Empresas no Brasil investem em quadrinhos para funcionários e clientes
Um mercado em plena ebulição para os quadrinhistas brasileiros.
Todo mundo sabe, ou ao menos deveria saber, que os quadrinhos são algumas das ferramentas pedagógicas mais poderosas usadas em salas de aula, ajudando crianças a melhor receber informações e reter conhecimentos.
Mas isso não está restrito apenas ao mundo infantil. Adultos podem não se interessar por quadrinhos se já não possuíam esse hobby em sua infância, mas sentem-se atraídos e perdem o preconceito pelos gibis quando, em seu local de trabalho, são apresentados aos quadrinhos institucionais e entendem com muito mais facilidade as mesmas informações que costumavam ser passadas por circulares, e-mails, slides e outros veículos "sem alma".
Essa constatação é fruto de pesquisas realizadas por empresas de todo o Brasil, que cada vez mais vêm utilizando gibis para transmitir informações sobre assuntos organizacionais aos seus funcionários.
Imagine um segmento dos quadrinhos brasileiros em que os autores ganham bem pelo trabalho, são reconhecidos e suas produções às vezes alcançam uma tiragem muito maior do que as das quase sempre imbatíveis HQs de super-heróis. A demanda é boa, o filão demonstra ter muito a ser explorado, os custos são baixos e toda a produção, por ser encomendada e com distribuição gratuita, não depende de nenhum resultado de vendas. Parece um sonho, mas isso existe.
Antes concentrados no universo infantil, com temas informativos e educativos relacionados a esse público (vide os que a Mauricio de Sousa Produções costuma produzir com os personagens da Turma da Mônica) e promovidos, via de regra, por órgãos públicos, os quadrinhos institucionais entraram de vez no mundo corporativo.
É fácil encontrar grandes empresas, como Gessy Lever, Empax, Bompreço, Extra e tantas outras distribuindo internamente (e em alguns casos para os seus clientes) revistas em quadrinhos sobre norma ISO, segurança no trabalho e diversos temas pertinentes a essas organizações.
Um caso bastante emblemático sobre o poder de comunicação dos quadrinhos é o da Graber, uma prestadora de serviço de segurança patrimonial de São Paulo. Na empresa, circula o gibi Se Liga, Vig!, que em cada edição traz um assunto diferente. Em uma delas, ao explicar por intermédio dos personagens Zeca e Silva o uso correto do Serviço de Atendimento ao Vigilante, caiu para menos de 5% o número de chamadas sobre assuntos indevidos feitas pelos vigilantes para a linha telefônica 0800. Antes, o índice era de espantosos 90%.
Ao contrário do que possa parecer, a linguagem dos gibis institucionais em tom de humor e com desenhos infantis não afasta os leitores adultos pouco afeitos a HQs. Um bom exemplo disso aconteceu recentemente na Flu Look, rede de óticas sediada em Maceió, Alagoas.
A empresa foi a primeira do segmento no Brasil a receber a certificação ISO 9001 e é considerada benchmark do setor no quesito qualidade total. Mesmo com toda essa bagagem e valendo-se dos mais variados recursos de novos e antigos modelos de gestão baseados em QT, a Flu Look resolveu apostar na simplicidade dos quadrinhos e distribuiu aos seus funcionários, em todos os níveis hierárquicos, a HQ O Caminho da Qualidade - produzida pela Montandon & Dias Comunicações e Editora, de São Paulo, na qual os preceitos da ISO 9001 eram explicados por uma mascote que expunha a importância dessas normas para a sobrevivência de uma empresa e o crescimento profissional dos que nela trabalham.
"Fizemos uma pesquisa e comprovamos a força da mídia quadrinhos. Depois de ler o gibi, alguns funcionários afirmaram que conseguiram entender melhor o que antes, para eles, era apenas um emaranhado de conceitos sem muito sentido prático; outros chegaram a sugerir que nosso jornal informativo tivesse quadrinhos mensais sobre esse e outros assuntos relacionados ao Sistema da Qualidade", disse Alessandra Nutels, diretora de marketing da Flu Look. "O resultado foi um maior comprometimento de todos com nossa empresa", concluiu.
Esse é um nicho de mercado que está em ascensão. Em todo o Brasil, são muitos os profissionais, agências de publicidade e estúdios especializados em produzir quadrinhos institucionais para empresas privadas e órgãos públicos.
O ilustrador paulista André Luiz é um desses especialistas. Sua atuação no setor, além da criação de HQs desse gênero, inclui a organização de oficinas e workshops com o título Quadrinhos como Ferramenta de Campanhas Institucionais. Em seu site, o artista expõe dez excelentes motivos pelos quais as empresas devem utilizar os gibis como apoio a ações corporativas ou de marketing.
A Artecétera, de São Paulo, também se dedica exclusivamente a essa área e ainda encontrou tempo para produzir algumas histórias em quadrinhos tradicionais para o gibi do Menino Maluquinho. Em seu portfólio há trabalhos para os setores odontológico, varejista, gestão do meio ambiente, marketing, RH e muitos outros.
O estúdio também foi o responsável pela produção da revista em quadrinhos A gente sabe, a gente faz, minissérie em oito edições lançada em 2005 pela Editora Globo e promovida pelo Sebrae - Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, em parceria com o cartunista Ziraldo. A publicação era um curso de vendas em quadrinhos e, em cada edição semanal, apresentava com muito humor e didatismo um capítulo das venturas e desventuras de uma família e sua microempresa, além de uma história real de pessoas empreendedoras.
A grande sacada de A gente sabe, a gente faz foi humanizar os personagens e torná-los identificáveis com seu público leitor. Mais que isso, a trajetória do ex-jogador de futebol que se tornou dono de uma pequena empresa que prosperava era mostrada cronologicamente. Até mesmo o envelhecimento dos personagens e suas mudanças de atitude com o passar da idade foram mostrados. No final das contas, a HQ - que, curiosamente, era vendida nas bancas - foi uma boa pedida destinada não só a quem necessitava de dicas úteis para iniciar ou incrementar seu negócio, mas também para qualquer adepto de uma boa leitura de revistas em quadrinhos.
Mas os bons exemplos do Sebrae não se limitam a esse. A entidade ainda utiliza os gibis 5S em quadrinhos, Manual do Programa de Qualidade Total para Micro e Pequenas Empresas e outros em seus trabalhos de consultoria de implantação do Sistema da Qualidade Total.
A utilização de quadrinhos e charges na divulgação de produtos e serviços em jornais e revistas também era bastante comum até o final dos anos 1980, mas esse recurso sucumbiu na última década diante das novas tecnologias a serviço da propaganda.
Entretanto, alguns recentes cases publicitários apontam para o retorno tímido dessas ferramentas no âmbito institucional, como atestam a série de charges em anúncios da operadora Intelig; as tiras criadas pelo cartunista Laerte para a academia de fitness Companhia Athletica e as de Ziraldo - mesclando fotos e desenhos - para o Banco do Brasil, dentre mais exemplos.
Outros conhecidos cartunistas têm em seu currículo atuações nessa área. Antônio Cedraz (Turma do Xaxado) e Ruy Jobim Neto (Jarbas) também costumam empregar sua arte em quadrinhos institucionais para empresas.
"Revistas em quadrinhos institucionais atingem um universo bem heterogêneo de pessoas, de uma forma simples, agradável e divertida, sem perder a seriedade dos assuntos abordados. Potencializam a assimilação da informação e atraem muito mais do que um folder ou um informativo só com textos, pois oferecem entretenimento aos leitores", afirmou Cedraz.
E isso é bom para todas as partes envolvidas: artistas, empresas e público-alvo.
Marcus Ramone tem em sua coleção algumas dezenas de gibis institucionais.