Frank Miller fala sobre o momento do mercado e detona revista Wizard
Frank Miller, criador que dispensa apresentações, foi chamado para fazer uma palestra na abertura da entrega dos prêmios para os vencedores do Harvey Awards, que aconteceu durante a convenção Pittsburgh ComicCon.
Miller não poupou palavras em seu discurso, principalmente sobre a revista Wizard. Ele falou também sobre a liberdade criativa dos autores, o atual momento que passa o mercado de quadrinhos e a relação entre HQs e Hollywood. O site Splash transcreveu, na íntegra, a declaração.
Ele começou perguntando a todos sobre como encaram a indústria e suas funções. "É meio difícil ser irritado, sem ser maníaco. Quase sempre que fico irritado, é porque pessoas perfeitamente sensatas agem de maneiras estúpidas. Como nos quadrinhos, como agora. Estou falando de como as pessoas no mundo dos quadrinhos se relacionam com o resto do mundo. É muito estranho. É esquisito. Não faz nenhum sentido. Precisamos no resto do mundo, e tentamos ser realmente bons. Mas chegamos até eles com flores e presentes, tocamos a campainha e saímos correndo como o diabo. É uma relação de amor e ódio ou de luxúria e medo? Eu não sei. Nós estamos mandando sinais mais confusos do que o eleitorado da Florida", disse, fazendo alusão à apuração dos votos nesse estado, na última eleição para presidente dos Estados Unidos.
"Nós vivemos aqui, e entendemos melhor o que fazemos. O Mercado Direto (Nota do UHQ: Em inglês, Direct Market. Como são chamadas as vendas nos EUA, diretamente para o público específico em lojas especializadas, e não em bancas comuns) é tão saudável e cordial quanto uma baleia encalhada. Assim, não há procura por novos leitores. Então, termos duas perguntas: 'O que queremos de quem?' e 'O que temos para oferecer?'".
"Primeiro, 'o resto do mundo'. É muito triste que tantos de nós o chamem de 'o mundo lá fora'. Pior ainda é quando falamos 'o mundo real'. Afinal, o que somos? Fraude? Então, se não somos uma criação de laboratório ou uma incrível simulação, vamos admitir que grande parte do mundo que é desinteressada por quadrinhos não é de outro planeta. Somos parte dele, é nosso mundo também! Mas o que queremos dele? Mais leitores? Bem, é claro. Dinheiro? Com certeza. O que mais? Respeito. Aceitação do mercado de massa".
"Pessoas que chamam nossa atividade de 'cultura de consumidor' estão certas, mas não vão longe o bastante. Nossa cultura é voraz. Até o um trabalho criativo é chamado apenas de 'produto'. Veja como artistas, escritores, neurocirurgiões e fazendeiros que cuidam de porcos são todos colocados como 'fornecedores'. Produto! Hoje, não há desafios, não há surpresas. Um hambúrguer tem que ter o mesmo sabor aqui ou do outro lado do país. É tudo a mesma coisa. E de todos os produtos que são iguais atualmente, os mais previsíveis estão no entretenimento. Hollywood".
"Não me entendam errado, trabalhar em Hollywood pode ser bom. É um negócio divertido, glamouroso, sexy. Mas a palavra de destaque aí é negócio. Sim, é um negócio! Você encontrará pessoas adoráveis, até mesmo honestas. Verdade! Eu conheci... (pausa) duas! (risos). Hollywood é um negócio prazeroso e inumano. Se você quer jogar o jogo deles, fique esperto. E nunca esqueça que você tem as únicas cartas que valem: idéias. Lá, o assunto sempre é dinheiro".
"E nós estamos aqui, explodindo em idéias. Nós devemos parecer crianças para eles e, certamente, eles nos vêem e tratam assim. Nossas idéias não significam que somos melhores do que Hollywood - bem, nós somos sim - mas não é isso. É que, nos quadrinhos, podemos levar uma idéia adiante, sem ter dívidas. Nossas idéias não precisam passar por aquela clínica de aborto que eles chamam de 'processo de desenvolvimento'. Nós temos o que eles querem, porque eles não podem fazer isso acontecer. Temos que estar atentos a isso. Assim, se você for trabalhar em Hollywood, nunca pense que é um cidadão de segunda classe".
"Fique esperto e se prepare. Saiba que uma dessas três coisas acontecerá: 1) Seu trabalho será considerado de uma genialidade absoluta. Fará milhões e milhões de dólares, Gwynneth Paltrow te ligará sete vezes por dia e Jennifer Lopez se agitará ao seu lado quando for ganhar um Oscar; 2) Você fará um bom dinheiro, mas aquela sua criação que levou tanto tempo para ser feita e desenhada será lembrada sempre como uma porcaria de filme; 3) É quando as coisas ficam realmente depressivas. Sua criação vai para o cemitério dos elefantes. É como eu chamo as estantes que existem nas salas dos executivos. Elas estão cheias de scripts que nunca foram usados".
Nesse ponto, Miller começa a colocar a revista Wizard em seu discurso, e não poupa críticas. Pelo contrário! Fala tudo o que pode, mais um pouco e rasga uma edição inteira. "Tenha sempre em mente que se você se deitar com cachorros, pegará pulgas. Se deitar com vermes (o autor pega uma edição da revista Wizard), pegará vermes", declarou.
"Os executivos de Hollywood não lêem quadrinhos. Eles lêem a Wizard. Ou, pelo menos, as editoras pensam isso. De qualquer maneira, o resultado é o mesmo. Embora essa vulgaridade mensal (Miller rasga a capa da revista) reforce todo o preconceito que as pessoas têm sobre os quadrinhos (começa a rasgar as páginas), eles dizem para todo o mundo que somos tão baratos, estúpidos e sem valor quanto pensam que somos. E nós patrocinamos essa agressão. Nós pagamos essa porcaria de privilégio. Quando iremos, finalmente, a outros lugares e enxotar essa coisa, esse pedaço de porcaria, de uma vez por todas?", disse Frank Miller jogando a revista, toda rasgada, no lixo e com o público aplaudindo.
"Quando iremos perceber o que nós temos? Olhe os candidatos desse prêmio. Mentes abertas, produzindo coisas. Mentes como a de Harvey Kurtzman, vivo e trabalhando. Veja o que temos neste pequeno - mas esperto, muito esperto - campo. É magia! Magia que certas pessoas querem aos montes. Uma coisa é certa. Nosso mercado sairá dessa baixa, mas não será Hollywood que nos recuperará. Nem a Internet. Serão as revistas. As revistas em quadrinhos", finalizou.