem da Turma da Mônica. Depois, no gibi Copa 90, só com histórias inéditas, em uma das quais aconteceu o inusitado e emocionante crossover entre Pelezinho e Pelé. Por fim, em Pelezinho Especial - 50 anos de Pelé, edição em tamanho gigante e com mais de 200 páginas.
Esse último especial é item obrigatório na coleção de qualquer fã não só do Pelezinho, mas também de quadrinhos, futebol e, principalmente, de Pelé. Além da republicação de aventuras do final da década de 1970 e de tiras do início dos anos 1980, a edição apresenta um caderno de passatempos com os personagens da turma. Nada menos que 24 páginas dedicadas à história do Rei do futebol - repletas de curiosidades e recheadas de fotos raras - e sobre Pelezinho (incluindo galeria de personagens), além de abrir espaço para outros fenômenos dos esportes no Brasil.
Nessa revista também foi apresentada uma nova versão de Pelezinho e seus amigos como pré-adolescentes. Novo conceito, visual diferente e habilidade em muitos outros esportes foram as mudanças conferidas ao melhor jogador de futebol dos gibis, que deveria voltar aos quadrinhos inéditos.
Mas isso nunca aconteceu: a roupagem atualizada não agradou nem aos leitores da nova geração, quanto mais aos veteranos seguidores do personagem, e tudo ficou apenas nessa pequena apresentação.
Assim mesmo, esse novo e descartado Pelezinho chegou a ilustrar, naquele ano, o anúncio de um serviço telefônico de São Paulo que levava o seu nome e no qual dava dicas sobre futebol e contava histórias de bastidores das competições.
Encontro de titãs
Em agosto de 2005, os gênios do futebol Pelé e Maradona encontraram-se em um programa de TV apresentado pelo ex-jogador argentino em seu país.
O encontro histórico na vida real acabou resultando em outro no mundo dos quadrinhos: Pelezinho e Dieguito bateram bola em uma ilustração produzida e divulgada por Mauricio de Sousa para celebrar o acontecimento.
O desenho apresentou Dieguito ao grande público e foi acompanhado da divulgação de suas tiras jamais publicadas (ao mesmo tempo, algumas antigas do Pelezinho também foram veiculadas na imprensa). Concebido nos anos 1980 pelo criador da Turma da Mônica em homenagem a Maradona, o personagem não chegou a estrear na mídia, por motivos diversos. Toda uma galeria de coadjuvantes já havia sido criada, mas agora é apenas curiosidade histórica.
Embora o crossover com o personagem argentino e o resgate de tiras clássicas tenha alvoroçado os fãs de Pelezinho, a esperança de seu retorno ficou mesmo só nisso. Às novas gerações que ainda não o conhecem, restam somente os bons e velhos sebos e sites de leilão para apresentá-lo.
Hoje, quem comanda o futebol nos quadrinhos é Ronaldinho Gaúcho, outra criação de Mauricio de Sousa inspirada em um ídolo do esporte bretão. Embora o personagem seja protagonista de aventuras de ótima qualidade em seu gibi próprio e já tenha angariado uma grande legião de fãs entre novos e antigos leitores de HQs, Pelezinho continua sendo o rei dos campinhos de terra.
Tentar convencer do contrário os veteranos fãs de Pelezinho seria perda tempo. Da mesma forma que comparar os feitos de Pelé e Ronaldinho Gaúcho nos gramados do mundo real não vale nem um pouco a pena.
Marcus Ramone aproveita descaradamente a oportunidade para saber se entre os leitores do UHQ tem alguém que venda as edições 3, 4, 6, 11, 32 e 50 da revista do Pelezinho. O que não se faz para completar uma coleção...