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Guerra Santa nos quadrinhos

1 dezembro 2001

b>Por André Lopes

Capa de Marvel Apresenta #5"Esta
cidade tem muitos nomes em diferentes mundos [Vê-se um edifício com arquitetura
nitidamente árabe]. Em todos, uma coisa permanece constante. Não importa
se por acidente ou desígnio, por governo ditatorial ou pelo natural fluxo
de eventos. Ela é, com orgulho, uma das maiores metrópoles do globo.
Aqui e agora, porém, se encontra humilhada pelo jugo de invasores,
suas torres brilhantes, eclipsadas pela cidadela sinistra que se ergue
onde antes havia o palácio de seu amado califa. Liberdade é uma lembrança
distante. O espírito da terra e de todo o povo foi quebrado por
Jihad".




O trecho acima não parece tão despropositado, se levarmos em consideração
a recente Invasão do Golfo. Jihad é a Guerra Santa de todo povo árabe:
quando clamada, os fiéis seriam convocados a defender sua crença em armas.
Estivemos a um passo dela - talvez ainda estejamos. Mas a proposta é uma
reflexão sobre o texto acima.



Poderíamos pensar que, de fato, esse relato fora afetado pelo estrito
controle de imprensa do governo norte-americano e, naturalmente, defendeu
uma posição intervencionista. Ou então que, deliberadamente se imbuiu
do ideal libertário e comprou a mentira.



Página de Marvel Apresenta #5O
maior problema não está no conteúdo explicitado. Mas na forma como ele
foi feito.


Esse era um recordatório da revista Marvel Apresenta # 5, da Panini
Comics
, na aventura As Quatro Viagens Fantásticas de Sinbad,
protagonizada pelo Quarteto Fantástico. Sem mais nem menos, Nova York
é invadida por uma bruma e um barco encantado atraca no píer onde o grupo
está instalado.



Nos quadrinhos, Jihad é um monstro responsável pela mágica e transporta
os heróis para uma Bagdá imaginária. Precisava de Reed Richards & cia.
para resgatar uns objetos místicos e abrir um portal entre os mundos para
dominá-los.



A história trabalha com três forças: representando o lado tradicional
e bom da Arábia, está Sinbad - o marujo encontrava-se imobilizado por
um feitiço e aparece como a carranca na proa do navio; contrapondo-o,
está Jihad, sanguinário e dominador (seus soldados são babuínos obedientes
com aqueles tradicionais chapeuzinhos redondos turcos - ou seja, não têm
identidade individual, como os barbudos afegãos e os bigodudos iraquianos);
e para solucionar o impasse aparece a "tradicional" família norte-americana
- a única capaz de reverter as ferramentas encantadas contra o bicho.




Página de Marvel Apresenta #5Depois
dos ataques terroristas contra as Torres Gêmeas, o mundo dos quadrinhos
foi modificado. Diversos personagens revelaram sua identidade secreta
- quem precisa se esconder é o inimigo: o Aranha contou a verdade à Tia
May; Xavier, mesmo sob a desculpa de domínio mental, assumiu em rede nacional
sua condição mutante; e o Capitão América creditou, também na televisão,
seu massacre de terroristas a Steve Rogers.



Além disso, as tramas ficaram mais adultas e os heróis, menos super. Alguns,
inclusive, abandonaram seus uniformes coloridos, caso dos X-Men, que adotaram
um visual muito parecido com o do filme.



Apesar de todo esse panorama, parecia que as mudanças ficariam por aqui.
No entanto, para surpresa dos leitores, nunca se viu tamanha carga ideológica
embutida numa revista.



Página de Marvel Apresenta #5É
inegável a proposta intervencionista da história. É inegável a idealização
de um estado árabe pacífico. É inegável a bestialização da rebeldia e
do extremismo.



Um ponto que pode depor contra esta análise ou reforçá-la ainda mais é
a data da publicação nos Estados Unidos: setembro de 2001.



Por um lado, pode realmente mostrar o uso ideológico da HQ como resposta
ao atentado sofrido; por outro, se o fatídico 11 de setembro foi concomitante
ao lançamento dessa história (assim, muito cedo para refletir culturalmente
a tragédia), pode provar uma forte tendência de demonizar certa face do
mundo árabe.



Ontem, o Capitão América batia no Caveira Vermelha.



Hoje, o Quarteto Fantástico tenta evitar a (o) Jihad.



É... os tempos mudam.



André Lopes é jornalista,
fã de super-heróis e completamente contrário a qualquer tipo de fanatismo
 

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