Não sabemos vender quadrinhos
Para vender um produto, é necessário um conhecimento mínimo sobre ele. É preciso saber a que público se destina, qual a melhor forma de apresentá-lo para chamar a atenção do consumidor e estar preparado para tirar dúvidas a respeito dele, dentre outros requisitos básicos para alguém exercer a função de vendedor.
No entanto, tem muita gente no comércio que não comeria o peixe que quer vender e nem ao menos sabe o nome dele. É o caso da maioria esmagadora dos vendedores de livrarias e bancas.
Se o autor não se chama Paulo Coelho, é melhor pedir informação a um vendedor de livraria citando o nome de uma obra, em vez de seu escritor. Faça uma pesquisa rápida e constate que grande parte desses profissionais é pouco ou nada afeita à leitura de um livro.
Agora, imagine esse quadro com os quadrinhos, ainda tão marginais no Brasil.
Experimente chegar numa livraria e perguntar onde fica a seção de quadrinhos. Com raras exceções (que, felizmente, já existem), vão encaminhar você para aquele pequeno espaço em que estão expostos os gibis mensais ou regulares encontrados nas bancas. Dificilmente o levarão àquela prateleira com os encadernados de luxo que a Conrad, Devir, Quadrinhos na Cia. e outras editoras que apostam no segmento de livrarias - canal em franco crescimento no mercado de HQs do País - habitualmente enviam para lá.
Há três anos, fui a uma livraria do maior shopping center da minha cidade, Maceió, capital de Alagoas. Depois de escolher alguns livros para mim, procurei outros para minha filha. Na seção infantil, junto a vários itens em promoção - apresentados como "saldão de estoque" -, encontrei algo que me deixou surpreso e chocado.
A surpresa ficou por conta de que um dos livros, além de não ser nem de longe direcionado às crianças, estava com um preço muito abaixo do normal - o que aproveitei de imediato, evidente. O choque foi ver que essa publicação era nada mais, nada menos que o segundo volume de Lost girls, a obra tão pornográfica quanto polêmica de Alan Moore e Melinda Gebbie.
Estava lá, sem lacre, à vista das crianças que a folheavam com olhos esbugalhados.
Com o livrão embaixo do braço, fui falar com o gerente, explicando do que se tratava aquela obra e que era uma irresponsabilidade dele expô-la entre publicações infantis. A resposta, em tom mais fleumático do que a saudação de um mordomo da corte real inglesa, foi mais ou menos assim: "Por essa ilustração da capa, pensamos que se tratasse de contos de fada ou algo parecido. Isso não acontecerá novamente, senhor."
Acredito que realmente não aconteceu mais, pois aquele exemplar que comprei era o ultimo do estoque.
Em São Paulo, certa vez, nosso editor-chefe, Sidney Gusman, encontrou Um contrato com Deus e outras histórias de cortiço, obra magistral de Will Eisner, dentre os livros de religião!
E muitos leitores têm histórias similares para contar.
Mas é nas bancas, a tradicional casa das revistas em quadrinhos no Brasil, que os gibis recebem o pior tratamento. Muitos vendedores não têm o mínimo conhecimento sobre layout de exposição.
Vejo um amontoado de exemplares de títulos diferentes acondicionados em pilhas, escondendo dos clientes os que estão por trás do primeiro. E quase não encontro a forma correta de expor, dispondo os gibis apenas parcialmente sobrepostos, de forma a deixar à vista o topo ou o lado esquerdo (de acordo com a diagramação do logotipo das revistas).
Alguns alegam que o problema é o espaço para tantas revistas. Mas por que raios deixar na prateleira todos os dez exemplares recebidos de um mesmo título, em vez de estocar uma parte e repô-la aos poucos?
E não fica só nisso. Você pode encontrar o último álbum do Níquel Náusea na prateleira de revistinhas de atividade e gibis infantis, pois a capa "tem um ratinho, uma baratinha e outros bichinhos".
Ou, ainda, Garotas de Tóquio exposta entre a Playboy e a Sexy.
Também não adianta muito perguntar se um determinado gibi já chegou. Poucos sabem até que se vende isso ali. Comigo já aconteceu de, ao não ver nenhuma revista Marvel ou DC, eu perguntar onde estavam os títulos de super-heróis e receber da vendedora uma lacônica resposta inicial ("Hã?"), seguida de outra genérica ("Acho que não tem").
Pior é quando vão logo dizendo que não tem o gibi e, depois de insistirmos para que o vendedor procure no estoque, eis que surge a revista que "não tinha" na banca.
As editoras também precisam aprender a vender melhor seus produtos. A começar pela divulgação, que já não é como nos bons tempos em que as bancas recebiam materiais publicitários dos gibis que chegavam, incluindo displays de chão e móbiles - ainda tenho guardados aqueles enormes cartazes (como um da saudosa Chiclete com Banana e outro da clássica Superpowers # 1) com cerca de um metro de altura e os banners de plástico (com caneletas e tudo mais) da primeira minissérie Marvel x DC, itens que, para mim, eram colecionáveis e eu pedia sempre ao pessoal das bancas, nos anos 1980 e 1990.
Isso também se traduz, todo mês, na cobrança insistente que o Universo HQ faz para que as editoras enviem seus checklists de lançamentos. Algumas mandam com muito atraso; outras atendem à solicitação de vez em quando. E há aquelas que nunca enviaram suas listas. O mínimo que se espera é que todas tenham a iniciativa de procurar os meios de divulgação que se oferecem gratuitamente a elas.
São ainda mais incompreensíveis as costumeiras ausências das grandes publicadoras de quadrinhos nos eventos da área. Algumas não mandam sequer um simples banner e muito menos montam um estande para marcar presença e tentar conquistar novos leitores ou garantir a fidelidade de outros.
A sensação que tenho é de que, via de regra, as editoras brasileiras são, em relação ao seu produto, como pais insensíveis que, no primeiro dia de aula do filho no jardim de infância, largam a criança na porta do colégio e dizem "Vai lá e se vira, garoto". O acompanhamento que, por exemplo, Marvel e DC fazem de suas publicações, visto - dentre outras coisas - no laço estreito com as comic shops, é uma utopia no Brasil.
Outra ferramenta, já institucionalizada nos Estados Unidos, mas ainda incipiente e quase nula por aqui, é a pré-venda, que permite ao leitor se programar para uma compra certa, antes mesmo do lançamento do gibi.
Para isso, as editoras têm que adotar a prática de anunciar um lançamento com bastante antecedência, registrar a data exata da chegada da revista e, mais importante, não abortar a publicação depois de aguçar a expectativa dos leitores, como tem sido comum no Brasil.
Vale registrar, no quesito antecedência, o que acontece com a San Diego Comic-Con, principal festival de quadrinhos dos Estados Unidos. Menos de uma semana depois do fim de uma edição anual, são colocados em pré-venda os ingressos da próxima. A premissa é simples: garantir a grana o mais breve possível, capitalizando em cima do clima e da empolgação recentes dos visitantes do evento.
No Brasil, infelizmente, os vendedores de quadrinhos ainda estão tratando seu sushi como sardinha frita.
Marcus Ramone trata suas revistas em quadrinhos como sushi, mas não as come.