FIQ: entre vários acertos e alguns erros, o maior evento de quadrinhos do Brasil (Parte 2)
Por Sidney Gusman
A valiosíssima Maratona de Quadrinhos
Uma
atividade que estreou neste 3º FIQ, e com o pé direito, foi a Maratona
de Quadrinhos, um projeto que coloca à disposição dos educadores meios
de utilizar a linguagem das HQs como ferramenta de ensino.
Dirigida a arte-educadores e alunos do ensino fundamental, a Maratona
foi dividida em três etapas. A primeira, ministrada pelo professor especializado
em quadrinhos João Marcos, aconteceu de 11 a 15 de agosto, com a participação
de mais de 60 pessoas.
Na segunda, que terminou no dia 15 de setembro, professores que participaram
ou não da primeira tiveram a oportunidade de inscrever trabalhos desenvolvidos
em sala de aula pelos seus alunos, contando com o apoio de monitores da
Escola de Belas Artes da UFMG.
A terceira e última etapa, denominada Campeonato, aconteceu no
dia 27 de setembro. As equipes selecionadas criaram uma história em quadrinhos
ao vivo, durante o evento, com temas definidos pela coordenação do evento.
O professor da equipe vencedora ganhou um aparelho DVD e cada aluno um
microsystem.
Na
categoria de 9 a 11 anos, cujo tema era Trem, os vencedores foram
os seguintes alunos da Escola Municipal Francisco Bressane de Azevedo:
Bruno Souza Ferreira, Diego Almeida Lemos, Iago Martins Dias e Fernando
Lucas de Souza. A professora foi Anna Cecília Batista Rocha.
Já entre os de 12 a 14, que deviam fazer uma HQ sobre Tecnologia,
o primeiro lugar ficou com a Escola Municipal Milton Campos, representada
pelas alunas Alexandra de Lourdes Ferreira, Camila Assis Silva e Denise
Zita de Jesus, orientadas pela professora Mariana Cássia Freitas Magalhães.
João Marcos, autor das ótimas tiras do Mendelévio,
garantiu que trabalhar como professor nessa atividade foi uma dos momentos
mais gratificantes de sua carreira. "É emocionante poder ver o despertar
da paixão pelos quadrinhos nas crianças", disse.
Segundo Amauri de Paula, produtor do FIQ, a Maratona de Quadrinhos
foi tão bem, que pode continuar em 2004, mesmo sem o festival (que é bienal).
"Atingimos 162 escolas, e falamos sobre quadrinhos diretamente com 90
mil crianças, entre 9 e 14 anos, num grande trabalho para multiplicar
o público leitor", disse.
Sem dúvida, eis um exemplo que pode ser copiado - e melhorado - por várias
cidades do País.
As grandes ignoraram, os pequenos buscaram espaço
Uma
das coisas mais inadmissíveis desse terceiro FIQ foi a ausência
quase que total das principais editoras brasileiras. A única que tinha
sua logomarca num estande (e, mesmo assim, de um revendedor local) foi
a Conrad.
E o incrível era que alguns autores presentes ao evento têm trabalhos
publicados no Brasil. Não é difícil imaginar que War - Histórias de
Guerra # 2, da Opera Graphica, ou V de Vingança, da
Via Lettera, venderiam bem com tantos fãs de David Lloyd ávidos
por comprarem materiais de sua autoria, para terem neles o autógrafo do
inglês.
"Creio que essa ausência se deveu ao desconhecimento do potencial do FIQ",
especulou Amauri de Paula. "Convidamos as principais editoras do Brasil,
mas elas talvez não tenham se dado conta do enorme retorno de marketing
que obteriam aqui, especialmente se pensarmos no público atingido pela
Maratona de Quadrinhos."
Dessa forma, quem aproveitou para vender revistas e álbuns de várias editoras
foi a Comix, loja especializada de São Paulo que, sabiamente, sempre
marca presença em grandes eventos de quadrinhos.
Mas se os grandes ignoraram o FIQ, os pequenos aproveitaram para
mostrar seus trabalhos. Em estandes minúsculos, novos quadrinhistas de
vários pontos do País "davam a cara pra bater", em busca de espaço.
Nesse
quesito se enquadram os autores da revista independente capixaba Quase,
que faziam verdadeiras performances humorísticas, com extrema criatividade,
para chamar a atenção do público. E conseguiram! Suas vendas foram acima
do esperado e, certamente, o título (superior a vários de humor que estão
nas bancas) vai agradar a quem o ler.
O mesmo vale para a turma do fanzine Napalm!, que foi de Maceió,
de ônibus, em mais de um dia de estrada, para vender sua publicação amadora,
mas muito bem produzida. Para alguns "macacos velhos" do mercado nacional,
que vivem se queixando da falta de espaço e oportunidades, esse pessoal
deu uma verdadeira lição de como arregaçar as mangas em busca de seus
objetivos.
Quem
também teve estande próprio (este mais estruturado) foi o Big
Jack Estúdio, que aproveitou o FIQ para divulgar o primeiro
número da minissérie (em três partes) Fahrenheit
100º, que vendeu muito bem na noite do lançamento.
Durante o evento ainda foram lançadas a edição especial É Tiras,
da Emcomum Casa Editorial, com tiras dos pouco publicados, porém
bastante competentes, João Marcos, Chantal e Rogério Marcus; a Front
# 14, da Via Lettera, só com histórias sobre a infância; a
surpreendente revista independente Mosh!,
da Gibiteca Editora, com uma mescla de rock e quadrinhos; e a edição
# 11 da excelente Graffitti 76% Quadrinhos.
A divulgação do evento
Algo que a organização do FIQ tem ciência de que precisa intensificar
para a próxima edição é a divulgação. Não
em Belo Horizonte, onde todas as TVs, rádios e jornais locais destinaram
grande espaço para o evento, mas nos outros estados brasileiros, para
atrair mais leitores.
Evidente que não é fácil colocar nos grandes jornais de São Paulo e Rio
de Janeiro (os dois maiores consumidores de quadrinhos do País) matérias
sobre um evento em Minas Gerais, mas é preciso um forte trabalho nesse
sentido. E com grande antecedência.
Algo que poucos viram, por exemplo, e que seria um ótimo chamariz para
o FIQ foram os 12 cartões postais produzidos especialmente para
o evento, pelos artistas Jô Oliveira, Lélis, Marcello Quintanilha (ainda
assinando como Gaú), Lucas Libânio, Eduardo Bernardes, Daniel Lima, Allan
Sieber, Júlio Ferreira, João Marcos e os franceses Vuillemin e Régis Franc.
Também
foi uma pena que o espanhol Miguelanxo
Prado não tenha concluído sua edição retratando Belo Horizonte (nos
mesmo moldes da feita pelo francês Jano sobre o Rio
de Janeiro), pois isso também atrairia mais "holofotes" para o festival.
Outro ponto que necessita ser melhorado para 2005 é a sinalização sobre
o FIQ em Belo Horizonte. Para chamar a atenção também de quem não
é fã de quadrinhos, faixas e cartazes espalhados pela cidade seriam fundamentais,
mas eles eram escassos. Nem no hall do hotel onde estavam hospedados
todos os convidados havia algo. Eis algo para se pensar melhor. Até a
Casa do Conde carecia de uma identificação visual mais planejada.
Um grande balão com a logomarca do evento, parecido com o que aconteceu
na edição anterior do festival,
já ajudaria quem passava do lado de fora a saber o que estava acontecendo
naquele local.
"O
público poderia ter sido maior, é verdade, mas ficamos bastante satisfeitos
com o resultado obtido pelo FIQ", declarou Amauri de Paula. "Gostei
muito, porque o evento abriu novas possibilidades e cresceu em área ocupada.
Há falhas, com certeza, mas já estamos trabalhando para corrigi-las."
Além disso, Amauri destacou que o festival vem se consolidando como um
evento da cidade e, cada vez mais, passa a ser uma referência internacional
forte. "Este ano, um dos pontos positivos foi a presença maior da iniciativa
privada, pois não dá pra contar apenas com o recurso público", explicou.
Quem
também demonstrou grande satisfação com o evento foi a secretária da cultura
Celina Albano. "O evento teve a repercussão que merecia. Adorei a presença
dos quadrinhistas e do povo em geral, os debates e as exposições, todas
de alto nível", destacou. "Minha avaliação foi muito positiva e, daqui
pra frente, é sempre melhorar. O FIQ já faz parte do calendário
cultural de Belo Horizonte. É algo que não tem volta."
Mas, no último dia do evento, Celina Albano e os organizadores enfrentaram
a chamada "saia justa", numa reunião com alguns quadrinhistas mineiros,
liderados pelo veterano Nilson e o premiadíssimo Wellington Srbek, que
queriam saber quais as razões pelas quais não foram convidados a participar
do evento.
Depois
de muita "lavação de roupa suja" em público, ficou claro que os dois lados
erraram, basicamente por picuinhas pessoais. A organização falhou ao não
chamar a todos? Sim. Mas os "excluídos" também poderiam procurar formas
criativas de participar do evento e burlar o suposto boicote; em vez de
partir para a briga, por meio de panfletos e manifestos desnecessários.
No próximo ano, um novo prefeito tomará posse em Belo Horizonte. A esperança
é que o louvável incentivo aos quadrinhos como forma de cultura seja mantido.
Afinal, com tantos convidados internacionais elogiando o evento, a participação
da iniciativa privada e a grande repercussão (local) na mídia, o FIQ
demonstrou que tem potencial para crescer muito mais.
Então, fica o desejo que, para 2005, rixas pessoais sejam deixadas de
lado e o foco principal seja basicamente o sucesso do Festival Internacional
de Quadrinhos, que, entre vários acertos e alguns erros, consagrou-se
como o maior evento do gênero no Brasil.
Sidney Gusman trouxe
uma bagagem bastante diversificada de Belo Horizonte: vários quadrinhos
pra ler, um monte de entrevistas pro UHQ, muito queijo Minas pra comer
e diversos "uais" e "trens" no vocabulário.