Aprendendo a oferecer seu trabalho - e a receber um não!
Por mais experiente que seja hoje um autor de quadrinhos, certamente ele já passou por aquela fase da inocência, do deslumbre, que até pode ser salutar, desde que se saiba amadurecer com as decepções que virão em seguida.
Talvez o momento mais típico dessa fase seja aquele em que o jovem quadrinhista junta seus desenhos, escreve uma carta e propõe uma revista mensal com seus personagens a editoras como Abril, Globo, Mythos, Panini e, às vezes, até mesmo Nona Arte, como último recurso... Depois vem a frustração, ao ver que todo este esforço não deu em nada.
Mas não dá em nada para quem não sabe aprender com cada experiência. Quem é maduro e tem força de vontade, tira isso como uma aula, e não como um fracasso. Daí, é redefinir as estratégias e enxergar melhor a realidade.
Não só para estes, mas até mesmo pra muito artista que já tem o seu potencial em evidência, pretendo dar uma modesta ajuda listando, a seguir, algumas dicas e conselhos, dos quais ficaria muito feliz em saber que estão ajudando alguém. E eles valem mesmo para o mercado "informal". Por isso, siga-os mesmo quando for oferecer o seu trabalho a um fanzine ou a uma publicação independente.
1 - Mostre o que você tem de melhor
Não junte cada rabisco que você tem na sua gaveta, nem mostre aquele caderno de rascunhos ou de exercícios do seu curso. Não mande cópias que fez de desenhos de outros artistas. Também não apresente uma página antiga junto com a ressalva "mas hoje faço bem melhor".
Exiba o melhor de seu trabalho, pois o editor quer ver o que você tem a oferecer à publicação, e não os passos do seu aprendizado.
2 - Ao propor quadrinhos, mostre quadrinhos
É comum, até mesmo entre artistas experientes, o envio de ilustrações soltas ao se oferecer para desenhar uma história em quadrinhos. Isso é um erro, pois não há como o editor avaliar seu trabalho desta forma.
É como um diretor de cinema ter que avaliar um ator unicamente por uma foto. Quadrinho é muito mais que ilustração. O artista precisa saber expressar um texto pelos desenhos, tem que mostrar que tem narrativa, que sabe "atuar", mostrando as expressões e as poses dos personagens, dar o enquadramento correto, trabalhar bem o espaço para o texto entre os desenhos...
E estes são apenas exemplos do que o editor quer ver, e que uma ilustração simples não pode mostrar. O ideal é enviar páginas desenhadas por você, mesmo que estas não formem uma história completa.
3 - Encaminhe bem o seu projeto
Adianta enviar o projeto de um livro de receitas a uma editora especializada em publicações jurídicas? Ou tentar lançar aquele seu romance policial por uma editora espírita?
Da mesma forma que é errado simplificar os exemplos anteriores a "eles publicam livros, então vão publicar o meu", as histórias em quadrinhos não podem ser resumidas simplesmente a... histórias em quadrinhos!
Dentro desse universo da arte seqüencial, há vários ramos, gêneros e linhas editoriais, e é importante ver, antes de encaminhar o seu trabalho, se este se encaixa na linha da editora em questão.
Podemos juntar aos exemplos acima o projeto de uma HQ underground encaminhado à Panini (que publica Marvel e DC no Brasil), o envio de uma série de tiras à editora Abril (responsável pelas revistas da Disney, Spawn e Simpsons) ou a proposta de uma minissérie em seis revistas, em cores e distribuição em bancas, para a editora Via Lettera (que só lança quadrinhos para livrarias).
A Nona Arte, editora pela qual respondo, tem uma linha bem definida (assim como suas limitações!), baseada no quadrinho alternativo. Nem por isso deixo de receber projetos de super-heróis estilo Marvel ou de quadrinhos infantis, muitos até de qualidade.
Da mesma forma, recebo projetos de revistas coloridas mensais, para circularem nas bancas, mas o autor nem sequer considerou que a editora até hoje não lançou qualquer publicação que chegasse perto desse padrão.
4 - Muita humildade
Por que a maioria já quer começar com uma revista solo, com seus próprios personagens, toda colorida, e distribuída no País inteiro? Epa! Vamos com calma! Até mesmo esquecendo por hora a crise do mercado de HQs, é preciso comer muito feijão para pensar em um projeto deste porte.
Antes de pensar tão alto, adquira experiência. A publicação em fanzines é uma das melhores faculdades que pode haver, mas não pense que basta publicar cinco histórias pra você já estar no ponto.
Use a humildade a seu favor, veja quais são as suas falhas e limitações e trabalhe em cima delas. Só a prática de anos e anos pode aprimorar o seu trabalho, e ainda tem muita gente que continua quase sem progressos, mesmo praticando muito.
Não espere boa vontade do leitor, nem peça por ela. Quando você vê um filme ruim, será que pensa "ah, mas essa equipe toda deu um duro enorme"? Se o leitor não gostar, não gostou e pronto.
E você tem que se preocupar em evoluir para agradá-lo, e não argumentar sobre o porquê dele apoiar o quadrinho nacional, nem se defender dizendo que ele é preconceituoso.
5 - Saber o que significa o não
O "não" de um editor nem sempre quer dizer uma reprovação ao seu trabalho. Talvez ele não se encaixe na linha da editora, ou pode ser que esta não esteja atrás de novos projetos naquele momento, seja por limitações, seja por estratégia.
Não são poucos os que taxam as editoras de preconceituosas, e ainda as acusam de não apoiarem o quadrinho nacional.
E por que deveriam apoiar? É o autor do projeto que deve mostrar que tem algo a oferecer à editora, e que esta vai ganhar comprando esta idéia.
6 - Paciência e bom senso
Não se esqueça de que um editor é um ser humano, que precisa dormir, comer, trabalhar, cuidar dos filhos, e que tem apenas 24 horas por dia para isso e muitas coisas mais. Assim, não exija uma resposta de imediato.
Muitas vezes, uma resposta rápida é sinal de que o seu projeto não foi olhado com atenção. Também o ajude a fazer a parte dele. Seja sempre o mais sucinto possível. Já recebi por e-mail um texto de mais de 100 páginas, a partir do qual o autor iria fazer sua HQ. Ele pediu para que eu lesse e desse a minha opinião. Claro que não foi possível...
Como essa coluna é feita diretamente para você, leitor, vou esperar pela sua resposta, para ver se agradei em cheio ou se a grande maioria parou de ler no meio. Dependendo de como for a resposta, posso passar mais alguns toques no próximo texto.
Como sempre lembro aqui, sua resposta é fundamental! Escreva por e-mail e comente suas experiências, tire suas dúvidas e dê também suas dicas. Se a repercussão for boa, a próxima coluna trará as mensagens mais interessantes transcritas e comentadas.
André Diniz sabe do que está falando. Afinal, sabe bem que um "não", se bem assimlado, pode se transformar num "talvez" e até num "sim". Várias provas disso você pode conferir no site da Nona Arte