Hank Ketcham tinha o dom de entender a infância
Muita gente grande já escreveu ou disse coisas bonitas sobre a infância. Acho que foi Madre Tereza que, um dia, falou que são as crianças os maiores mestres da humanidade. Mas... mestres como? O que, realmente, estas pessoas queriam dizer? Quantas delas realmente conseguiram entender a infância?
O que muito adulto tende a fazer é esquecer a infância que teve, e tratar as crianças como, simplesmente, o futuro de qualquer coisa. Mas qualquer criança sabe que infância não é futuro de coisa alguma, mas um momento presente e consciente de alguém que existe agora, e percebe, muito bem, o que está acontecendo à sua volta neste exato momento, sendo certo ou errado, bom ou ruim.
Marcus Hamilton, um dos desenhistas que ajudaram a perpetuar a criação de Hank Ketcham, mostrou, em 1998, que Dennis e Lucas tinham muito em comum |
Falar da infância não é tão simples, como pode parecer à primeira vista. Por que isso significa falar do ser humano em sua maior amplitude. Sem tantas poses, máscaras sociais e artificialismos impostos pela vida. Nós, adultos, tão cheios dessas mesmas poses de sabe-tudo da vida, não sabemos lidar tão facilmente com o ser humano em estado puro e, quase sempre, metemos os pés pelas mãos. Ou, simplesmente mentimos para nós mesmos, idealizando sobre o único momento em nossas vidas em que fomos, simples e exatamente, quem nós nascemos para ser.
Hank Ketcham foi uma dessas pessoas iluminadas, que soube falar da infância com toda sinceridade, humildade e humor devidos. Sinceridade para expressar seu amor pelo gênero humano, que o Dennis representou todo este tempo. Humildade para reconhecer como somente um ser humano em estado de infância seria capaz de escrever o que o Pimentinha dizia. E fazer como ele fazia tudo na vida, sem autocensura, sem castrações, sem poses ou máscaras e com tanta fé no futuro, na humanidade e em sua capacidade de crescer e vencer desafios - eis a maior lição da infância, talvez (afinal, são tantas). E bom humor, pois somente a criança ainda acredita - pergunte a qualquer menino gordinho de condomínio ou com fome na rua - como é gostoso jogar bola, lambuzar-se de manga, atirar com estilingues, empinar pipas, etc, etc, etc...
O "cartão de visitas" de Luis Augusto para se apresentar a Hank Ketcham foi esta tira, na qual Lucas contracena com Dennis |
Dennis, que não envelhecia, feito Peter Pan, com seus eternos cinco anos e meio de idade, nunca deixou de acreditar que, um dia, seria capaz de entender os adultos, de desvendar todos os mistérios, de entender as meninas - talvez fosse esta a sua única certeza menos certa, mas quem o culpa? Dennis sequer entendia a si mesmo!
O que ele sabia, realmente, é que queria ser feliz e se divertir com todos de quem gostava. Seus pais, Joey, Tonny, Margareth, Gina, Ruff e, principalmente, seu vizinho, Sr. Wilson, eterno representante daqueles que vivem resmungando a juventude perdida e acreditam que, junto com ela, acabaram todas as suas razões para crescer. Pobre George Wilson... Pobres dos Georges Wilsons que envelhecem tão "capitãoganchamente" em nós...
Lucas abraça Dennis, numa bela homenagem a Henk Ketcham |
Hank Ketcham era da mesma geração que nos deu e levou Charles Schulz, Dennis era um ano mais novo que Charlie Brown. E, enquanto o Minduim desbravava as neuroses e ansiedades humanas, o Pimentinha brincava nos playgrounds. Ele ainda não havia envelhecido para tanta "adultice" - por mais fantásticas que sejam algumas dessas coisas de "gente grande". Ele não tinha tempo par isso, tinha mais o que brincar. E, brincando, fez o adulto questionar a si mesmo e a, nostalgicamente, perceber como dói manter quieto o Pimentinha que nunca desaparece de dentro da gente, por mais que a gente finja ou faça cara feia. Nós precisamos dele, feito o Sr. Wilson.
Mas Dennis sempre estará aqui. Como Charlie Brown e sua gangue. O Pimentinha está em cada rua de cada cidade. Brincando, rindo e fazendo barulho. Dennis estava comigo quando conheci o Lucas e estará comigo quando meus filhos apresentarem o Lucas aos filhos deles. Porque Dennis é uma criança de verdade, como poucas que há no papel. E criança é a alma do ser humano e, como esta, Dennis, o Pimentinha é eterno.
Longa vida a Hank Ketcham. Fabuloso!
Luis Augusto Gouveia sempre foi fã confesso do trabalho de Hank Ketcham. Em 1998, quando o "pai" de Pimentinha conheceu Lucas (da tira Fala Menino!), gostou muito e mandou um comentário tão singelo quanto significativo: Fabulous! Uma prova da admiração do autor baiano por Dennis são os personagens Caio (repare no cabelo dele) e Mateus (note o figurino do garoto), que homenageiam visualmente o eterno Pimentinha.
Caio tem o rosto e o cabelo muito parecidos com Dennis |
Não à toa, Mateus veste-se como Dennis, o Pimentinha |