"Algodão doce pra você também, tio Azulay"
Era o final dos anos 1970 quando conheci Daniel Azulay. Não pessoalmente - algo pelo qual guardarei uma eterna frustração -, mas por meio do programa apresentado por ele na TV Cultura, que marcou minha infância de uma forma talvez difícil de explicar, tamanha a intensidade.
Alguém já imaginou um programa de TV destinado ao público infantil, em que o apresentador falasse sobre Salvador Dali e a arte surrealista, explanasse sobre fatos históricos e tecnologia contemporânea e citasse frases de pensadores clássicos? Tudo isso usando como mote os desenhos à mão e as artes plásticas (na forma de brinquedos criados na hora e cuja matéria-prima era a sucata doméstica). Era isso e muito mais que Daniel Azulay oferecia diariamente durante toda sua carreira – que, mesmo fora da TV, continuou em canais alternativos, como Instagram e YouTube.
Desenhista, pintor, musicista, compositor e escultor, ele foi autodidata em todas as artes nas quais enveredou. Nascido no Rio de Janeiro no dia 30 de maio de 1947, seu primeiro trabalho com quadrinhos foi em 1967, com as tiras do personagem Capitão Sol, publicadas no meteórico tabloide O Sol, em sua cidade, e em 1968 com o Capitão Cipó, no periódico carioca Correio da Manhã. Sua mais famosa criação, a Turma do Lambe-Lambe (que chegou a estrelar uma série de discos de vinil), só debutou em 1975 – cinco anos depois, os personagens ganharam um título próprio pela Bloch Editores, com apenas quatro edições lançadas (eles reapareceram em 1982, pela Abril, alcançando 20 edições publicadas, e ainda houve um especial em 2015, pela Coquetel).
Mas foi mesmo graças à TV que Daniel Azulay conquistou seus fãs. Ele começou na TV Cultura, em 1975. Depois, seguiu para a TV Bandeirantes, na década de 1980, voltando à emissora – apenas na filial do Rio de Janeiro - em uma longa passagem, a partir de 1996. Voltou à TV Cultura em 2003, onde ficou até 2005, também participando do Canal Futura nesse período. Sempre com a Turma do Lambe-Lambe a tiracolo.
É preciso ressaltar que, essencialmente e além de tudo, Azulay foi um educador. Por sua contribuição à educação, ele recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais. Seus programas televisivos ensinavam e promoviam as artes, a educação em suas diversas acepções. Mensagens sobre sustentabilidade, cidadania, ecologia, o que houvesse de positivo para a formação das crianças estava lá. Ancorado por um apresentador carismático, simpático, com cara de menino alegre bobão, e visual, jeitos e trejeitos que carregavam uma identificação imediata com as crianças. Não havia desenhos animados no programa, mas, mesmo assim, a criançada amava assistir, pois o próprio apresentadador era a grande atração.
Por isso, é fácil entender a razão pela qual Daniel Azulay fez mais sucesso do que seus personagens. E ele nunca mudou aquelas características que mencionei acima. Voltei a acompanhá-lo nos primórdios da internet, logo que procurei e descobri seu site. E lá estava ele, nas fotos recentes de então, do mesmo jeito que era tanto tempo antes. Até a voz melódica e agradável, o cabelo despenteado, além daquela alegria nos olhos, com um sorriso infantil que nem o peso da idade conseguia modificar, física e espiritualmente falando. E com disposição para continuar se engajando em causas sociais diversas, Brasil afora. Meu ídolo não envelhecia – em nenhum sentido da palavra -, assim como deveria ser com todos os nossos ídolos de infância.
No entanto, ele se foi para sempre no dia 27 de março de 2020. Faleceu ainda criança. Não pela idade de 72 anos, que tinha naquela data. Mas porque nunca deixou de sê-lo em sua alma.
De segunda a sexta-feira, lá na década de 1970, ao final do programa da TV Cultura, após ouvir a famosa saudação de despedida do artista, dita enquanto ele prendia o lóbulo da orelha com os dedos polegar e indicador, eu sempre respondia de volta, em alto e bom som. E agora, ao final deste texto, que escrevo com tanto pesar, repetirei pela última vez aquelas mesmas palavras: “Algodão doce pra você também, tio Azulay.”